VIA SACRA
Plinio Corrêa de Oliveira
[NOTA: Desta Via Sacra foram tiradas posteriores edições em separata, com modificações introduzidas pelo próprio Autor. O texto abaixo mantém, entretanto, a versão original, tal como foi publicada neste número de "Catolicismo".]
"Não pudestes velar uma hora comigo, vós que vos exortáveis a morrer por mim?
...pois não vedes Judas, como não dorme, mas se apressa para me entregar aos judeus?”
I Estação - Jesus é condenado à morte
O juiz que cometeu o crime profissional mais monstruoso de toda a História, não foi a ele impelido pelo tumultuar de nenhuma paixão ardente. Não o cegou o ódio ideológico, nem a ambição de novas riquezas, nem o desejo de comprazer a alguma Salomé. Moveu-o a condenar o Justo o receio de perder o cargo, parecendo pouco zeloso das prerrogativas de César; o medo de criar para si complicações políticas, desagradando ao populacho judeu; o medo instintivo de dizer “não”, de fazer o contrário do que se pede, de enfrentar o ambiente com atitudes e opiniões diferentes das que nele imperam.
Vós, Senhor, o fitastes por longo tempo com aquele olhar que em um segundo operou a salvação de Pedro. Era um olhar em que transparecia vossa suprema perfeição moral, vossa infinita inocência, e, entretanto, ele Vos condenou.
Senhor, quantas vezes imitei Pilatos! Quantas vezes, por amor à minha carreira, deixei que em minha presença a ortodoxia fosse perseguida, e me calei. Quantas vezes presenciei de braços cruzados a luta e o martírio dos que defendem Vossa Igreja! E eu não tive a coragem de lhes dar sequer uma palavra de apoio, pela abominável preguiça de enfrentar os que me rodeiam, de dizer “não” aos que formam meu ambiente, pelo medo de “ser diferente dos outros”. Como se me tivésseis criado, Senhor, não para Vos imitar, mas para imitar servilmente os meus companheiros.
Naquele instante doloroso da condenação, Vós sofrestes por todos os covardes, por todos os moles, por todos os tíbios,... por mim, Senhor.
Meu Jesus, perdão e misericórdia. Pela fortaleza de que me destes exemplo arrostando a impopularidade e enfrentando a sentença do magistrado romano, curai em minha alma a chaga da moleza!
II Estação - Jesus leva a Cruz às costas
Inicia-se assim, meu adorado Senhor, a vossa caminhada para o lugar da imolação. Não quis o Pai Celeste que fôsseis morto num golpe fulminante. Vós teríeis de nos ensinar em vossa Paixão, não apenas a morrer, mas a enfrentar a morte. Enfrentá-la com serenidade, sem hesitação nem fraqueza, caminhando, até, para ela com o passo resoluto do guerreiro que avança para o combate, eis a admirável lição que me dais.
Diante da dor, meu Deus, quanta é a minha covardia! Ora contemporizo antes de tomar sobre mim a minha cruz; ora recuo traindo o dever; ora, por fim, eu o aceito mas com tanto tédio, tanta moleza, que pareço odiar o fardo que vossa vontade me pôs sobre os ombros.
Em outros assuntos, quantas vezes fecho os olhos, para não ver a dor! Cego-me voluntariamente com um otimismo estúpido, porque não tenho coragem de enfrentar a provação. E por isto minto a mim mesmo: não é verdade que a renúncia àquele prazer se impõe a mim para que não caia em pecado; não é verdade que tal hábito a que devo renunciar, favorece minhas mais entranhadas paixões; não é verdade que àquele ambiente, àquela amizade que devo abandonar minam e solapam toda a minha vida espiritual; não, nada disto é verdade... fecho os olhos, e atiro de lado minha cruz.
Meu Jesus, perdoai-me tanta preguiça, e pela chaga que a Cruz abriu em vossos ombros, curai, Pai de Misericórdias, a chaga horrível que em minha alma abri com anos inteiros vividos no relaxamento interior, e na condescendência para comigo!
III Estação - Jesus cai pela primeira vez
Como então, Senhor? Não Vos era lícito abandonar vossa Cruz? Pois se a carregastes até que todas as vossas forças se exaurissem, até que o peso insuportável do madeiro Vos lançasse por terra, não estava bem provado que Vos era impossível prosseguir? Estava cumprido vosso dever. Os Anjos do Céu que carregassem agora por Vós a Cruz. Vós havíeis prestado o sacrifício de todas as Vossas forças. Que mais haveríeis de dar?
Entretanto, Vós agistes de outro modo, e destes à minha covardia uma alta lição. Esgotadas vossas forças, não renunciastes ao fardo, mas pedistes mais forças ainda para carregar novamente a Cruz. E as obtivestes.
É difícil hoje, a vida do cristão. Obrigado a lutar sem tréguas contra si para se manter na linha dos Mandamentos, parece uma exceção extravagante num mundo que estadeia na luxúria e na opulência a alegria de viver. Pesa-nos aos ombros a cruz da fidelidade à Vossa Lei, Senhor. E, por vezes, o fôlego parece faltar-nos.
Nestes instantes de prova, sofismamos. Já fizemos quanto em nós estava. Afinal, é tão limitada a força do homem! Deus terá isto em conta... deixemos cair a cruz à beira do caminho e afundemos suavemente na vida do prazer. Ah, meu Deus, quantas cruzes abandonadas à beira dos nossos caminhos, quiçá à beira dos meus caminhos!
Dai-me, Jesus, a graça de ficar abraçado à minha cruz, ainda quando eu desfaleça sob o peso dela. Dai-me a graça de me reerguer sempre que tiver desfalecido. Dai-me, Senhor, a graça suprema de nunca sair do caminho por onde devo chegar ao alto do meu próprio calvário.
IV Estação - Encontro de Jesus com sua Mãe
Quem, Senhora, vendo-Vos assim em pranto, ousaria perguntar por que chorais? Nem a Terra, nem o mar, nem todo o firmamento, poderiam servir de termo de comparação à Vossa dor. Dai-me, minha Mãe, um pouco pelo menos, desta dor. Dai-me a graça de chorar a Jesus, com as lágrimas de uma compunção sincera e profunda.
Sofreis em união a Jesus. Dai-me a graça de sofrer como Vós e como Ele. Vossa dor maior não foi por contemplar o inexprimível tormento de Vosso Divino Filho. O que são os males do corpo, em comparação com os da alma? Se Jesus sofresse todos aqueles tormentos, mas ao seu lado houvesse almas compassivas! Se o ódio mais estúpido, mais injusto, mais alvar, não ferisse o Sagrado Coração enormemente mais do que o peso da Cruz e dos maus tratos feriam o Corpo de Nosso Senhor! Mas a manifestação tumultuosa do ódio e da ingratidão daqueles a quem Ele tinha amado... a dois passos dele, estava um leproso a quem havia curado... mais longe, um cego a quem tinha restituído a vista... pouco além, um sofredor a quem tinha restituído a paz. E todos pediam a sua morte, todos O odiavam, todos O injuriavam. Tudo isto fazia sofrer imensamente mais Jesus, do que as inexprimíveis dores físicas que pesavam sobre seu Corpo.
Mas havia pior. Havia o pior dos males. Havia o pecado, o pecado declarado, o pecado protuberante, o pecado atroz. Se todas aquelas ingratidões fossem feitas ao melhor dos homens, mas por absurdo não ofendessem a Deus! Mas elas eram feitas ao Homem-Deus, e constituíam contra toda a Trindade Santíssima um pecado supremo. Eis aí o mal maior da injustiça e da ingratidão. Este mal não está tanto em ferir os direitos do benfeitor, mas em ofender a Deus. E de tantas e tantas causas de dor, a que mais Vos fazia sofrer, Mãe Santíssima, Redentor Divino, era por certo o pecado.
E eu, lembro-me de meus pecados? Lembro-me por exemplo do meu primeiro pecado, ou do meu pecado mais recente? Da hora em que o cometi, do lugar, das pessoas que me rodeavam, dos motivos que me levaram a pecar? Se eu tivesse pensado em toda a ofensa que Vos traz um pecado, teria eu ousado ofender-Vos, Senhor?
Oh, minha Mãe, pela dor do santo Encontro, obtende-me a graça de ter sempre diante dos olhos Jesus Sofredor e Chagado, precisamente como Vós O vistes neste passo da Paixão.
V Estação - Jesus ajudado pelo Cireneu a levar a Cruz
Quem era este Simão, que se sabe dele, senão que era de Cirene? E o que sabe o geral dos homens sobre Cirene, senão que era a terra de Simão? Tanto o homem como a cidade emergiram da obscuridade para a glória, e para a mais alta das glórias que é a glória sagrada, num momento em que bem outros eram os pensamentos do Cireneu.
Vinha ele despreocupado pela estrada. Pensava tão somente nos pequenos problemas e nos pequenos interesses de que se compõe a vida miúda da maior parte dos homens. Mas Vós, Senhor, atravessastes seu trajeto com Vossas Chagas, Vossa Cruz, Vossa imensa dor. E a este Simão tocou tomar posição perante Vós. Forçaram-no a carregar convosco a Cruz. Ou ele a carregaria mal-humorado, indiferente a Vós, procurando tornar-se simpático ao povo por meio de algum novo modo de aumentar Vossos tormentos de alma e de corpo; ou ele a carregaria com amor, com compaixão, sobranceiro ao populacho, procurando aliviar-Vos, procurando sofrer em si um pouco de Vossa dor, para que sofrêsseis um pouco menos. O Cireneu preferiu sofrer conVosco. E por isto seu nome é repetido com amor, com gratidão, com santa inveja, há dois mil anos, por todos os homens de fé, em toda a face da Terra, e assim continuará a ser até a consumação dos séculos.
Também pelos meus caminhos Vós passastes, meu Jesus. Passastes quando me chamastes das trevas do paganismo para o seio de Vossa Igreja, com o Santo Batismo. Passastes quando meus pais me ensinaram a rezar. Passastes quando no meu curso de catecismo comecei a abrir a minha alma para a verdadeira doutrina católica e ortodoxa. Passastes na minha primeira Confissão, na minha primeira Comunhão, em todos os momentos em que vacilei e em que me amparastes, em todos os momentos em que caí e me reerguestes, em todos os momentos em que pedi e me atendestes.
E eu, Senhor? Ainda agora, passais por mim nas comemorações da Semana Santa. O que faço quando Vós passais por mim?
VI Estação - A Verônica enxuga o rosto de Jesus
Dir-se-ia à primeira vista que prêmio maior jamais houve na história. Com efeito, que rei teve nas mãos tecido mais precioso do que aquele Véu? Que general teve bandeira mais augusta? Que gesto de coragem e dedicação foi recompensado com favor mais extraordinário?
Entretanto, há uma graça que vale muito mais do que a de possuir milagrosamente estampada num véu a Santa Face do Salvador. No Véu, a representação da Face divina foi feita como em um quadro. Na Santa Igreja Católica Apostólica Romana ela é feita como num espelho.
Em suas instituições, em sua doutrina, em suas leis, em sua unidade, em sua universalidade, em sua insuperável catolicidade, a Igreja é um verdadeiro espelho no qual se reflete nosso Divino Salvador. Mais ainda, Ela é o próprio Corpo Místico de Cristo.
E nós, todos nós, temos a graça de pertencer à Igreja, de sermos uma pedra viva da Igreja!
Como devemos agradecer este favor. Não nos esqueçamos porém, de que noblesse oblige. Pertencer à Igreja é coisa muito alta e muito árdua. Devemos pensar como a Igreja pensa, sentir como a Igreja sente, agir como a Igreja quer que procedamos em todas as circunstâncias de nossa vida. Isto supõe um senso católico real, uma pureza de costumes autêntica e completa, uma piedade profunda e sincera. Em outros termos, supõe o sacrifício de uma vida inteira.E qual é o prêmio? Christianus alter Christus. Eu serei de modo exímio uma reprodução do próprio Cristo. A semelhança de Cristo se imprimirá viva e sagrada, em minha própria alma.
Ah, Senhor, se é grande a graça concedida à Verônica, quanto maior é o favor que a mim me prometeis.
Peço-Vos força e resolução para, por meio de minha fidelidade a toda prova, verdadeiramente o alcançar.
VII Estação - Jesus cai pela segunda vez
Cair, estirar-se ao longo do chão, ficar aos pés de todos, dar pública manifestação de já não ter força são estas as humilhações a que Vos quisestes sujeitar, Senhor, para minha lição. De Vós ninguém se condoeu. Redobraram as injúrias e os maus tratos. E enquanto isto vossa graça solicitava em vão, no íntimo daqueles corações empedernidos, um movimento de piedade.
Mesmo neste momento, quisestes continuar vossa Paixão para salvar os homens. Que homens? Todos, inclusive os que ali estavam aumentando de todos os modos a Vossa dor.
No meu apostolado, Senhor, deverei continuar mesmo quando todas as minhas obras estiverem por terra, mesmo quando todos se conjugarem contra mim, mesmo quando a ingratidão e a perversidade daqueles mesmos a quem quis fazer bem, se volte contra mim.Não terei a fraqueza de mudar de caminho para os agradar. Meus caminhos só podem ser as Vossas, isto é, os caminhos da ortodoxia, da pureza, da austeridade. Mas, nos Vossos caminhos sofrerei por eles. E unidas minhas dores imperfeitas à vossa dor perfeita, à Vossa dor infinitamente preciosa, continuarei a lhes fazer bem. Para que se salvem, ou para que as graças rejeitadas se acumulem sobre eles como brasas ardentes, clamando por punição. Foi o que fizestes com o povo deicida, e com todos aqueles que até o fim Vos rejeitaram.
VIII Estação - Jesus consola as filhas de Jerusalém
Não faltaram então almas boas, que percebiam a enormidade do pecado que se praticava, e temiam pela justiça divina.
Não presencio eu algum pecado assim? Hoje em dia, não é bem verdade que o Vigário de Cristo é desobedecido, abandonado, traído? Não é bem verdade que as leis, as instituições, os costumes são cada vez mais hostis a Jesus Cristo? Não é bem verdade que se constrói todo um mundo, toda uma civilização baseada sobre a negação de Jesus Cristo? Não é bem verdade que Nossa Senhora falou em Fátima apontando todos estes pecados e pedindo penitência?
Entretanto, onde está esta penitência? Quantos são os que realmente veem o pecado e procuram apontá-lo, denunciá-lo, combatê-lo, disputar-lhe passo a passo o terreno, erguer contra ele toda uma cruzada de ideias, de atos, de viva força se necessário for? Quantos são capazes de desfraldar o estandarte da ortodoxia absoluta e sem jaça, nos próprios lugares onde pompeia a impiedade, ou a piedade falsa? Quantos são os que vivem em união com a Igreja este momento que é trágico como trágica foi a Paixão, este momento crucial da História em que uma humanidade inteira está escolhendo por Cristo ou contra Cristo?
Ah, meu Deus, quantos míopes que preferem não ver nem pressentir a realidade que lhes entra olhos adentro! Quanta calmaria, quanto bem-estar miúdo, quanta pequena delícia rotineira! Quanto saboroso prato de lentilhas a comer!
Dai-me, Jesus, a graça de não ser deste número. A graça de seguir Vosso conselho, isto é, de chorar por nós e pelos nossos. Não de um choro estéril, mas de um pranto que se verte aos vossos pés, e que, fecundado por Vós, se transforma para nós em perdão, em energias de apostolado, de luta, de intrepidez.
IX Estação - Jesus cai pela terceira vez
Estais, Senhor meu, mais depauperado, mais chagado, mais exangue, mais cansado do que nunca. Que Vos espera? Chegastes ao termo? Não. Precisamente o pior está para suceder. O crime mais atroz ainda está para ser praticado. As dores maiores ainda estão por serem sofridas. Estais por terra pela terceira vez, entretanto tudo isto que ficou para trás não é senão um prefácio. E eis que Vos vejo novamente movendo este Corpo que não é senão uma chaga. O que parecia impossível se opera, e mais uma vez Vos pondes de pé lentamente, se bem que cada movimento seja para Vós mais uma dor. Eis-Vos, Senhor, ereto ainda uma vez... com Vossa Cruz. Soubestes encontrar novas forças, novas energias, e continuais. Três quedas, três lições iguais de perseverança, cada qual mais pungente e mais expressiva que a outra.
Por que tanta insistência? Porque é insistente nossa covardia. Resolvemo-nos, mas a covardia volta sempre à carga. E para que ela ficasse sem pretextos em nossa fraqueza, quisestes Vós mesmo repetir três vezes a lição.
Sim, nossa fraqueza não pode servir-nos de pretexto. A graça, que Deus nunca recusa, pode o que as forças meramente naturais não poderiam.
Deus quer ser servido até o último alento, até a extenuação da última energia, e multiplica nossas energias para que nossa dedicação chegue aos extremos do imprevisível, do inverossímil, do miraculoso. A medida de amar a Deus consiste em amá-Lo sem medidas, disse São Francisco de Sales. A medida de lutar por Deus consiste em lutar sem medidas, diríamos nós.
Eu, porém, como me canso depressa! Nas minhas obras de apostolado, o menor sacrifício me detém, o menor esforço me causa horror, a menor luta me põe em fuga. Gosto do apostolado, sim. De um apostolado inteiramente conforme com minhas preferências e fantasias, que faço ao Deus dará, quando quero, como quero, porque quero. E depois julgo ter feito a Deus uma imensa esmola.
Mas Deus não se contenta com isto. Para a Igreja, quer Ele toda a minha vida, quer organização, quer sagacidade, quer intrepidez, quer a inocência da pomba mas a astúcia da serpente, a doçura da ovelha mas a cólera irresistível e avassaladora do leão. Se devo sacrificar carreira, amizades, vínculos de parentesco, vaidades mesquinhas, hábitos inveterados para servir a Nosso Senhor, devo fazê-lo. Pois que este passo da Paixão me ensina que para Deus se deve dar tudo, absolutamente tudo, e depois de ter dado tudo ainda devemos dar nossa própria vida.
X Estação - Jesus despido de suas vestes
Tudo, sim, absolutamente tudo. Até vergonha devemos sofrer por amor de Deus e para a salvação das almas.
Aí está a prova. O Puro por excelência foi despido, e os impuros O escarneceram em sua pureza. E Nosso Senhor resistiu às chacotas da impureza.
Não parece insignificante que resista à chacota quem já resistiu a tantos tormentos? Entretanto, mais esta lição nos era necessária. Pela chacota de uma criada, São Pedro negou. Quantos homens terão abandonado Nosso Senhor pelo medo do ridículo! Pois se há gente que vai à guerra expor-se a tiros e morte para não ser escarnecida como covarde, não é bem exato que há certos homens que têm mais medo de um riso do que de tudo?
Nosso Senhor enfrentou o ridículo. E nos ensinou que nada é ridículo quando está na linha da virtude e do bem.
Ensinai-me, Senhor, a refletir em mim a majestade de vosso Semblante e a força de vossa perseverança, quando os ímpios quiserem manejar contra mim a arma do ridículo.
XI Estação - Jesus pregado na Cruz
A impiedade escolheu para Vós, meu Senhor, o pior dos tormentos finais. O pior, sim, pois que é o que faz morrer lentamente, o que produz sofrimentos maiores, o que mais infamava, porque era reservado aos criminosos mais abjetos. Tudo foi aparelhado pelo inferno para Vos fazer sofrer, quer na alma, quer no corpo.
Este ódio imenso não contém para mim alguma lição? Ai de mim, que jamais a compreenderei suficientemente, se não chegar a ser santo. Entre Vós e o demônio, entre o bem e o mal, entre a verdade e o erro, há um ódio profundo, irreconciliável, eterno. As trevas odeiam a luz, os filhos das trevas odeiam os filhos da luz, a luta entre uns e outros durará até a consumação dos séculos, e jamais haverá paz entre os filhos da Mulher e os filhos da Serpente...
Para que se compreenda a imensidade deste ódio, a extensão incomensurável deste abismo, contemple-se tudo quanto este ódio ousou fazer. É o Filho de Deus que aí está, transformado, na frase da Escritura, em um leproso, no qual nada existe de são, num ente que se contorce como um verme sob a ação da dor, odiado, detestado, abandonado, pregado numa cruz entre dois vulgares ladrões.
O Filho de Deus, que grandeza infinita, inimaginável, absoluta, se encerra nestas palavras! Eis entretanto o que o ódio ousou contra o Filho de Deus!
E toda a História do mundo, toda a História da Igreja não é senão esta luta inexorável entre os que são de Deus e os que são do demônio, entre os que são da Virgem e os que são da serpente. Luta na qual não há apenas equívoco da inteligência, nem só fraqueza, mas também maldade, maldade deliberada, culpada, pecaminosa, nas hostes angélicas e humanas que seguem a Satanás.
Eis o que precisa ser dito, comentado, lembrado, acentuado, proclamado, e mais uma vez lembrado aos pés da Cruz. Pois que somos tais, e o liberalismo a tal ponto nos desfigurou, que somos levados a esquecer sempre este aspecto imprescindível da Paixão.
Conhecia-o bem a Virgem das Virgens, a Mãe de todas as dores, que aos pés da Cruz participava da Paixão. Conhecia-o bem o Apóstolo virgem que aos pés da Cruz recebeu Maria como Mãe, e com isto teve o maior legado que jamais foi dado a um homem receber. Porque há certas verdades que Deus reservou para os puros, e negou aos impuros.
Minha Mãe, no momento em que até o bom ladrão mereceu perdão, pedi que Jesus me perdoe todas as impurezas, toda a cegueira com que tenho considerado a obra das trevas que se trama em redor de mim.
XII Estação - Jesus morre na Cruz
Chegou por fim o ápice de todas as dores. É um ápice tão alto que se envolve nas nuvens do mistério. Os padecimentos físicos atingiram a seu extremo. Os tormentos morais alcançaram seu auge. Um tormento misterioso deveria ser o cume de tão inexprimível dor: “Meu Pai, meu Pai, por que Me abandonastes?”
De um certo modo misterioso, o próprio Homem Deus sofreu os tormentos espirituais do abandono em que a alma não tem consolações de Deus. E tal foi este tormento, que Ele, de quem os Evangelistas não registraram uma só palavra de dor, proferiu aquele brado terrível: “Meu Pai, meu Pai, por que Me abandonastes?”
Sim, porquê? Porque, se era Ele a própria inocência? Abandono terrível seguido da morte, e da perturbação de toda a natureza. O sol se velou. O Céu perdeu seu esplendor. A Terra estremeceu. O véu do Templo de rasgou. A desolação cobriu todo o universo.
Porquê? Para remir o homem. Para destruir o pecado. Para abrir as portas do Céu. O ápice do sofrimento foi o ápice da vitória. Estava morta a morte. A Terra purificada era como um grande campo desbastado para que sobre ela se edificasse a Igreja.
Tudo isto foi, pois, para salvar. Salvar os homens. Salvar este homem que sou eu. Minha salvação custou todo este preço. E eu não regatearei mais sacrifício algum para assegurar salvação tão preciosa. Pela água e pelo Sangue que verteram de vosso divino Lado, pela Chaga de vosso Coração, pelas dores de Maria Santíssima, Jesus, daime forças para me desapegar das pessoas e das coisas que me possam distanciar de Vós. Morram hoje, pregadas na Cruz, todas as amizades, todos os afetos, todas as ambições, todos os deleites que de Vós me separavam.
XIII Estação - Jesus descido da Cruz
O repouso do Sepulcro Vos aguarda, Senhor. Nas sombras da morte, abris o Céu aos justos do limbo, enquanto na Terra, em torno de vossa Mãe se reúnem uns poucos fiéis para Vos tributar honras funerárias. Há no silêncio destes instantes uma primeira claridade de esperança que nasce. Estas primeiras homenagens que Vos são prestadas são o marco inaugural de uma série de atos de amor da humanidade redimida que se prolongarão até o fim dos séculos.
Quadro de dor, de desolação, mas de muita paz. Quadro em que se pressagia algo de triunfal nos cuidados indizíveis com que vosso divino Corpo é tratado.
Sim, aquelas almas piedosas se condoíam, mas algo nelas lhes fazia pressentir em Vós o Triunfador glorioso.
Possa eu também, Senhor, nas grandes desolações da Igreja, ser sempre fiel, estar presente nas horas mais tristes, conservando inabalável a certeza de que a Igreja triunfará pela fidelidade dos bons, pois que A assiste a proteção de Deus.
XIV Estação - Jesus posto no sepulcro
Correu-se a laje. Parece tudo acabado. É o momento em que tudo começa. É o reagrupamento dos Apóstolos. É o renascer das dedicações, das esperanças, a Páscoa se aproxima.
Ao mesmo tempo, o ódio dos inimigos ronda em torno do sepulcro e de Maria Santíssima e dos Apóstolos.
Mas Eles não temem. E em pouco raiará a Ressurreição.
Possa também eu, Senhor Jesus, não temer. Não temer quando tudo parecer perdido irremediavelmente. Não temer quando todas as forças da Terra parecerem postas em mãos de vossos inimigos. Não temer porque estou aos pés de Nossa Senhora, junto da qual se reagruparão sempre e sempre mais uma vez, para novas vitórias, os verdadeiros seguidores da Igreja de Cristo.