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«O SENHOR TE ABENÇOOU NA SUA FORÇA, PORQUE POR TI ANIQUILOU NOSSOS INIMIGOS»
[Legenda]
«O Senhor Vos abençoou na Sua força, porque por Vós aniquilou nossos inimigos» (Judith, 13.22). Na festa do Rosário, a Igreja aplica tais palavras a Nossa Senhora. Por ocasião da batalha de Lepanto essa aniquilação foi completa e o museu da armeria real de Madri conserva, juntamente com os estandartes da esquadra cristã, as armas e insígnias dos muçulmanos derrotados.
O mês de outubro é consagrado pela piedade cristã ao Santo Rosário. Habitualmente, esta devoção é apregoada sobretudo do ponto de vista do bem que produz nas almas, individualmente consideradas. Entretanto, o Rosário também tem um papel extraordinário como meio de defesa da Igreja contra seus adversários internos e externos. E este último aspecto não pode deixar de ser muito atentamente considerado pelos católicos de nossos dias.
Com efeito, poucas épocas terá havido, na História já vinte vezes secular da Igreja, em que a Cristandade tenha passado por tantos perigos internos e externos. Pode-se mesmo afirmar que jamais se desferiu contra a Igreja de Nosso Senhor Jesus Cristo tamanha ofensiva quanto a de nossos dias. Externamente, temos o moloch comunista, que estende seus tentáculos desde o Elba até a Indochina, e mantém uma rede de agitadores em todo o globo. De outro lado, renasce o perigo muçulmano, já que todas as nações maometanas, desde o Marrocos até o Paquistão, se agitam no sentido de sacudir o jugo das nações cristãs europeias, e formar um bloco internacional coeso, que terá como eixo de união a fidelidade aos princípios do Islam. Na Judéia, o Estado israelita se reconstituiu, e ameaça os Lugares Santos. No Ocidente cristão, a hegemonia passou decididamente — se bem que não definitivamente — das nações católicas para as protestantes. De outro lado, nas próprias entranhas dos povos católicos, quantas crises, quantos problemas, quantas dificuldades! E que "lendemain" se pode esperar para a Igreja em meio a tudo isto!
Há, é certo, a promessa divina: Jesus Cristo assegurou que jamais as portas do Inferno prevaleceriam contra Ela. Entretanto, a indestrutibilidade da Igreja não significa para ela a impossibilidade de perder terreno, mas sim de desaparecer. A História nos mostra que, ao longo dos séculos, nações inteiras se desgarraram do grêmio da Igreja. Se considerarmos que cada alma tem aos olhos de Deus um valor incomensurável, o que dizer da possibilidade da perda de povos inteiros, não apenas durante uma geração ou um século, mas durante gerações e gerações, e quiçá até a consumação dos séculos?
Contra estes perigos coletivos, o Santo Rosário é uma arma inexcedível. Com efeito, esta devoção foi revelada por Nossa Senhora a São Domingos de Gusmão, no século XIII, quando grassava no sul da França a heresia dos albigenses. Estes hereges costumavam ocultar sua doutrina, e se inculcavam como católicos modelares, com o que atraiam a confiança e a simpatia de muitos fiéis. Aos poucos, porém, eles iam iniciando seus neófitos numa doutrina secreta, que em última análise muito se parecia com o comunismo contemporâneo: panteísmo monista, amor livre, supressão da propriedade individual. A heresia albigense ameaçava a contagiar como uma lepra, o próprio cerne da Cristandade, isto é, não só o resto da França, como os países vizinhos. Os meios de repressão mais diversos haviam falhado completamente, e o Ocidente se achava exposto a uma profunda subversão política e social, quando Nossa Senhora revelou a São Domingos a devoção ao Rosário. Foi suficiente a pregação desta nova devoção para a invencível heresia ir aos poucos perdendo terreno, até ser completamente eliminada.
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No século XVI, o Santo Rosário alcançou para a Cristandade uma vitória insigne, não contra um inimigo interno, mas contra um adversário externo. Dada a divisão do Ocidente entre católicos e protestantes, e a visível conjunção de forças entre estes últimos e os muçulmanos contra a Igreja Católica, a defesa da Cristandade contra o Islam ficou seriamente ameaçada. Para fazer face ao poderio naval turco, o Papa S. Pio V reuniu, num supremo esforço, uma esquadra composta de naus fornecidas por Filipe II, pela República de Veneza, e pelos próprios Estados Pontifícios. Esta esquadra, assim constituída foi posta sob o comando de D. João d'Áustria, filho de Carlos V, e, na altura de Lepanto, se encontrou com os turcos, com quem travou tremenda batalha, que durante algum tempo decorreu favorável aos infiéis. Mas a certa altura da luta os turcos começaram a fugir espavoridos, dizendo que uma Senhora de admirável imponência lhes aparecera, protegendo os cristãos, e impondo-lhes, com olhar terrível, a debandada. A derrota dos muçulmanos foi espetacular e completa, livrando toda a Cristandade de um terrível pesadelo. Enquanto a luta se feria em Lepanto, o Papa São Pio V, muito devoto de Nossa Senhora, rezava assiduamente o Rosário:- Em certo momento recebendo sem dúvida uma comunicação sobrenatural, interrompeu ele a oração, e preveniu alguns circunstantes da grande vitória ocorrida, que foi sempre atribuída por todos a força impetratória do Santo Rosário. Lepanto e Rosário passaram pois a ser termos conexos na linguagem cristã.
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Essas grandes reminiscências históricas nos trazem insensivelmente à lembrança problemas de nossos dias. Quanta e quanta vez, em nosso apostolado, tivemos a impressão de que certos ambientes estavam fechados a nossa influência pela força de preconceitos ou de vícios invencíveis! Quantas vezes se nos afigurou que o poder mundial dos adversários da Igreja é tão desproporcionado com nossos meios de ação, que nos sentimos quase tentados a duvidar da vitória! Confiamos por demais no natural, e não confiamos bastante no sobrenatural. E por isto fraquejamos.
O mês do Rosário nos deve trazer presente ao espírito a importância primordial da oração, na luta da Igreja contra a Cidade do Demônio, e, principalmente, deve avivar em nós a convicção de que nossa oração, indigente e miserável em si mesma, adquire aos olhos de Deus um valor e uma eficácia inestimável, quando apresentada por intermédio d'Aquela a quem os teólogos chamam "Onipotência Suplicante". E já que a mesma Maria Santíssima nos ensinou o Rosário como meio excelente para obtermos todas as graças, o que pode haver de mais próprio a excitar nossa confiança, do que rezar segundo o método que Ela mesmo ensinou?
[Mensagem de Pio XII à nação portuguesa]
Rainha do Santíssimo Rosário, Auxílio dos Cristãos. Refúgio do gênero humano, vencedora de todas as grandes batalhas de Deus, ao Vosso trono, súplices, nos prostramos, seguros de conseguir misericórdia e de encontrar graça e auxílio oportuno nas presentes calamidades, não pelos nossos méritos, que não possuímos, mas unicamente pela imensa bondade do Vosso Coração materno. Ao Vosso Coração Imaculado, Nós, como Pai comum da grande família cristã, como Vigário d'Aquele a quem foi dado todo o poder no Céu e na Terra e de Quem recebemos a solicitude de quantas almas remidas com o Seu sangue povoam o mundo universo: ao Vosso Coração Imaculado, nesta hora trágica da história humana, confiamos, entregamos, consagramos, não só a Santa Igreja, Corpo Místico do Vosso Jesus, que pena e sangra em tantas partes, por tantos modos atribulada, mas também todo o mundo dilacerado por essenciais discórdias, abrasado em incêndios de ódios, vítima de suas próprias iniquidades. (Mensagem à nação portuguesa, de 31-X-1942).
PioXII
TRÉGUAS ENTRE A IGREJA E A MAÇONARIA?
Basta-nos a graça de Deus, ou precisamos das muletas suspeitas que nos oferecem as lojas?
Cunha Alvarenga
«Le mal ne demande pas toujours à chasser le bien: — Il demande la permission de cohabiter avec lui.» (Hello)
«Catolicismo e franco-maçonismo se excluem mutuamente; se um triunfa, o outro deve desaparecer.» Isto diz a revista maçônica suíça «Alpina» (número de janeiro de 1918).
Ora, objetar-se-á, eis aí uma opinião que não deve ser generalizada. Contra este texto, inúmeros outros podem ser citados em que figuras representativas do mundo maçônico, pelo menos ultimamente, mostram como a Igreja Católica e a maçonaria podem prosseguir em suas tarefas, senão ombro a ombro, em regime de união ou colaboração, pelo menos em rumos paralelos, sem se hostilizarem. E além de tais declarações de armistício saídas do fundo das lojas, dos próprios arraiais católicos costumam surgir nestes últimos tempos reiterados apelos à reconciliação, ou pelo menos a uma trégua.
Assim é que o Sacerdote católico J. Berteloot recentemente do seguinte modo se referia a este assunto: — «Mas uma vez feitas estas restrições, Leão XIII mantém seu veredictum e é forçoso reconhecer que ele tinha para isso excelentes razões: razões que hoje talvez não mais existam mas que eram muito atuais naqueles tempos». («La Franc-Maçonnerie et l'Eglise Catholique — Motifs de condamnation», pag. 105). Trata-se da condenação da maçonaria feita por Leão XIII pela Encíclica «Humanum Genus». E por que talvez não mais existam as razões de condenação? Responde o citado autor católico em outro livro, no qual trata justamente das «perspectivas de pacificação» entre a Igreja e a maçonaria:
«... a Franco-Maçonaria, desde suas origens, profundamente evoluiu. Sucessivamente aristocrática no século dezoito, alta burguesa no século dezenove, ela se tornou em seguida pequena burguesa e popular. Na hora atual, o que domina dentro dela é o elemento socialista. Sem dúvida, os maçons falam ainda de liberdade, mas trata-se sobretudo de liberdade social. Aquilo de que eles desejam se libertar, é bem menos a sujeição eclesiástica, hoje desaparecida, que a sujeição capitalista, sempre mais poderosa e escravizante. Em resumo, trata-se de uma liberdade que se deve resolver em igualdade.» («La Franc-Maçonnerie et l'Eglise Catholique — Perspectives de pacification». por J. Berteloot, pag. 93.).
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É bem verdade que na própria exposição desses pontos de contato já nos deparamos com flagrantes contradições. Assim é que ao procurar mostrar como a ameaça do totalitarismo que pesa sabre o mundo também concorre para aproximar Igreja e maçonaria, diz o citado autor: — «Em suas tradições, eles (católicos e franco-maçons) não tiveram senão (sic) oposições doutrinárias. Entre seus objetivos, tão numerosos e tão diversos, existem alguns sobre os quais eles podem muito bem se compreender e se entender. Que desejavam os primeiros maçons do século dezoito? Retomar, por sua própria conta, a maioria dos princípios cristãos que haviam servido de fundamento à civilização europeia. Quando eles louvam a liberdade, a benevolência, a beneficência, a fraternidade das classes, das raças, das nações, eles louvam ideias cristãs.» ... «O que se lhes podia censurar, era menos esses pontos de seu programa que a maneira «laica» de os formular e os defender. Sob pretexto de os reforçar e os aperfeiçoar, eles os privavam do seu velho apoio dogmático, não se apercebendo que, por aí, os entregavam sem resistência aos perigosos tormentos da história.»
E em seguida: — «Hoje que esses princípios e essas instituições se acham fortemente ameaçados, porque não trabalhar, em paralelo, cada um de seu lado, em sua defesa? Não se encarregam os acontecimentos de facilitar essa ação acuando os adversários a uma solidariedade forçada? Nos países totalitários, em que os direitos mais sagrados são aniquilados. em que as liberdades mais caramente adquiridas são espezinhadas, em que os maçons e os cristãos autênticos são arrastados nas mesmas carretas, os inimigos de ontem por acaso não se acham de acordo para levantar os mesmos protestos? » (Obra cit., pag. 46 a 48).
Ora, como se vê, ao mesmo tempo que se procura apresentar a maçonaria como uma possível aliada da Igreja na luta contra o totalitarismo, é afirmado com a máxima clareza que o que domina atualmente dentro dela é o elemento socialista. Domínio lógico e coerente, pois a meta final da maçonaria do ponto de vista político é justamente o socialismo ou panteísmo social. E totalitarismo e socialismo se equivalem, pois o elemento característico da forma totalitária de opressão é o elemento socialista. Socialista era o fascismo, embora houvesse nascido com o propósito ostensivo de reação contra o comunismo que depois da primeira guerra mundial começava a ameaçar a Itália, ao ponto de Pio XI dizer, após alguns anos de experiência do fascismo: — «Nós, pelo contrário, Nós, a Igreja, a Religião, os fiéis católicos (e não somente o Romano Pontífice), não podemos estar agradecidos a quem, depois de haver dissolvido o socialismo e a maçonaria, nossos inimigos declarados (mas não somente Nossos), lhes abriu uma ampla estrada, como todo o mundo vê e o deplora, e permitiu que cheguem a ser tanto mais fortes e perigosos quanto mais dissimulados e mais favorecidos pelo novo uniforme. » (Pio XI na Encíclica «Non abbiamo bisogno», de 29 de junho de 1931).
Vê-se, portanto, que a dissolução da maçonaria e a perseguição ao comunismo empreendidas pelo fascismo serviram apenas para dissimular a ação maçônica e socializante da pseudo-direita totalitária na Itália. Aliás é fato histórico que vai sendo cada vez mais conhecido a ajuda emprestada pela maçonaria à marcha sobre Roma realizada pelos camisas pretas. Quem também diz nazismo diz socialismo, pois o totalitarismo hitlerista foi apenas um arremedo da subversão soviética adaptada ao ambiente nacionalista alemão.
Não devemos, portanto, procurar unicamente em razões ideológicas as divergências entre comunismo, nazismo, fascismo e outras formas totalitárias de ação social e política, mas sobretudo no campo das razões táticas. Como também devemos renunciar à ingenuidade de encarar a maçonaria estritamente do ponto de vista de suas aparentes atitudes ideológicas em uma determinada época, mas ter sempre a preocupação de estudar as razões táticas que costumam ditar certos recuos ou posições doutrinárias provisórias dessa organização secreta que, já ao tempo de Leão XIII e segundo esse grande Pontífice, parecia «haver-se feito quase dona dos Estados». (Encíclica «Humanum Genus», de 20 de abril de 1884).
«Sucessivamente aristocrática no século dezoito, alta burguesa no século dezenove, ela se tornou em seguida pequena burguesa e popular», diz o Padre Berteloot. Longe de indicar uma evolução da maçonaria, mostra isto o poder de adaptação dos emissários das lojas.
Em uma época predominantemente aristocrática, como o século dezoito, a maçonaria haveria de se infiltrar por entre a nobreza, como ainda acontece na Inglaterra, onde o próprio Rei é membro das lojas. O fenômeno Philippe-Egalité na Revolução Francesa é também por demais conhecido. Para instaurar no mundo a concepção liberal, laica e materialista da vida, a maçonaria invadiria o ambiente da alta burguesia — apossar-se-ia das universidades leigas, da política, da magistratura, dos homens de negócios, das profissões liberais. Em um ambiente proletarizante, outra etapa visada pela conjuração maçônica, não hão de faltar as lojas populares.
E é importante assinalar que quando os maçons louvam a liberdade, a benevolência, a beneficência, a fraternidade das classes, das raças, das nações, longe de louvar ideias cristãs, apenas acobertam o intento último e principal da seita, que, segundo Leão XIII, é «destruir até os fundamentos toda a ordem religiosa e civil estabelecida pelo Cristianismo, levantando à sua maneira outra nova com fundamentos e leis tiradas das entranhas do naturalismo. (Encíclica «Humanum Genus»). Não se trata apenas de laicizar esses bens, o que já seria uma enormidade, mas de destruir até os fundamentos aquilo que lhes dá razão de ser dentro da ordem desejada por Deus no mundo.
Diz o autor que a Igreja e a maçonaria em suas tradições não tiveram «senão» oposições doutrinárias. Estranha linguagem esta, pois parece colocar em segundo plano a doutrina. Ora, a missão doutrinal da Igreja foi por Ela recebida do próprio Deus. Ensina Ela aos homens as verdades reveladas para conduzi-los à eterna salvação. Dessas palavras de vida eterna recebidas do próprio Deus decorre sua autoridade e sua infalibilidade. E nessa divergência de doutrina é que se acha o abismo que separa a Igreja da maçonaria. Eis porque Pio IX deu a essa seita a denominação de «sinagoga de Satanás», pois de fato ela se apresenta como uma anti-Igreja do demônio, a negar a missão divina da Santa Igreja e a reproduzir na terra o brado de revolta que Lúcifer fez ecoar na vastidão dos céus.
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Do ponto de vista católico, portanto, o maçom não passa de um excomungado. Pode também ser um ingênuo, que desconhece toda a malícia da trama das altas-lojas. Que ele queira fazer também os católicos partícipes dessa ingenuidade, isto é demais. Ou quem sabe não nos basta a graça de Deus para vencer nossa batalha terrena, ao ponto de necessitarmos dessas muletas suspeitas que nos oferecem as lojas? Desconfiemos de tais manhas dos servos da iniquidade: — nem sempre se apresentam na figura de inimigos declarados do bem, e pedem apenas permissão para coabitar com ele, contra o que, o senso católico de Hello já nos alertava.