(continuação)
Mas Nossos Predecessores procuraram segundo seus meios prover não somente às necessidades materiais, mas também às de ordem espiritual; com efeito, não se contentaram em elevar eles próprios preces a Deus, Pai da misericórdia e fonte de toda a consolação (cfr. II. Cor. 1.3), por vossa situação religiosa, tão transtornada e perturbada, em virtude dos esforços dos inimigos de Deus para arrancar das almas a fé e a própria noção da divindade; mas quiseram, ademais, que fossem prescritas preces públicas. Assim, em 1930, decretou o Sumo Pontífice Pio XI que no dia da festa de São José, Patrono da Igreja Universal, "preces comuns fossem elevadas a Deus... na basílica do Vaticano, pelas tristes condições da religião na Rússia" (A. A. S. 1930, p. 300); e timbrou em estar pessoalmente presente, cercado por uma grande multidão de fiéis muito recolhidos. Por outro lado, em uma solene alocução consistorial, exortou o mundo inteiro com estas palavras: "é preciso rogar a Cristo Redentor do gênero humano que a paz e a liberdade de professar a fé sejam devolvidas aos infortunados filhos da Rússia; . . . e Nós queremos que se reze nesta intenção, isto é, pela Rússia, as preces que Nosso Predecessor Leão XIII, de gloriosa memória, prescreveu que os Sacerdotes rezem com o povo após a Santa Missa; os Bispos e o Clero regular e secular devem com o maior cuidado inculcar tudo isto a seus fiéis e a todos os que assistem à Santa Missa, e trazê-lo sempre presente à sua memória (Ibidem, p. 301).
Nós confirmamos e renovamos de bom grado esta exortação e esta prescrição, pois que a atual situação religiosa de vosso país não é certamente melhor e Nós Nos sentimos animado para com estes povos da mesma ardente afeição e das mesmas solicitudes.
Quando eclodiu o último terrível e longo conflito, fizemos tudo o que estava em Nosso poder, pela palavra, pelas exortações e pela ação, afim de que as divergências fossem apaziguadas por uma paz equitativa e justa, e que todos os povos, sem diferença de raças, se unissem amigável e fraternalmente, colaborando juntos para chegar a uma maior prosperidade. Jamais, mesmo "nesta época, saiu de Nossa boca uma palavra que pudesse parecer injusta ou dura para com uma parte dos beligerantes. Certamente Nós reprovamos, como devia ser feito, toda iniquidade e toda violação do direito; mas o fizemos de maneira a evitar, com o maior cuidado, tudo o que pudesse trazer, mesmo injustamente, maiores aflições para os povos oprimidos. E quando de diversos lados fez-se pressão para que, de um modo ou de outro, de viva voz ou por escrito, déssemos Nossa aprovação à guerra movida contra a Rússia em 1941, não consentimos jamais em fazê-lo, como o declaramos abertamente, em 25 de fevereiro de 1946, no discurso pronunciado diante do Sacro Colégio e dos representantes diplomáticos de todas as Nações que mantêm relações de amizade com a Santa Sé (cfr. A. A. S. 1946, p. 154).
Quando se trata de defender a causa da religião, da verdade, da justiça e da civilização cristã, por certo não Nos podemos calar; mas ao que tendem sempre Nossos pensamentos e Nossas intenções é a que todos os povos sejam governados, não pela força das armas, mas pela majestade do direito, e que cada um deles, na posse das liberdades civil e religiosa dentro dos limites de sua própria pátria, seja conduzido rumo à concórdia, à paz e à vida laboriosa graças às quais todo cidadão pode proporcionar-se as coisas necessárias à sua alimentação, à sua moradia, à manutenção e direção de sua própria família. Nossas palavras e exortações se referiam e se referem a todas as nações, e consequentemente a vós também, que estais sempre presentes em Nosso espírito e Nosso coração, e cujas necessidades e infelicidades desejamos mitigar com os meios de que dispomos. Os que não amam a mentira, mas a verdade, sabem que durante todo o transcurso do recente conflito Nós Nos mostramos imparcial em relação a todos os beligerantes, como demos frequentemente prova por Nossas palavras e atos, e reunimos em uma ardente caridade a todas as Nações, mesmo aquelas cujos governantes se proclamavam inimigos da Sé Apostólica, e também aquelas onde os inimigos de Deus são ferozmente hostis a tudo o que é de inspiração cristã e divina e disto procuram apagar até os vestígios no espírito dos cidadãos. Com efeito, por mandato de Jesus Cristo, que confiou o rebanho inteiro do povo cristão a São Pedro, Príncipe dos Apóstolos (cfr. Jo. XXI, 15-17) — de quem somos indigno Sucessor, — Nós amamos com amor intenso a todos os povos e desejamos assegurar a prosperidade terrena e a salvação eterna de cada um. Todos, por conseguinte, quer se combatam pelas armas, quer se hostilizem em discussões e desavenças ameaçadoras, são por Nós considerados como outros tantos caros filhos; e não desejamos nem pedimos a Deus para eles em Nossas orações outra coisa senão a concórdia mútua, a justa e verdadeira paz e uma prosperidade sempre maior. E se alguns dentre eles, enganados pelas mentiras e calúnias, professam uma hostilidade declarada para conosco, para com estes permanecemos animado de maior comiseração e amor.
Temos, sem dúvida, condenado e repelido — como o exige o dever de Nosso cargo — os erros que os fautores do comunismo ateu ensinam ou se esforçam por propagar para maior dano e detrimento dos cidadãos; mas, bem longe de rejeitar os extraviados, desejamos sua volta à verdade no caminho reto. E mais ainda: essas mentiras, revestidas muitas vezes de uma verdade fingida, Nós as desmascaramos porque vos amamos com um coração de pai e procuramos o vosso bem. Nós adquirimos a certeza de que esses erros podem vos causar um imenso prejuízo: não somente eliminam eles de vossas almas a luz sobrenatural e o imenso conforto que provêm do amor de Deus e no culto a Ele tributado, mas vos privam também da dignidade humana e da justa liberdade que é devida aos cidadãos.
Sabemos que muitos dentre vós conservam a Fé cristã no santuário secreto de suas consciências e que de modo algum apoiarão os inimigos da religião. Sabemos ainda que desejam ardentemente não só crer em segredo, mas também, como convém a homens livres, afirmar publicamente, se possível, os princípios cristãos que são o fundamento único, e seguro da vida da cidade. Sabemos ademais, e isto é para Nós grande esperança e consolação, que vós amais e honrais com ardente afeição a Virgem Maria, Mãe de Deus, e que venerais Suas imagens. Sabemos que na própria cidade de Moscou foi edificado um templo — subtraído hoje, desgraçadamente, ao culto divino — dedicado à Assunção da Bem-aventurada Virgem Maria ao céu; e isto testemunha muito claramente o amor que vossos antepassados e vós mesmos devotais à Santíssima Mãe de Deus.
Mas é evidente para Nós que, em toda parte onde se venera a Mãe Santíssima de Deus com piedade sincera e ardente, não poderá jamais faltar a esperança da salvação. Embora homens, mesmo poderosos e cruéis, se esforcem por desarraigar a santa religião e a virtude cristã da alma dos seus concidadãos; embora o próprio Satanás procure por todos os meios fomentar esta luta sacrílega, como diz o Apóstolo das Nações: "... pois não é contra homens de carne e sangue que temos de combater, mas contra os Principados e as Potestades, contra os príncipes deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal. . ." (Eph. VI, 12); entretanto, se Maria lhes opõe Sua proteção, as portas do inferno não prevalecerão. Ela é a Mãe clementíssima e todo-poderosa de Deus e a Mãe de todos os homens. Nunca se ouviu dizer que os que a Ela hajam recorrido, suplicando-Lhe com ternura, não tenham sentido o apoio de Sua proteção. Continuai, pois, como até agora o fazeis, a dirigir para Ela vossas preces com devoção, a amá-la ardentemente, a invocá-la com estas palavras que tendes o costume de pronunciar: "Somente a Vós foi dado ser sempre ouvida, santíssima e puríssima Mãe de Deus" (Acathistos da Festa do Patrocínio da Mãe Santíssima de Deus; Kondaks).
Unindo-Nos a vós, dirigimos a Ela suplicantes preces a fim de que no povo russo a Fé cristã, honra e sustentáculo da vida humana, seja aumentada e fortificada; todos os embustes, erros e trapaças dos inimigos da religião sejam afastados e repelidos para longe de vós; os costumes públicos e privados se modelem em vosso país nos preceitos do Evangelho; para que sobretudo aqueles que professam entre vós sua Fé católica, mesmo estando privados de seus pastores, sejam fortes ante os assaltos da impiedade e resistam impávidos até à morte; para que seja restituída a todos, como é devido, a justa liberdade que lhes convém enquanto homens, cidadãos e cristãos: à Igreja, em primeiro lugar, a quem foi confiado, por mandamento divino, ensinar a todos a verdade e a virtude; para que, enfim, a paz verdadeira brilhe sobre vossa nação muito cara e sobre toda a humanidade. Que essa paz, fundada nos princípios inabaláveis da justiça e sustentada pela caridade fraterna, conduza de modo feliz a todas as nações para aquela prosperidade dos indivíduos e dos povos que nasce da compreensão recíproca.
Que a Mãe bem-amada se digne olhar com bondade e misericórdia àqueles mesmos que organizam os grupos dos militantes do ateísmo e dirigem suas atividades; que ela se digne iluminar-lhes os espíritos com a luz celeste e que, pela graça divina, lhes oriente os corações para a salvação.
E Nós, a fim de que Nossas orações ardentes e as vossas sejam mais facilmente atendidas, e para vos dar testemunho especial de Nossa particular benevolência, assim como consagramos há alguns anos todo o gênero humano ao Coração Imaculado da Virgem Mãe de Deus, hoje, igualmente, consagramos e dedicamos de modo especialíssimo todos os povos da Rússia a esse Coração Imaculado, com a firme esperança de que logo, graças ao todo-poderoso-patrocínio da Virgem Maria, se realizarão felizmente os votos que formulamos convosco e com todos os homens de bem, em favor da paz verdadeira, da concórdia fraterna e da liberdade devida a todos e em primeiro lugar à Igreja. Assim, por Nossa oração unida à vossa e à de todo o povo cristão, se estabelecerá firmemente sobre toda a terra o Reino do Salvador, Jesus Cristo: "Reino de verdade e de vida, Reino de santidade e de graça, Reino de justiça, de amor e de paz" (Prefácio da Festa de Cristo-Rei).
E Nós, súplice, pedimos a esta Mãe clementíssima que guarde a cada um de vós em meio aos perigos presentes; que Ela alcance de Seu divino Filho a luz celeste para vossos espíritos, e para vossas almas a força e coragem graças às quais, sustentados sobrenaturalmente, podereis repelir e sobrepujar todos os erros e impiedades.
Dado em Roma, junto de São Pedro, na festa dos Santos Cirilo e Metódio, aos 7 de Julho do ano de 1952, décimo quarto de Nosso Pontificado.
Pius PP. XII
Adolpho Lindenberg
Segundo informações recentemente publicadas pelo boletim dos emigrados católicos tchecoslovacos, editado no Vaticano, a perseguição movida à Igreja pelo atual governo de Praga atingiu o seu auge. Milhares de Sacerdotes estão presos em campos de concentração e milhares de Religiosas foram obrigadas a sair dos conventos e a trabalhar como simples operarias. Notícias como essa, relatando o vigor das perseguições levadas a cabo contra os católicos pelos governos satélites de Moscou, evidentemente não deveriam causar surpresa a ninguém, pois tanto a teoria do comunismo como as suas consequências práticas, levam-no a um inevitável choque com a Igreja. Muitos católicos, no entanto, seja por comodismo, seja por pusilanimidade, esquecem ou tendem a diminuir a intensidade dessas perseguições, e sempre que um despacho das agencias telegráficas chama-os à dolorosa realidade, ou se alarmam dizendo que nada mais se pode fazer, ou afirmam que das perseguições sempre resultou um afervoramento da vida espiritual dos fiéis e que, portanto, a situação não é tão má como parece. Para esta segunda categoria de católicos poderíamos objetar que embora seja fato histórico que muitas perseguições tiveram como consequência uma renovação da fé e da piedade, todavia muitas outras atingiram seu diabólico intento, como, por exemplo, a que moveu o nazismo na Alemanha. Até 1930 o movimento católico na Alemanha se expandia com um vigor extraordinário: dois milhões de congregados marianos, centenas de jornais e revistas, milhares de associações modelares e um partido católico, o Centrum Partei, que era o mais forte do país; em alguns anos, as congregações desapareceram, o partido foi dissolvido e seus líderes presos em campos de concentração, e, o que foi pior, muitos Padres e líderes do laicato aderiram à nova ideologia, apesar de sua condenação pela encíclica "Mit Brennender Sorge".
Sabemos que as populações católicas que estão sofrendo atrás da cortina de ferro somam mais de 100 milhões de almas, e sabemos também que o número dos que conquistam a palma do martírio é impressionante. Os comunistas noticiam com alarde que estão fazendo prosélitos entre os clérigos e fiéis católicos às novas igrejas nacionais por eles fundadas nos países ocupados, mas não são poucos os casos em que os governos títeres têm sido obrigados a processar publicamente Bispos e Sacerdotes por causa de sua resistência às medidas bolchevizantes. Agora, no entanto, por meio de um telegrama da United Press, do dia 18 do mês findo, tomamos conhecimento de fatos muito tristes e que abrem sombrias perspectivas para o futuro do catolicismo na Europa Oriental. É tal a importância dos fatos relatados que achamos conveniente transcrever os principais tópicos desse despacho:
"WASHINGTON, 18 (UP) — Autoridades norte-americanas manifestaram que, segundo informações procedentes de países da cortina de ferro, os comunistas estão ganhando terreno em sua campanha de eliminação da Igreja Católica no Oriente Europeu. Os comunistas já conseguiram certo êxito "na conversão das Hierarquias católicas em igrejas nacionais subordinadas ao Estado Comunista".
A tática empregada pelos comunistas consiste em criar "igrejas católicas romanas nacionais que juram lealdade ao Estado ou são dependências do Estado e não mantêm vínculo algum com o Vaticano".
Na Romênia, na Albânia, na Hungria, e, em certo grau, na Tchecoslováquia, esse método tem tido êxito. Na Polônia, onde o heroísmo do Clero é muito grande, os comunistas não conseguiram ganhar muito terreno. Em todas as partes do mundo comunista, os métodos são quase iguais. As Hierarquias locais são isoladas de Roma. O Estado suplanta a Igreja na educação das crianças. Os bens da Igreja são confiscados. O Estado se encarrega de todas as finanças da Igreja. Os comunistas tratam até de ditar os temas dos sermões. As obras de caridade católicas passam para as mãos do Estado.
Aos Bispos e Sacerdotes que se negam a "cooperar" são impostas sanções tais como a suspensão do pagamento dos vencimentos, proibição do desempenho de suas funções etc. Os que cooperam são favorecidos pelo Estado, que lhes oferece cargos melhores na igreja do Estado. Esses sacerdotes fazem parte do "clero patriótico".
Na Tchecoslováquia, o governo destruiu, virtualmente, mediante decretos, a essência do catolicismo checosloveno. "Todas as atividades da Igreja estão fiscalizadas pelas autoridades comunistas. Na Hungria, o governo criou a Junta de Assuntos Religiosos, que está dirigindo a dissolução da Igreja". Na Romênia, todos os Bispos e muitos Padres foram detidos e encarcerados."
O quadro pintado por este telegrama é tão trágico que serve para ilustrar as palavras de Pio X segundo as quais estamos em um mundo de tal modo perverso e sujeito à ação do demônio que lembra as piores eras do paganismo.
Nós católicos devemos desejar a paz, mas devemos ter bem claro em mente que esta só será aceitável quando os russos se retirarem da Europa Oriental e os países católicos hoje ocupados gozarem de toda a liberdade para constituir seus próprios governos, sem qualquer pressão política hostil. Mais ainda, devemos desejar que se resolva a atual crise mundial com rapidez, pois, se tanto os russos como os americanos estão fabricando bombas atômicas em ritmo acelerado, um conflito daqui a dez anos será de consequências tão catastróficas como mal se pode imaginar. Qualquer demora também na libertação dos povos católicos sujeitos aos soviets pode ocasionar apostasias e confusões lamentabilíssimas. Rezemos para que se chegue logo a uma solução pela qual as nações balcânicas fiquem livres do insuportável jugo comunista, e para que até lá os seus habitantes católicos mantenham-se firmes na fé, sofrendo com ânimo elevado até as mais duras perseguições.
Legenda: Dotado pela Providencia de todas as aptidões naturais para ser um grande Rei, Luís XV, pelo desregramento de sua conduta pessoal e pela ingerência nos negócios públicos que permitiu a uma verdadeira cabala de libertinos, favoreceu amplamente os desígnios dos inimigos da Igreja e do trono. A consciência do fracasso de sua própria vida refletia-se na expressão de tristeza e desencanto que era característica desse príncipe e que este retrato por Drouais fixou de modo feliz.
ACOBERTADO pela inércia dos Bispos da terceira força, não é de admirar que imenso tenha sido o incremento do Jansenismo. Em meados do século XVIII já as circunstâncias eram tais que Luiz XV concertou com Bento XIV, não a revogação, como querem alguns, da bula "Unigenitus", mas uma mitigação do rigor no aplicar as penas estabelecidas por esta.
É PRECISO salientar que os Prelados do terceiro partido não favoreciam o Jansenismo só por sua atitude pacificista, nada fazendo no sentido de reprimir a seita ou de executar as medidas impostas pela Santa Sé e pelas ordenações reais. Eles eram preciosos soldados da heresia por todo o seu modo de agir.
Não aceitavam os erros de Jansênio, condenavam as cinco proposições, aceitavam a bula "Unigenitus"; mas favoreciam todas aquelas pequeninas coisas que denunciavam simpatias pela seita e lhe difundiam o espírito.
Um dos princípios táticos do Jansenismo era o exagero do espírito paroquial: Missa e Sacramentos, só na igreja matriz. O Conciliábulo de Pistoia acentuou bem esta tendência jansenista, que no futuro era uma verdadeira campanha contra as igrejas das Ordens e Congregações. Pois todos estes Bispos são paroquialistas "à outrance". Mons. Bazin de Bezons e Mons. Tourouve perseguem os fieis que aos domingos não assistem à Missa na igreja paroquial. Tourouve, já na sua primeira visita pastoral, fecha uma capela e interdiz a celebração do Santo Sacrifício em varias outras. Souillac excomunga os fieis que em três domingos consecutivos não comparecem à Missa na igreja da paróquia. Bazin de Bezons em mandamento de 3 de dezembro de 1751 condena um professor de teologia um Jesuíta — porque ensinava que a Missa na paróquia não é nem de preceito nem de obrigação. Aos neoconvertidos, Mons. Tourouve só admite à benção nupcial quando durante seis meses derem provas de catolicidade pela assistência assídua à Missa, às instruções e outros ofícios paroquiais.
Outra característica do Jansenismo era o combate feroz contra os Jesuítas. Os homens da terceira força são seus aliados nesta ofensiva. Vimos como Mons. Bazin de Bezons agiu com o Jesuíta professor de seu seminário. Com ele, os Bispos Fitz James, Rastignac e Souillac saem a campo contra o livro do Jesuíta Pichon a favor da comunhão frequente. Fitz-James e Montazet escrevem contra a História do povo de Deus do Jesuíta Berruyer. Tal fobia contra os Padres da Companhia de Jesus mereceu da parte da Corte censuras semelhantes às dirigidas aos "apelantes". Neste capitulo sobre o espírito jansenista Appolis observa que os Prelados da terceira força adotam prazerosamente nas liturgias diocesanas princípios ao sabor da seita.
Mas, onde se torna claro que estes Bispos eram favoráveis à heresia, é no ensino catequético. Arma nenhuma tão eficaz para a difusão do erro quanto esses livrinhos que se põem nas mãos ingênuas das crianças. É nos catecismos das dioceses dirigidas por adeptos da terceira força que vamos encontrar, mais diluído, e portanto mais perigoso, o vírus jansenista. Souillac adota na sua diocese o catecismo do jansenista Colbert. Mas enquanto este põe em relevo o mistério da dupla predestinação afirmado pelos hereges, Souillac a insinua no fim de uma frase. Colbert diz:
“- P. Dá Deus a todos os homens as mesmas graças?
- R. Não. Deus dá mais graças aos cristãos que aos outros homens; e, entre os cristãos, uns recebem mais graças do que outros.
- P. Porque age Deus assim?
- R. É um mistério impenetrável. O que nós sabemos é que Ele tem misericórdia para uns, e justiça para outros".
Souillac suprime a segunda resposta, em que aparece claro o pensamento jansenista. Transporta-o, porém, insinuado no final da resposta à pergunta anterior, que assim redige:
"— R. Não. Deus dá mais graças aos cristãos que aos outros homens; e, entre os cristãos, uns recebem mais graças do que outros, por um efeito de Sua misericórdia e de Sua justiça".
Não admira que os "apelantes" tenham os mais vivos elogios para os estudos conduzidos no mesmo sentido por Souillac e Rastignac: "Conferénces de Lodève" e "Instruction pastorale sur la justice chrétienne". "Nenhum apelante há, diz o jansenista Fourquevaux, que nestes escritos não reconheça seu modo de pensar".
MESMO a sinceridade na aceitação da bula "Unigenitus" por parte destes Prelados da terceira força pode ser posta em dúvida.
É certo que todos eles a receberam e fizeram que seu Clero e povo a aceitassem. Houve mesmo entre eles quem para tanto usasse de violência. Contentavam-se, no entanto, com a subscrição do documento. Não iam além. Era uma obediência "pro forma".
O espírito e a sinceridade desta obediência transparece em mais de um escrito. Mons. Souillac, no seu testamento, manifesta a razão porque admitiu a bula "Unigenitus": "Eu aceitei sinceramente a bula, desde o momento em que me pareceu que ela era geralmente promulgada e recebida pelo corpo dos Pastores unidos ao Papa, Chefe visível da Igreja e primeiro Vigário de Jesus Cristo". Nestas palavras insinua-se que o exercício do supremo pontificado está sujeito à aceitação dos Bispos, precisamente como pensavam os "apelantes".
Mais explico, Mons. Beauteville — que em toda Sua vida jamais se insurgiu contra a bula — arranca a máscara e consigna em seu testamento esta afirmação textual : "Estou bem longe de considerar a Constituição "Unigenitus", publicada sob o nome do Papa Clemente XI, como uma decisão da Igreja. Declaro, ao contrario, aderir de todo coração ao apelo que interpuseram ao futuro Concílio os Srs. Bispos de Mirepoix, de Senez, de Montpellier e de Boulogne. ."
Explicando porque pessoal e formalmente não fez também apelo público ao Concílio, diz que "havia considerado a lei do silêncio como uma reprovação autêntica e legal da Constituição "Unigenitus", que lhe tira o caráter de julgamento da Igreja, suspende os efeitos que em vão se lhe tentou dar, e torna, por conseguinte, inútil ou ao menos desnecessário e dispensável um apelo que, de outro modo, deveria ser de rigor e dever absoluto, como quando foi ele levantado, no momento em que se impunha a execução da bula". Termina esclarecendo que em todo seu pontificado, fez observar religiosamente a lei do silencio sobre a "Unigenitus".
Pode considerar-se este caso como extremo. Em geral era por meio da negligência na aplicação dos mandamentos, quer reais quer pontifícios, contra a seita, que os partidários da posição intermediaria significavam sua maneira de considerar a obediência devida ao Papa.
Mons. Montazet não cuida de exigir dos candidatos às ordens sacras a subscrição do Formulário anti-jansenista de Alexandre VII, e faz Padre a Francisco Jacquemont, que seria mais tarde o famoso Vigário jansenista de S. Medardo em Forez. Outros têm procedimento igual ao seu. Mons. Souillac, por exemplo, utiliza vários artifícios: ora silencia a respeito do Formulário; ora pretexta que o candidato já o subscreveu; ora declara que fa-lo-á mais tarde. E, assim, vai entregando a jansenistas os benefícios vagos. Em suma, estes Bispos têm para o mal a subtileza que a seita imputava aos Jesuítas para o bem.
A suspeita sobre a lealdade destes Prelados em relação a Roma decorre, outrossim, das repetidas explicações que se sentem obrigados a dar. Ao Cardeal Fleury, declara Mons. Souillac: "Eu não recebi uma alma tão vil que seja capaz de fazer o papel dos que me julgam suspeito". Fitz-James a Bento XIV: "Jamais, graças a Deus, dissimulei meu modo de pensar, e ouso dizer que jamais tive na sociedade a reputação de homem falso". Em carta ao mesmo Pontífice repete a antiga lamentação dos jansenistas, a saber, que a Santa Sé está mal informada: "Todos os que conhecem este país e julgam as coisas sem paixão, estão bem persuadidos de que aqui não há nem heresias nem hereges". E dá, por isso mesmo, interpretação tendenciosa à bula "Unigenitus": sob pretexto de que esta não comina penas, com a maior "sans façon" admite os jansenistas à recepção dos Sacramentos.. É como se o documento pontifício condenasse alguém sim, mas de outros povos e de outras terras.
Em 1755, na Assembléia do Clero, figura a terceira força ao lado daquelas que reputam 'leve a desobediência dos jansenistas, e, em 1765, quatro Bispos daquele partido, Montazet, Bazin de Bezons, Beauteville e Noé recusam adesão aos atos da Assembléia do Clero que declaram os jansenistas indignos de receber os Sacramento.
Todos estes fatos justificam a conclusão de Appolis: ". . . por motivo de sua - (dos Bispos do terceiro partido) tolerante simpatia para com os adversários da bula, não pequeno número destes Prelados tem uma considerável parte de responsabilidade no desenvolvimento do Jansenismo no interior de suas dioceses. Para nos limitarmos a alguns exemplos, a diocese de Lyon contaria, à morte de Mons. Montazet, sessenta Curas "apelantes". E o próprio Vigário Geral de Mons. Bazin de Bezons, o jansenista Guilherme Pesaucèle, será tão popular entre os inimigos da Igreja que será eleito, sob a Revolução, bispo constitucional de Aud.
"É com este terceiro partido, muito mais do que com os jansenistas propriamente ditos, que convém relacionar, no fim do antigo regime, os reformadores do Concilio de Pistoia — ao menos na sua grande maioria. Ao mesmo partido pertencerá também o Abbé Grégoire, o famoso bispo revolucionário, que jamais se levantará contra a bula e o formulário, apesar de sua reputação de "post-royaliste". Como bem observou o autor jansenista Gazier, ele não
(continua)