PAI DOS PRÍNCIPES
(continuação)
que notemos com assombro que o mundo inteiro se tornou comunista.
E se fosse só isto... Nos arraiais dos que não são ateus, reina a divisão. Dilacerada pelo cisma e pela heresia, corroída pelo naturalismo, pelo laicismo, pelo liberalismo, a Cristandade contempla estarrecida o moloch comunista, sem saber o que faça. À desunião dos cristãos, que pareceria sem remédio, acabou por somar-se um mal pior, que é o sincretismo. Movimentos interconfessionais de todo tipo percorrem, como vibrações ondulatórias cada vez mais frequentes, todos os quadrantes do horizonte. Em vez da união na verdade, um ecumenismo falso cria o mito da fusão no cepticismo e no latitudinarismo. Uma panreligião, para um Deus que seria um pandeus, ou um Cristianismo sem contornos definidos nem fisionomia própria, que seria um pancristianismo ao sabor de todos os hereges e de todos os cismáticos: esse o ideal péssimo que se procura inculcar aos adversários do materialismo como condição de eficiência e vitória.
Some-se a tudo isto uma imensa depravação moral, um triunfo sem precedentes da matéria e da técnica sobre o espírito, um inextricável emaranhado de dificuldades de toda ordem no campo temporal, doutrinas sub-reptícias e perigosas serpeando entre os próprios fiéis, com foros de cidadania, e teremos em rápidos traços a visão panorâmica das circunstancias em que nos encontramos nos albores deste pontificado.
Há razões de sobra para que tudo isto aterrorize um homem. Não porém qualquer homem. E muito menos ainda Pedro.
Nas fotografias do novo Pontífice, o que mais chama a atenção é a calma. Olhar sobranceiro e sereno, traços distendidos, atitudes naturais e desanuviadas. O mundo inteiro se encontra na aflição e na dor. Mas nada disto se reflete na fisionomia do Supremo Pastor.
E há razão para surpresa? João XXIII é Pedro redivivo. Ora, Pedro venceu o Império Romano. Sob sua autoridade os Apóstolos palmilharam todo o mundo antigo, e lançaram os fundamentos da Cristandade. Quando o velho Império se desfazia em ruínas, Pedro continuava na força de sua juventude, e diante dele recuou Átila apavorado. Foi Pedro que abrandou a índole dos bárbaros, converteu os invasores gentios e arianos, e plasmou o Ocidente cristão ao longo da Idade Média. Pedro não se deixou desconcertar com o cisma, e tendo passado séculos inteiros a chamar para a unidade os filhos orgulhosos, viu ruir como um castelo de cartas o poderio das velhas igrejas autocéfalas de Bizâncio e, mais recentemente, de Moscou. Pedro presenciou, no século XVI, a revolta das nações protestantes, porém, eternamente jovem e indômito, não se deixou abater. Pacientemente, organizou a reação da Contra-Reforma, defendeu intrepidamente tantos povos contra a heresia, e hoje contempla o desfazer-se final do protestantismo. Pedro sofreu entristecido mas impávido todas as injúrias da Revolução Francesa, e em nossos dias, quando ela se nos afigura uma anciã decrépita, em tudo superada por um filho que a excede em impiedade e em malícia, o marxismo, Pedro continua de pé, representado ainda há pouco pela figura inesquecível de Pio XII, e agora pelo grande vulto romanamente sólido e sereno de João XXIII.
Por que temer? João XXIII, que é Pio XII, que é Pio X, que é Pio V, Gregório VII, Leão Magno, por fim Pedro, pode olhar tranquilamente a borrasca, dizendo como Virgilio, "alios vidi ventos, aliasque procellas" .. .
Literatura, dirá talvez alguém. As armas de que sucessivamente Pedro se foi servindo desgastaram-se ao longo dos tempos. Hoje, quem não tem bombas de hidrogênio, exércitos, bancos, quinta-colunas, aparelhamento de propaganda fortíssimo, não vence.
Ora, na ordem dos recursos naturais e humanos, o que tem a Igreja?
Infelizmente, muito pouco. E dizemos infelizmente, porque a Providencia se serve destes meios para atingir seu fim, e quer que os homens se utilizem dos processos lícitos, para assegurar a vitória do bem.
Mas todos estes recursos são acessórios. E a prova disto está em que, sendo a Igreja pobre desses meios de ação, entretanto a morte de Pio XII, a vacância da Sede e a ascensão de João XXIII foram acontecimentos que repercutiram a fundo em todos os rincões da terra. O mundo inteiro chorou Pio XII. O mundo inteiro esteve com a respiração em suspenso durante o Conclave, o mundo inteiro aclamou João XXIII.
Por quê?
Só uma resposta satisfaz verdadeiramente à pergunta.
É que Jesus está sempre presente na barca de Pedro. E não há poder que prevaleça contra o Verbo feito Homem.
Assim nossos olhos se voltam naturalmente de Pedro, nosso Pastor, para Jesus, nosso Deus.
E com quanto amor se voltam para Ele!
Neste ciclo do ano litúrgico, a Igreja convida-nos a contemplar o Verbo Encarnado na pessoa de um Menino, deitado em uma pequena manjedoura, ou nos braços de sua Mãe. O que haverá de mais frágil do que uma criança, de mais pobre do que uma manjedoura, de mais ineficiente para a guerra do que os braços de uma Mãe?
É, pois, Nosso Senhor cercado de todas as aparências da fragilidade, que deve ser o tema de nossa meditação nestes dias de força desencadeada e brutal. Aparências fundamentalmente incapazes de velar aos olhos da fé a onipotência do Filho de Deus. E por isto, mais do que a fragilidade, devemos considerar a onipotência que atrás dela se esconde.
Também em nossa época, mil aparências de fragilidade circundam a Igreja. Mas por detrás delas está Jesus, e Jesus é a própria Onipotência.
Ao pé do Presépio, compreendemos as razões da força de Pedro, e de sua esplêndida serenidade através dos tempos, até este vórtice de crises, desastres e problemas, em que nos encontramos.
Ajoelhemo-nos, pois, diante do Presépio, e por meio de Nossa Senhora peçamos ao Divino Infante que nos faça compreender bem esta lição.
Pelas mãos da Medianeira de todas as graças, possamos nós obter do Menino Jesus, neste Natal que passa, o favor inestimável de compreender o sentido profundo do que é o Papado, da sua missão, da sua força autêntica. O favor de compreender esta verdade de suprema importância em nossa vida espiritual: que é só em união com Pedro, obedecendo a Pedro, amando a Pedro, que nos salvaremos.
Sim, a Pedro que, a partir de poucas semanas atrás, se chama João XXIII.
(1)N. da R.: Cf. G. B. Lemoyne, «Vita di San G. Bosco», nova ed., Turim, vol. 1, p. 372.
«Cristiandad» e «Cruzado Español»
Florescência Ultramontana na Católica Espanha
Em fevereiro deste ano, faleceu em Barcelona um insigne Sacerdote jesuíta, cuja influência se projetou muito além da cidade em que desenvolveu sua ação e na qual exalou o último alento. Trata-se do Revmo. Padre Ramon Orlandis, discípulo do celebre propugnador estrênuo do Apostolado da Oração, Padre Ramière.
Reunindo em torno de si uma escolhida falange de jovens, o Padre Ramon Orlandis os foi formando espiritual e intelectualmente, segundo um método ao mesmo tempo vivamente original e autenticamente tradicional. Aos poucos, o grupo se foi ampliando e estabilizando, o método se foi definindo, os cursos se foram sistematizando. Nascera no Apostolado da Oração dos PP. Jesuítas de Barcelona uma grande instituição, a "Schola Cordis Jesu".
É bem de ver que se tratava de instituto de nível superior, mas sem intuito de conferir diplomas profissionais. Sua finalidade era dar formação intelectual e religiosa.
Para este fim, era admiravelmente adequado o espírito de seu fundador.
Discípulo, herdeiro e comentador do grande Padre Ramière, o Padre Orlandis ainda foi mais do que isto, pois em alguns pontos chegou a desenvolver ou aprofundar de modo próprio e original a doutrina do Reinado social de Nosso Senhor Jesus Cristo pela devoção ao seu Sagrado Coração.
Teólogo com visos de genialidade, o espírito do Padre Orlandis se completava com dois outros predicados raros. Uma penetração psicológica que lhe abria acesso ao conhecimento do que os problemas sociais ou políticos de nossos dias têm de mais profundo e complexo; e um discernimento especial do que é em seus princípios, em seu dinamismo, em seus objetivos últimos, em seus sintomas mais discretos, a Revolução.
Daí a idéia de que nossa época é o apogeu da Revolução, a qual é por sua vez o grande assalto do demônio contra o Reinado do Sagrado Coração.
Esses grandes e sábios princípios constituíram a linha mestra da formação de uma brilhante plêiade de intelectuais. E o Padre Orlandis teve a feliz idéia de editar, com o auxilio destes, uma revista que se tornou depois conhecida e acatada em todo o mundo latino: "Cristiandad".
O falecimento do ilustre Sacerdote se deu quando sua obra chegava ao ápice, e a "Schola Cordis Jesu", bem como "Cristiandad", tinha tomado um admirável surto, quer no plano qualitativo, quer no quantitativo.
Depois de um hiato não pequeno, que é facilmente explicável pela imensidade da dor que os atingiu, os discípulos do Padre Orlandis voltam a público com duas revistas ao serviço da mesma tradição.
"Cristiandad" reapareceu em setembro do corrente ano, num formato um pouco reduzido, com o que ganhou em elegância e manuseabilidade. Mas conservando judiciosamente seu belo aspecto tradicional. O primeiro número dessa nova fase, todo dedicado ao grande mestre e inspirador, se apresenta com brilhante corpo de colaboradores. Entre estes destacamos os nomes de Fernando Serrano, Francisco Canals Vidal e Jayme Bofill, que foram sempre esteios ilustres da revista. O Exmo. Revmo. Sr. Arcebispo-Bispo de Barcelona honrou-a com expressivo proêmio. Além disto, o Exmo. Revmo. Sr. Bispo Secretário Geral do Episcopado Espanhol enviou-lhe excelente carta de estímulo.
"Cruzado Español" é o título que a outra revista adotou, e que tão bem define o espírito que palpita em todas as suas páginas, diríamos antes em cada linha de suas páginas.
É uma publicação quinzenal de ótimo teor cultural, apresentação distinta e viva. Em seu corpo de colaboradores há também nomes que se tornaram largamente conhecidos e apreciados na revista que o Padre Orlandis fundou, como José Oriol Cuffi Canadell, autor das esplêndidas crônicas internacionais, e Carlos Feliu de Travy. Trata-se, segundo toda a evidência, de um órgão que já nasce com um grande porvir. Destacamos com simpatia a seguinte saudação que dirige à imprensa católica do mundo inteiro: "Cruzado Español saluda a toda la prensa española y de Hispanoamérica, y de un modo especial a las revistas y publicaciones católicas de España y fuera de ella. Con ello va nuestro fraternal y profundo afecto a los buenos amigos de Verbe, de La Pensée Catholique, de Catolicismo y de tantas otras excelentes publicaciones con las que nos hallamos intimamente compenetrados, y con las que queremos continuar sosteniendo un intercambio progressivo de ideas a mayor gloria de Dios y para el bien de las almas y de la sociedad".
Não é possível ser católico sem admirar e amar a Espanha. Assim, é com viva e afetuosa atenção que acompanhamos os acontecimentos da vida religiosa daquele país.
Registramos com jubilo a "rentrée" brilhante que os filhos e continuadores do Padre Orlandis, e por ele do Padre. Ramière, fazem na arena do bom combate, em duas plêiades cujos membros já têm atrás de si uma larga folha de serviços à Igreja, e que nos respectivos postos poderão servi-La mais ainda.
A uns e a outros, "Catolicismo" saúda com fraternal amizade, pedindo que os auxilie a proteção do Imaculado Coração de Maria.
OS CATÓLICOS INGLESES DO SÉCULO XIX
MANNING E A INFALIBILIDADE
Fernando Furquim de Almeida
0 excelente resultado da atitude firme e corajosa assumida pelo Cardeal Wiseman diante da igreja anglicana e do governo inglês demonstrou cabalmente quanto era oportuno, nas circunstâncias em que se achava o país, um apostolado desassombrado e sem subterfúgios. Além de ter conseguido o restabelecimento da Hierarquia na Inglaterra, e de ter convencido os católicos britânicos da inutilidade dos processos tímidos e conciliatórios do Cardeal Acton e seus companheiros, foi a batalha levada a cabo pelo Arcebispo de West-minster o último meio usado pela Providência para a conversão daquele que seria um dos grandes defensores da infalibilidade papal no século XIX: o futuro Cardeal Henrique Eduardo Manning.
Esse filho de um banqueiro da City se distinguiu desde cedo entre seus companheiros por uma notável força de vontade e uma extraordinária capacidade de ação. Nessa época, sua divisa era: "Aut Caesar, aut nihil". Amigo de Gladstone, o futuro primeiro-ministro, e de todos os jovens de sua geração que te-riam mais tarde importantes postos públicos, pretendia Manning dedicar-se à política.
A perda da fortuna paterna e a in-fluência de uma protestante fervorosa, Miss Bevan, levaram-no a abraçar a carreira eclesiástica. Em 1833 o pastor Manning recebia a incumbência de tomar conta da paróquia de Lavington. Nessa mesma época casou-se com uma das três Misses Sargent, célebres em Londres por sua beleza, e por esse casamento se tornou concunhado de Samuel e Henrique Willberforce, ambos filhos do conhecido político que dedicou sua vida à abo-lição da escravatura em todo o mundo. Henrique Willberforce, que tomou parte no movimento liderado por Newman, veio a ser um dos eminentes convertidos ingleses do século XIX. Samuel, ao contrário, perseverou no erro e morreu bispo anglicano.
Embora tenha acompanhado com simpatia as atividades do Movimento de Oxford, Manning não participou dele ativamente. A partir de 1837, aproximou-se mais de Newman e seus amigos, levado por um desejo de perfeição que se acentuara com a morte de sua mulher. Se a oportunidade de desenvolver sua vida espiritual era o principal atrativo que o movimento oferecia a Manning, ele também concordava com as críticas que ali se faziam à igreja anglicana, especialmente no que diz respeito à ingerência do governo nos negócios eclesiásticos. Mas não pôde, em 1845, acompanhar Newman, Faber, Ward e os outros que nessa época se converteram, porque vigorosos preconceitos o levavam a ver no Papa-do uma instituição inadmissível.
0 protestantismo perdeu todo o sentido para Manning quando o Conselho Privado da Coroa, chamado a resolver uma pendência entre as autoridades eclesiásticas e o pastor Gorham, que não acreditava mais na eficácia do batismo, deu razão ao pastor, sustentando-o na luta contra a hierarquia anglicana.
Em 1850, a intolerância dos protestantes, que não queriam permitir o restabelecimento dos bispados católicos, e a atitude desassombrada de Mons. Wise-man abriram completamente os olhos do futuro Cardeal. Foi a um tabelião e, por um ato público, renunciou a todos os benefícios que possuía na igreja anglicana. Em seguida, dirigiu-se a um templo católico e rezou pela primeira vez a Ave-Maria. Pouco tempo depois o jesuíta Brownbill recebia sua abjuração, e Manning partia para Roma a fim de completar os estudos que lhe permitiriam receber o sacerdócio. O antigo pastor de La-vington se tornava desde então um campeão da infalibilidade pontifícia.
Em 1839, François Rio, católico francês que dividia entre a França e a Inglaterra seu apostolado ardente, fora convidado por Gladstone para almoçar com dois protestantes. Eram eles o advogado Hope e o pastor Manning. Durante o jantar travou--se uma discussão sobre a autoridade em matéria de religião, que se prolongou até altas horas da noite. Manning, o "impassível arcediago", como o chamou Rio em suas memórias, sustentava que nenhum poder no mundo o faria reconhecer a autoridade do Papa. Quinze anos mais tarde, o francês se encontra novamente com o inglês, em Roma, e as circunstâncias do encontro são descritas nas memórias de Rio:
"Era em Roma, na quaresma de 1854, no momento em que os pregadores, tanto italianos como estrangeiros, redobravam de zelo para a conversão das almas, sobretudo daquelas que erros hereditários conservavam distanciadas da verdadeira Fé. Um belo dia, disseram-me que um padre inglês, o Dr. Manning, recentemente chegado a Roma, onde o rumor da sua conversão o tinha precedido, devia pregar na manhã seguinte para um auditório misto, na capela do Colégio Irlandês. Não é difícil adivinhar que não fui dos últimos a ir ouvi-lo. Que surpresa, e que mudança, não somente na fisionomia, no traje e no aspecto geral da pessoa, mas também na expressão do olhar e até na voz, que acusava com todas as nuanças as modificações interiores! Mas, se puderem, imaginem a intensidade de minha emoção quando, depois de algumas explicações preliminares, o orador anunciou que tomaria por objeto de seu sermão a necessidade da infalibilidade para tornar possível a ação do Espírito Santo na Igreja. Isto é, ele ia desenvolver, de um ponto de vista inteiramente novo para mim, esse mesmo dogma que lhe parecera tão completamente inadmissível quando eu tentara demonstrar sua necessidade. Agora que me tornara seu humilde ouvinte, essa necessidade lhe parecia mais evidente do que a mim mesmo. Em todo esse auditório, tinha eu quase o direito de reivindicar uma dupla parte na bênção com que o pregador terminou sua exposição. Isso não era bastante para mim. Assim que ele desceu do púlpito, fui colocar-me em seu caminho, no interior do claustro, e lá pude enfim satisfazer o imenso desejo que sentia, havia mais de uma hora, de apertar sua mão na minha".
NOVA ET VETERA
AINDA O CONFISCO CAMBIAL
J. de Azeredo Santos
Sob o título de «O Estado orçamentívoro» comentávamos há, tempos, nesta secção de «Catolicismo» (n.° 43, de julho de 1954), as consequências desastrosas que iria acarretar para nossa economia o cumprimento da circular n.° 70 do Ministério da Fazenda, que instituiu entre nós o chamado «confisco cambial». Terminávamos por dizer que é por meio desse Estado orçamentívoro e socializante que se destrói em seus fundamentos a vida material de toda uma coletividade, sobretudo da classe média, cujo traço dominante é a independência econômica.
Infelizmente nossas previsões vêm se realizando de modo inexorável. De todos os vastos setores da nossa agricultura cafeeira um generalizado protesto se levantou nos últimos meses, culminando com o que se convencionou chamar de «Marcha da Produção».
A INVASÃO DO SOCIALISMO
Qual a principal fonte desse desassossego? Qual o fenômeno que se verificou na vida política e econômica do país, por etapas, trocando em nosso hinterland os alegres cantos da lavoura pela preocupação de todos, desde os fazendeiros ao mais humilde colono? Uma voz autorizada se ergue para nos responder. O Bispo é Pastor, é Pai. E o bom Pastor dá até a vida pelas suas ovelhas, ao contrário do mercenário que, ao se aproximar o lobo, as abandona e foge. Assim, o Bispo, em todas as ocasiões de perigo, se levanta para defender seu rebanho. Em nosso último número, publicamos o texto da carta que o Exmo. Revmo. Sr. D. Geraldo de Proença Sigaud, S. V. D., Bispo de Jacarezinho, escreveu a 13 de setembro ao Presidente da Associação Paranaense de Cafeicultores, sobre o problema do confisco cambial. Temos agora em mãos o texto do sermão proferido por S. Excia. Revma. durante a Missa campal que precedeu a reunião desses agricultores, em Jacarezinho, a 28 do mesmo mês, ocasião em que o eminente Prelado tornou a colocar o dedo na chaga que nos aflige.
O que está a acontecer em nossa Pátria, diz S. Excia. Revma., «é a socialização da nação, do Estado. E a penetração dos princípios do socialismo na realidade político-social, brasileira, como já ocorreu na Inglaterra, na França e em outros países: esta teoria mirabolante, sem fundamento na realidade, este sonho utópico de um Estado que seja como um deus, presente em toda parte, que sabe tudo e pode tudo, e que substitui a iniciativa particular; o Estado que penetra na vida econômica da nação, regulamentando-a toda, de maneira que o país se transforma num relógio, dirigido, movido, manobrado por funcionários, em lugar de ser um organismo vivo, em que as forças vivas — orientadas, sem dúvida, por aqueles que nos governam — procuram por si mesmas as soluções e as vão realizando. A causa desta situação calamitosa é a penetração do socialismo».
UM EXEMPLO FRISANTE
Não fica o Bispo de Jacarezinho em considerações genéricas, mas dessa triste realidade nos dá um exemplo concreto e frisante: o confisco cambial, mediante o qual, do preço da mercadoria produzida, que é o café, os agricultores recebem apenas uma pequena parcela, ao passo que a maior parte fica em mãos do governo para ele utilizá-la segundo seu arbítrio.
E como a responder àqueles que estranham que um Bispo se pronuncie sobre semelhantes problemas do campo econômico, esclarece S. Excia. Revma.: «Quanto a isso, meus queridos filhos, a Igreja tem uma palavra a dizer. Esse sistema é injusto. O Direito Natural — do qual a Igreja é guardiã e defensora intimorata — garante, a quem produz, o fruto de seu trabalho. Não é justo que vós trabalheis — vós, fazendeiros, sitiantes, assalariados e colonos — e o fruto do vosso trabalho, na maior parte, não venha para vossas mãos, mas seja encaminhado para outras mãos. Isso não é justo, é contra a justiça fundamental, é contra o Direito Natural. Daí vem todo esse mal-estar que existe em nossa lavoura e no Brasil em geral, porque o Brasil, em lugar de andar dentro daquilo que o Direito Natural — quer dizer, a sabedoria de Deus — determinou para a vida econômica de uma nação, envereda pelo caminho do arbitrário, do fictício, do artificial, e todos nós sofremos as consequências desse estado de coisas».
OS LIMITES DA TRIBUTAÇÃO
Devem, portanto, os espoliados prosseguir na luta contra essa ingerência indevida do poder público na vida econômica das fazendas. A luta contra o confisco cambial não implica, entretanto, no desconhecimento do direito que tem o Estado de impor uma justa tributação. E relembra o ilustre Antistite alguns princípios que devem nortear a política fiscal: «Também aí tendes uma palavra a dizer. O imposto deve ser público. Quer dizer, o fazendeiro, o negociante, o produtor deve saber o que está pagando, e o dinheiro do povo não deve ser escamoteado de maneira inconfessável, de tal sorte que a Nação não saiba sequer qual o imposto que está sendo pago. Tal maneira de proporcionar recursos ao Estado é injusta, é contraria a moral. O imposto deve ser cobrado publicamente, de modo que o produtor possa discuti-lo, possa dizer: este imposto é justo, este é injusto. Em segundo lugar, os impostos devem ser distribuídos equitativamente. Não é justo que uma classe ou algumas classes arquem com todo o peso da tributação, enquanto outras são privilegiadas. Porque a nação é uma família, e nas famílias não deve haver discriminação entre os irmãos, de forma que uns tenham todas as vantagens e outros tenham todos os ônus... Em terceiro lugar, é necessário que este fruto do vosso trabalho que sacrificais em nome do patriotismo, em nome da vossa cidadania brasileira, este fruto do vosso trabalho que é o dinheiro que entregais ao governo, seja administrado publicamente, e não de tal maneira que ninguém saiba o que é feito dele».
RESPEITO À AUTORIDADE
Todas essas justas reivindicações devem, porém, ser feitas dentro de um clima de respeito às autoridades, mesmo porque «a autoridade representa Deus. A autoridade não é fruto de uma revolução ou de um capricho do povo». As vítimas dessa intromissão estatal devem falar com energia, mas com a energia da justiça. «Não com a violência daqueles que não têm direito e querem fazer prevalecer suas pretensões pela força bruta, em lugar de as fazer prevalecer pela força do próprio direito».
Eis ai os principais tópicos desse memorável sermão de um grande Bispo, pronunciado num momento dramático em que as suas ovelhas para ele se voltaram a fim de ouvirem sua palavra de orientação no início da campanha pacífica que iam empreender contra aquela ciclópica ameaça a que Pio XII fazia alusão em uma de suas sabias alocuções: a ameaça do Leviatã socialista, que não somente além da cortina de ferro, mas também nas chamadas democracias ocidentais, procura reduzir a humanidade ao estado de servidão, à servidão totalitária que entre nós se esgueira atrás de medidas como esta do chamado confisco cambial.