Junto ao Presépio está a Virgem das Virgens, que também se poderia chamar a Mãe por excelência, pois que dEla nasceu o Verbo Encarnado e nascem todos os membros do Corpo Místico de Cristo. Mas ao fastígio de glorias dessa Maternidade, preferiu Maria SSma. o casto esplendor da virgindade. Na gravura: Natal, por Gentile da Fabriano (1370 a 1450).
«Desmascarar e reprovar erros tantas vezes propostos sob aparência de verdade»
Atanasio Aubertin
Considerando-se que é evidente a amnésia de boa parte da humanidade contemporânea com respeito à doutrina revelada, amnésia esta que contamina até membros do laicato católico, é salutar e oportuno o apostolado de "verdades esquecidas" feito por "Catolicismo". Queremos neste artigo ventilar uma dessas verdades, que foi providencialmente lembrada e louvada pela autoridade do Sumo Pontífice Pio XII, há pouco falecido. Com isso desejamos também prestar homenagem ao imortal Sucessor de Pedro, que tantas vezes proclamou e defendeu princípios sumamente úteis para a salvação deste nosso pobre mundo.
Nossa época encontra-se infiltrada de doutrinas falaciosas, assim como de desvios morais dos piores. É óbvio que, assistindo nossos dias à eclosão de um autêntico neopaganismo, deve hoje existir uma luxuria mais exacerbada que a das civilizações pré-cristãs: "corruptio optimi pessima". Por conseguinte, não é de admirar que a fidelidade conjugal e a indissolubilidade do casamento sejam tão atacadas e desrespeitadas, e que maus costumes de toda espécie se tenham alastrado tanto. Não causa também surpresa ver incluída no rol das verdades que parecem esquecidas a doutrina revelada de que a virgindade, o celibato e a viuvez constituem, quando escolhidos por motivo sobrenatural, estados mais perfeitos que o matrimonial. O mais grave é que a amnésia com referência a esse ensinamento da Igreja atinge mais de um militante do movimento católico.
Para estes, é muito frequente o argumento de que o matrimonio é superior ao estado dos leigos solteiros, porque o primeiro é um Sacramento e o segundo não é. Devemos observar, antes de mais nada, que tal modo de raciocinar carece de lógica, pois compara um Sacramento (matrimonio) com um estado de vida (celibato). Ora, não é nestes termos que se deve fazer a comparação, mas sim nos de estado matrimonial e estado de celibato. Seria possível, em boa lógica, cotejar o matrimonio com o estado virginal ou o celibato, se o Sacramento em apreço se identificasse de certo modo com o estado conjugal. Isto aconteceria se o matrimonio imprimisse caráter sacramental aos esposos. Mas, a Igreja ensina que são três os Sacramentos que imprimem caráter: Batismo, Confirmação e Ordem. De onde, o Sacramento do Matrimonio não se identifica com um estado, e portanto não pode ser comparado à virgindade e ao celibato, que são estados. Devemos confrontar a virgindade com o estado matrimonial, e neste confronto a Igreja mostra a superioridade da primeira sobre o segundo.
Antes de ouvir a palavra do Papa sobre o assunto, vejamos o que diz a Escritura.
Apóstolo São Paulo tem as seguintes expressões a respeito da viuvez e do celibato em que se permanece por amor a Deus: "Digo aos solteiros e às viúvas que é bom para eles se continuarem assim, como também eu". "Estás ligado a mulher? Não busques desligar-te. Estás livre de mulher? Não busques mulher. Mas, se tomares mulher, não pecaste. E se uma virgem se casar, não pecou". "Aquele, pois, que casa sua filha faz bem, e o que não a casa faz melhor". Sobre a viuvez diz o seguinte: "Case (a mulher viúva) com quem quiser, contanto que seja no Senhor. Porém, será mais feliz se permanecer como está, conforme o meu conselho; e julgo que também eu tenho o espírito de Deus". E o Apóstolo dá a seguinte explicação: "O que está sem mulher cuida das coisas do Senhor, como há de agradar a Deus. Mas o casado cuida das coisas do mundo, como há de dar gosto a sua mulher; e deste modo está dividido. E a mulher solteira e a virgem cuidam das coisas do Senhor, para serem santas no corpo e no espírito. Mas a casada cuida das coisas do mundo, de como agradar ao marido" (1).
Este ensinamento de São Paulo não se acha isolado nas Escrituras, pois também o vamos encontrar na palavra do mesmo Nosso Senhor, quando Ele diz que há homens que se abstêm da vida matrimonial por "amor do Reino dos Céus" (2). E a Igreja definiu como dogma de fé essa superioridade da virgindade e do celibato, escolhidos por motivo sobrenatural (3).
Observemos que o que a doutrina católica ensina sobre o estado de celibato vale tanto para eclesiásticos como para leigos. Um leigo que se abstém do matrimonio, para melhor se dedicar à Igreja, possui um estado de vida mais perfeito que o das pessoas casadas, embora este último também seja santo e agradável a Deus.
Sua Santidade o Papa Pio XII, de venerada memória, reivindicando a doutrina definida pela Igreja, e invocando o testemunho de muitos Pontífices e Doutores, se exprime em palavras bastante claras, precisas e elevadas a respeito desse assunto. Sobre a viuvez diz, por exemplo, o seguinte: "Conquanto a Igreja não condene as segundas núpcias, todavia assinala a sua predileção pelas almas que querem ficar fiéis a seu esposo e ao simbolismo perfeito do Sacramento do Matrimonio. Rejubila-Se de ver cultivar as riquezas espirituais próprias desse estado. A primeira de todas, parece-Nos, é a convicção vivida de que, longe de destruir os laços do amor humano e sobrenatural contraídos no matrimonio, a morte pode aperfeiçoá-los e reforçá-los. Sem dúvida, no plano puramente jurídico e no das realidades sensíveis, a instituição matrimonial não mais existe; aquilo porém que lhe constituía a alma, aquilo que lhe dava vigor e beleza, o amor conjugal com todo o seu esplendor e com os anseios de eternidade, subsiste, como subsistem os entes espirituais e livres que se votaram um ao outro. Quando um dos cônjuges, liberto dos apegos carnais, entra na intimidade divina, Deus o livra de toda fraqueza e de toda escoria do egoísmo; convida também aquele que ficou na terra a estabelecer-se numa disposição de alma mais pura e mais espiritual. Já que um dos esposos consumou o seu sacrifício, não deve o outro aceitar de desapegar-se mais da terra e renunciar às alegrias intensas, porém fugazes, do afeto sensível e carnal que ligava o esposo ao lar e lhe açambarcava o coração e as energias?”(4)
Pio XII justifica a publicação de sua Encíclica sobre a virgindade e o celibato com as seguintes considerações: "Esta doutrina da excelência da virgindade e do celibato, e da superioridade de ambos em relação ao matrimonio, tinha sido declarada, como dissemos, pelo Divino Redentor e pelo Apóstolo das Gentes; do mesmo modo foi solenemente definida no Concilio de Trento como dogma de fé, e comentada sempre unanimemente pelos Santos Padres e Doutores da Igreja. Além disso, Nossos Predecessores e Nós próprio a explicamos muitas vezes e recomendamos insistentemente. Mas, perante recentes ataques a essa doutrina tradicional da Igreja, e por causa do perigo que eles constituem e do mal que produzem entre os fiéis, somos levado pelo dever de Nosso cargo a desmascarar nesta Encíclica e a reprovar de novo esses erros, tantas vezes propostos sob aparência de verdade" (5). Contra o erro que apresentamos no início do presente artigo, há este tópico enérgico na Encíclica considerada: "Reprovamos recentemente, com tristeza, a opinião que apresenta o casamento como meio único de garantir à personalidade humana o seu desenvolvimento e a sua perfeição natural. Alguns afirmam, de fato, que a graça, comunicada ex opere operato pelo Sacramento do Matrimonio, santifica o uso do casamento a ponto de o tornar instrumento mais eficaz que a virgindade para unir as almas a Deus, porque o casamento cristão é um Sacramento, mas não o é a virgindade. Declaramos porém esta doutrina falsa e nociva. Sem dúvida, o Sacramento concede aos esposos a graça de cumprir santamente o dever conjugal e reforça os laços do afeto recíproco que os une; mas não foi instituído para fazer do uso do matrimonio o meio mais apto, em si, para unir com o próprio Deus a alma dos esposos pelos laços da caridade. Quando o Apóstolo São Paulo reconhece aos cônjuges o direito de se absterem por algum tempo do uso do casamento, para se entregarem à oração (1 Cor. 7, 5), não é exatamente porque tal renúncia torna a alma mais livre para se dar às coisas de Deus?".
Os homens atuais estão largamente contaminados pela mentalidade coletivista que, desafortunadamente, não tem deixado incólumes certos meios católicos, produzindo neles consequências danosas para a vida sobrenatural. Uma delas talvez seja precisamente esse menosprezo do estado de continência e virgindade. A este respeito, Pio XII faz a seguinte observação na Encíclica "Sacra Virginitatis": "Finalmente, não se pode afirmar, como fazem alguns, que a ajuda mútua que os esposos procuram no matrimonio cristão constitua ajuda mais perfeita para conseguir a santidade do que a apregoada solidão do coração das virgens e dos continentes. Pois, não obstante a renúncia a tal amor humano, não se pode dizer que as pessoas que abraçam o estado de perfeita castidade empobrecem por isso mesmo a sua personalidade humana. De fato, recebem do próprio Deus um socorro espiritual muito superior à mutua ajuda prestada pelos cônjuges entre si. Dedicando-se completamente Aquele que é seu princípio e lhes dá a participação de sua vida divina, longe de se diminuírem a si mesmos, só se engrandecem o mais possível. Quem, com mais verdade que os virgens, pode aplicar a si aquelas admiráveis palavras do Apóstolo São Paulo: Vivo, já não eu, mas é Cristo que vive em mim" (Gal. 2, 20)?"
Em certos setores do movimento católico se atribui mais eficiência ao apostolado dos casados do que ao exercido por leigos solteiros ou até por Sacerdotes. Argumenta-se que os casados, por se igualarem com a maioria, são mais aptos do que os outros, que se encontram "afastados do mando", a "compreender os anseios e angústias do homem moderno". Contra tal modo de ver as coisas, o falecido Pontífice tem as seguintes palavras: "Parece-Nos útil dizer também alguma coisa dos que apartam a juventude dos Seminários e Institutos religiosos, esforçando-se por incutir a idéia de que hoje a Igreja tem mais necessidade do auxílio e da profissão da vida cristã dos casados, vivendo no século como os demais, do que dos Sacerdotes e das Religiosas, que por assim dizer se separaram do mundo pelo voto de castidade. Semelhante idéia, veneráveis Irmãos, é completamente falsa e muito perniciosa. Não é, certamente, intenção Nossa negar a fecundidade do testemunho que os esposos católicos podem dar, com o exemplo da vida e a eficácia da virtude, em todos os lugares e circunstâncias. Mas invocar esse motivo para aconselhar que se prefira o matrimônio à consagração total a Deus é inverter e transformar a reta ordem das coisas" (Encíclica citada).
Esta "verdade esquecida", tão bem lembrada pelo Sumo Pontífice recentemente chamado a Deus, prepara, para aqueles que a praticarem em vida, uma coroa impar na eternidade. Ouçamos o Apostolo São João, quando descreve a glória daqueles que, como o próprio discípulo predileto de Nosso Senhor, se consagraram a Deus na castidade perfeita. Diz o vidente de Patmos: "E cantavam como que um cântico novo diante do trono e diante dos quatro animais e dos anciãos; e ninguém podia cantar este cântico, senão aqueles cento e quarenta e quatro mil, que foram resgatados da terra. Estes são os que não se contaminaram com mulheres, porque são virgens. Estes seguem o Cordeiro para onde quer que Ele vá. Estes foram resgatados dentre os homens como primícias para Deus e para o Cordeiro, e na sua boca não se achou mentira, porque estão sem mácula diante do trono de Deus" (6). Observemos que nem os próprios Anjos, apesar de puros espíritos, podem entoar esse cântico, mas só os que "foram resgatados dentre os homens como primícias para Deus".
(1) 1 Cor. 7: 8, 27, 38, 39 e 32.
(2) Cfr. Mat. 19, 10-12.
(3) Concilio Tridentino, sess. XIV, can. 10.
(4) Alocução de 16-9-1957, tradução da Revista Eclesiástica Brasileira, vol. 18, 1958, p. 195.
(5) Encíclica «Sacra Virginitatis», tradução da Editora Vozes, 1954.
(6) Apoc. 14, 3-5.
VIRTUDES ESQUECIDAS
Desconfiar dos Hereges, Persegui-los e Encarcerá-los
SAO BERNARDO
De uma carta ao Bispo de Constança, a respeito de Arnaldo de Brescia, discípulo de Pedro Abelardo:
Se o pai de família soubesse a que horas havia de chegar o ladrão, estaria por certo muito atento e não lhe permitiria invadir sua casa. E vós? Já sabeis que um salteador se introduziu, ao abrigo da noite, em vossa herdade, ou melhor, na herdade que Deus confiou à vossa guarda? Por certo que deveis saber que o tendes ai, escondido, pois a notícia já chegou até nós, que estamos tão distantes. Não estranho, de modo algum, que ignorando vós a hora em que ele havia de atacar-vos, não o surpreendêsseis em seu assalto noturno; o que não deixaria de causar-me grande maravilha seria que, uma vez descoberto o criminoso, não o identificásseis e prendêsseis e obrigásseis a restituir o que vos ia tomar, e sobretudo o que roubou a Jesus Cristo, que são as almas,...
Falo de Arnaldo de Brescia, indivíduo de tal condição, que oxalá pudesse distinguir-se tanto pela pureza de sua doutrina como pela que parece guardar no que diz respeito aos costumes. Em poucas palavras vos direi o que penso dele: não é dado à gula nem à ebriedade, mas sente fome e sede satânica, de devorar e perder as almas. Pertence àquela categoria de homens desmascarados pelo olho solerte do Apóstolo (Tim. 3, 5), que aparentavam muita piedade por fora e na realidade estavam vazios de toda virtude; ou aqueles outros que o Senhor retratava quando dizia: «Virão a vós revestidos de peles de ovelhas, e serão lobos carniceiros» (Mat. 7, 15). Este homem, durante todos os anos de sua vida, até o tempo presente, não houve lugar em que parasse e onde não deixasse tristes e dolorosas recordações de sua permanência; de tal modo que não há perigo de que ouse voltar a uma região de onde alguma vez se retirou. A própria terra onde viu a luz do mundo sentiu-se, por culpa dele, tão atrozmente perturbada e afligida, que teve de acusá-lo perante o Papa como autor de pernicioso cisma, para que Sua Santidade o exilasse por isso daquela região e o obrigasse a prometer que não voltaria sem prévia permissão da Sé Apostólica. Por um delito semelhante foi sem demora desterrado da França, como insigne perturbador; pois, vendo-se repelido pelo Sucessor de São Pedro, resolveu ligar-se a outro de sua espécie, Pedro Abelardo, e tendo abraçado os erros deste — apontados já e condenados pela Igreja — pôs-se a defendê-los juntamente com ele, até com mais furor e pertinácia do que o próprio autor.
E não julgueis que com isto se contentou ou amainou seus furores: ainda tem a mão erguida para golpear. Apesar de errante e ferido, intenta perpetrar contra homens de outras nações o mal que não pode fazer aos de seu país, sempre rugindo como o leão que espreita a presa para devorá-la. Agora mesmo maquina e pratica maldades em vossa Diocese, segundo me dizem, e vai devorando vosso povo como um bocado de pão saboroso. Só abre a boca para blasfemar e semear amargura; ágeis e prontas tem as pernas para correr até onde possa fazer carnificinas; seus passos se assinalam pelas ruínas e desgraças que deixa atrás de si; jamais conheceu as sendas da paz. Inimigo da Cruz de Cristo e semeador de discórdias, é, ademais, artífice de mentiras e cismas, perturbador da paz e adversário decidido da unidade católica. Afiados tem os dentes como espadas e dardos, e sua língua é pior que uma seta aguda. Sabe ungir de brandura suas palavras, como com azeite, e lança entre elas suas flechas envenenadas. Por isso costuma atrair a si, com bem adornados e amoráveis discursos e com aparências de virtudes, os ricos e poderosos da terra. Para que se cumpra aquilo da Escritura: «Foi emboscar-se com os ricos, à espreita de algum inocente a quem assassinar» (Si. 9, 29). Uma vez que haja captado a benevolência dos poderosos e se sinta seguro com o valimento e amizade deles, vereis como age descaradamente contra o Clero, e apoiado pela força das armas se levanta contra os próprios Bispos e arremete em seu frenesi contra toda sorte de pessoas eclesiásticas.
Sabendo disso, o melhor que podeis fazer, em assunto tão prenhe de ameaças, é optar pelo mais seguro e seguir o conselho do Apóstolo (1 Cor. 5, 13), arrancando o mal pela raiz. Embora talvez fosse preferível que o amigo do Esposo, em lugar de afugentar o perverso, o prendesse, para impedi-lo de correr outras terras e fazer outros estragos.
Foi o que já prescreveu o Sumo Pontífice quando ele ainda rondava por seus domínios, pois Sua Santidade se inteirou do enorme dano que esse homem causava; porém não houve ninguém bastante zeloso que lhe deitasse a mão e levasse a cabo tão boa obra. Que? Não manda muito convenientemente a Sagrada Escritura que demos caça às raposinhas que destroem a vinha (Cant. 2, 15) ? Pois com quanto maior razão deveremos acorrentar um lobo grande e feroz para que não assalte os redis do Senhor e mate as ovelhas e lhes cause a perdição! -- («Obras completas del Doctor Melífluo, San Bernardo, Abad de Claraval», trad. espanhola do Pe. Jaime Pons, S. J., Rafael Casulleras Librero-Editor, Barcelona, 1929; vol. V — «Epistolario», p. 405, carta 195).