(continuação)
REVOLUÇÃO E CONTRA-REVOLUÇÃO
OPERÁRIO SEM PECÚLIO E ESCRAVIZADO A SINDICATOS NÃO É BENEFICIÁRIO, MAS VÍTIMA DA REVOLUÇÃO
social, vai apresentado sintomas crescentes de desequilíbrio e degradação moral, e está afundando num caos diante do qual tremem todos os homens sensatos. O senso cristão da vida está quase perdido entre os homens, escreveu o Exmo. Mons. Angelo Dell’Aqua ( ). Esta espantosa realidade, da qual brotam todas as outras realidades espantosas de nossos dias, por quem foi produzida? Pela família espiritual dos moderados? Então, no que consiste esta moderação? Pelos degradados? Então, no que consiste a força dos moderados? E como afirmar que foi a moderação que nos conduziu a este excesso? Quem não vê o que há de ilusório em tal visão da História?
O adolescente irrequieto
Mas, objetarão outros, não se trata disto. Um adolescente pode ser por vezes desatencioso e até grosseiro com seus pais. É a expressão excessiva de um legítimo desejo de independência. Na idade madura, conquistada a liberdade, o filho se voltará com saudades e gratidão para seus velhos pais. Tudo terá entrado novamente na ordem. Os excessos atuais da Revolução constituem fenômenos de adolescência. Consumada a evolução histórica, as coisas voltarão a suas posições normais. E a sociedade, já evoluída, se reconciliará com a Igreja.
É outro modo falso de interpretar os fatos. Sem entrarmos na análise desta concepção, devemos dizer que a figura não condiz com a realidade. Se a Igreja é a mãe, o Ocidente o filho, e a Revolução é a crise, cumpre reconhecer que se trata, não de uma crise ligeira, de simples escaramuças domésticas, mas de uma tragédia. Pois o Ocidente, por formas ora brandas ora brutais, despojou a Igreja de todas as prerrogativas que Lhe competem como Rainha e Mãe, dando-Lhe por muito favor a liberdade que só aos facínoras se recusa. Ademais, nos campos de concentração do nazismo, e por detrás da cortina de ferro, ele A espancou e feriu de mil modos. Quando entre mãe e filho as relações estão nestes termos, é o caso de prever como mais provável, segundo o curso comum das coisas, que tudo volte por si à rotina, ou que as desavenças caminhem para as últimas catástrofes?
A “moderação”, forma sub-reptícia de Revolução
A idéia de tomar entre os excessos e os crimes da Revolução, de um lado, e a Contra-Revolução, do outro, uma linha média moderada, não é de nossos dias. Ela nasceu por assim dizer com a própria Revolução. Na Época Contemporânea, por exemplo, esta fórmula de falso equilíbrio seduziu numerosíssimos elementos em cada uma das gerações que se sucederam de 1789 para cá.
Na esfera política, ente os partidários do “Ancien Régime” e os jacobinos, a corrente “moderada” julgou por muito tempo que o ponto de equilíbrio certo era a monarquia constitucional. Mais tarde, quase desaparecidos os partidários do “Ancien Régime”, o papel de “moderados” tocou aos republicanos conservadores, meio termo “sábio”, “prudente”, “sensato” entre dois excessos contrários: a monarquia e o socialismo. Em muitos países, as coisas já evoluíram, e a “moderação” consiste em defender o socialismo contra a república burguesa, à direita, e, à esquerda, o comunismo.
Façamos a análise desse curioso processo. Essa família espiritual de “moderados”, pretensamente equidistante de ambos os extremos, outra coisa não fez senão uma imensa e sistemática Revolução, com interstícios aparentes e recuos estratégicos que se perdem como simples acidentes na imensidade da trajetória percorrida. Cada geração de “moderados” criou desta ou daquela maneira uma outra geração que lhe sucederia na mesma adoração da “equidistância” e do “equilíbrio”. Mas cada geração que vinha dava um passo à frente, tomando precisamente a posição que a anterior alcunhava de exagerada. Os “moderados” monárquicos e constitucionais franceses, por exemplo, reputavam, exagerada a República. Ora, das situações plasmadas e dominadas por eles se originaram os “moderados” que, em nome da moderação, fizeram a República.
Assim, a “moderação” caminhou sempre de um excesso para outro. Como ver nela, então, outra coisa senão a Revolução?
E, se a marcha da “moderação” nos leva sempre alguns degraus mais abaixo na espiral revolucionária, como supor que no fim da caminhada não estejamos no mais fundo do abismo da Revolução?
Exemplificando em outros campos
Já que a Revolução é um imenso todo, e não um processo meramente político, também em outros campos poderíamos notar o mesmo papel “da moderação”.
Em matéria religiosa, por exemplo, quantas vezes um cristianismo interconfessional e vago tem parecido um meio termo judicioso entre um catolicismo “exagerado” e um deísmo audacioso? E, depois, quantas vezes o papel de meio termo passou desse tal ou qual cristianismo para o deísmo, “ponto de equilíbrio” simpático entre as “crendices” cristãs e os excessos do ateísmo? Assim, de “ponto de equilíbrio” em “ponto de equilíbrio”, de “moderação” em “moderação”, onde se vai chegando, onde já chegaram tantos e tantos, senão ao ateísmo, que é o sumo desequilíbrio, o sumo exagero, a mais aberrante imoderação?
E no terreno da imoralidade dos trajes, quanta observação análoga haveria que fazer!
Em cada época há moças de costumes recatados, outras “ousadas”, e por fim uma imensa maioria que está no meio termo. Ora, em via de regra, as “moderadas” de hoje são idênticas às exageradas da véspera. E as exageradas de hoje são idênticas às “moderadas” de amanhã. Como, pois, confiar nessa “moderação” como força capaz de evitar o triunfo dos piores erros, dos excessos mais detestáveis?
Promoção do operariado
Mas, perguntar-se-á, “Catolicismo” chega ao ponto de negar que, acidentalmente pelo menos, a Revolução produziu altas vantagens? Ela não teve, para exemplificar, o grande mérito de acentuar nos operários um sentido mais nítido de sua dignidade? E não é certo que a expressão “promoção do operariado” tem um significado profundamente simpático a toda alma católica?
Certos processos de degradação moral podem trazer, acidentalmente, a correção de alguns defeitos. Assim, uma jovem pura, educada num ambiente muito fechado, e por isto mesmo tímida, pode perder-se, e, ao mesmo tempo que nela desaparece a pureza, é possível que desapareça também a timidez. Será o caso de se dizer que sua degradação teve a vantagem de a livrar da timidez? Absolutamente falando, haveria um fundo de verdade nesta asserção. Mas, já que há tantos meios normais de uma pessoa se corrigir da timidez, a afirmação tem qualquer coisa de desagradável a ouvidos dotados de fina percepção.
A Revolução concorreu para que todos os homens – e não apenas os operários – tivessem uma noção plena de seus direitos. Bom teria sido que ela também lhes tivesse falado de seus deveres. De qualquer forma, o meio normal e adequado para que os homens chegassem ao pleno e harmônico conhecimento de seus direitos não teria sido a Revolução, mas o progresso nas virtudes cristãs, isto é, precisamente o contrário da Revolução. É este o fundamento de toda promoção, inclusive do operariado.
No que consiste essa promoção? Não em que o trabalhador, intoxicado pela Revolução, tenha vergonha de sua condição e queira ser burguês. Nem em que deseje estabelecer a ditadura do proletariado para calcar aos pés as classes sociais mais altas. A promoção do operário consiste em que ele se compenetre sempre mais da dignidade natural e da grandeza cristã de sua condição, e procure marcar com esta convicção todo o seu porte, suas maneiras, seu traje, sua residência, etc. E que ame a hierarquia social na qual lhe cabe um degrau modesto, mas digno. Neste sentido, estavam muito mais a caminho de uma promoção os operários rurais de outrora, com seus belos trajes típicos, suas músicas e suas danças populares, suas casas e seus móveis de uma pitoresca e confortável rusticidade, ou os membros de uma corporação antiga, do que tantos pobres trabalhadores de hoje, vítimas da Revolução, peças sem iniciativa nem vida de um grande mecanismo econômico, moléculas inexpressivas de uma imensa massa, e não mais células vivas de um verdadeiro povo.
A promoção operária comporta, é certo, também uma melhoria de condições materiais de vida. Mas, ainda aí, cumpre lembrar que se isto supõe o salário justo, suficiente para o trabalhador e sua família, supõe também o hábito e os meios de fazer economia, de formar um patrimônio próprio, e de ter pelo menos casa própria. O operário inteiramente sem pecúlio, e dependente em tudo e para tudo do sindicato e de organismos congêneres, é uma vítima da Revolução e não é, de nenhum modo, um operário “promovido” segundo as normas da Contra-Revolução.
Sobretudo é preciso lembrar que a promoção de uma classe é na sociedade como o crescimento de um membro no corpo. Deve ser um capítulo necessário e precioso de um progresso concomitante das diversas classes sociais, e nunca um marco para o nivelamento de todas. Como vemos, a Contra-Revolução favorece a promoção do operariado. Mas como essa promoção difere das promessas subversivas e enganosas da Revolução!
Liberdades
Resposta análoga poderia ser dada a quem pretendesse que o processo revolucionário, limitando o pátrio poder, a autoridade marital, as precauções morais dos costumes de outrora, etc., prestou insigne serviço à humanidade. É como pretender que se prestou serviço a alguém cortando-lhe um braço, porque assim nunca mais machucará os dedos. É possível que os abusos do pátrio poder tenham diminuído em número. Mas o abuso da independência dos filhos não terá gerado males mil vezes piores?
A própria expressão “abuso” precisaria, aliás, ser matizada. Há abusos por excesso. Digamos que diminuíram. E os abusos por omissão do pátrio poder: não aumentaram eles prodigiosamente sob o signo do liberalismo? Quem poderá jamais dizer que cúmulo de desastres morais se tem originado de tal omissão?
* * *
A Civilização cristã poderia tomar por lema as palavras ouvidas pelos pastores na noite em que nasceu o Salvador: “Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na terra aos homens de boa vontade” (Lc. 2, 14). Pois a paz é, segundo Santo Agostinho, a tranquilidade da ordem (cfr. XIX De Civ. Dei, cap. 13). Da ordem de Cristo, bem entendido, no Reino de Cristo. Para a realização desse anelo, não pode ser de qualquer valia a Revolução. Pois as ações inspiradas por esta, mesmo quando vistas de um ângulo indevidamente otimista, não passam de corretivos desproporcionados e selvagens, a abusos que inevitavelmente existem em toda ordem cristã.
Conta-se de um oculista a quem um cliente se lamentava exageradamente do incômodo que lhe causava o uso de óculos. Feita uma operação, por imperícia do médico o cliente ficou cego. Quando este voltou a si, reclamou indignado, contra o desastre que lhe sucedera. Confundindo-se em desculpas, o oculista acrescentou, à guisa de consolação: pelo menos, o Sr. não terá mais que usar óculos... É no que nos fazem pensar os que, para justificar a Revolução, alegam no seu ativo vantagens deste porte.
A civilização está em frangalhos, o mundo ameaça ruir, nesta era em que sopra livremente e em todos os sentidos o tufão revolucionário.
Entretanto, cantemos loas a este, porque eliminou alguns abusos do “Ancien Regime”.
(1) Carta ao Exmmo. Cardeal Arcebispo de São Paulo, a propósito do Dia Nacional de Ação de Graças.
OS CATÓLICOS INGLESES DO SÉCULO XIX
MANNING VOLTA À INGLATERRA
Fernando Furquim de Almeida
Em 1853, depois de três anos de ausência, durante os quais completara em Roma a sua formação católica, voltava para a Inglaterra o Padre Henry Manning.
Como vimos, convertera-se em 1850 e, desejando preparar-se bem para o sacerdócio, fora receber na própria fonte a doutrina que antes combatera. De elevada estatura, porte majestoso, fisionomia enérgica, dele se dizia que "do alto da cabeça à ponta dos pés era alguém", o que justificava as esperanças nele depositadas pelo movimento católico inglês. Ao chegar a Londres, colocou-se à disposição do Cardeal Wiseman, que, associando-o às suas obras, deu início à colaboração íntima que só terminaria com a morte do Prelado, em 1865.
O Padre Manning logo polarizou as atenções dos católicos de toda a Grã-Bretanha, e os convertidos de Oxford, afastados de Newman por não concordarem com sua visão do Catolicismo, encontraram nele o guia seguro de que necessitavam.
Profundamente observador, Manning via claramente que o futuro da Igreja em sua pátria dependia em larga medida da grande imigração irlandesa, tradicionalmente católica e combativa. O zelo e o devotamento de que davam sobejas provas os imigrados não eram, no entanto, suficientes para reconquistar a Inglaterra. Era necessário formar uma elite que os dirigisse e elevasse, e que tivesse bastante prestígio para influir nos destinos da nação. Daí o apostolado pertinaz do Padre Manning entre os aristocratas, e o cuidado de sempre imprimir às suas obras um cunho de distinção capaz de colocá-las no mesmo nível de suas congêneres protestantes, que pululavam na alta sociedade inglesa dessa época.
O sucesso do Cardeal Wiseman e do Padre Manning não podia deixar de desapontar Newman, que deles divergia completamente. Em um de seus escritos autobiográficos, o célebre oratoriano dizia, com amargura, depois de reconhecer o seu fracasso:
"Naturalmente, a única coisa a produzir é o fruto, mas, para o Cardeal, a aparência imediata é o fruto, e as conversões são o único fruto. Conversões, e nada mais, são na Propaganda as provas de que se fez alguma coisa. Por toda parte, entre os católicos, converter é fazer alguma coisa, não converter é não fazer nada. Descendo ainda mais ao fundo, na opinião da Propaganda, do Cardeal e dos católicos em geral, as conversões devem ser esplêndidas, devem ser conversões de grandes homens, de aristocratas, de sábios, não simplesmente de gente humilde. É necessário lembrar que, em Roma, tiveram visões da volta à Igreja de toda a Inglaterra, e que a conversão de pessoas de categoria lhes parece um bom meio para essa conversão em massa. Il governo é tudo, no seu modo de ver. Essa idéia talvez esteja implícita até em nosso Breve, quando ele nos envia às classes superiores. Manning e outros são grandes, porque vivem em Londres e convertem Lords e Ladies por sua situação e influência".
Uma observação se impõe, desde logo, a essa passagem do jornal de Newman. Toda a história da Igreja na Inglaterra do século XIX, que estamos expondo, mostrará que o Cardeal Wiseman e o Padre Manning não abandonaram os menos afortunados. Pelo contrário, o apostolado nas classes elevadas lhes permitiu um maior aproveitamento das forças católicas em benefício do povo, e as inúmeras iniciativas destinadas exclusivamente aos pobres, bem como o cuidado com que tratavam os irlandeses imigrados, são um desmentido eloquente a essa acusação.
Não era o apostolado na aristocracia, aliás, o único ponto de discórdia entre Manning e Newman. O primeiro considerava a cultura inglesa uma filha dileta do protestantismo, e dela desejava afastar os fiéis, mostrando-lhes a superioridade da cultura católica que ele pregava e difundia na sua mais pura ortodoxia. Não admitia, como o Padre Newman, que os católicos usassem os meios de formação intelectual protestantes, a não ser como um mal menor enquanto não pudessem, eles mesmos, formar os seus dirigentes. O Padre Newman desejava que os católicos se infiltrassem nas grandes universidades a fim de conquistá-las para a Igreja, esquecido do evidente perigo a que essa tática exporia a fé dos jovens que a elas se dirigissem.
Essas divergências no modo de conceber o apostolado eram, evidentemente, consequência da mais profunda oposição de princípios. Manning via com preocupação a orientação de Newman, pois — dizia — "temo um certo catolicismo inglês do qual Newman é o mais qualificado representante. É o velho tom anglicano, patrístico e literário, transplantado para a Igreja. O que nos salvará das opiniões minimalistas sobre a Mãe de Deus e o Vigário de Nosso Senhor é o milhão de irlandeses que vivem na Inglaterra. Fico satisfeito ao ver que eles não têm nenhum gosto por esse catolicismo aguado, literário e mundano de certos ingleses".
O apostolado do Cardeal Wiseman fora sempre dirigido por essas idéias sadias. O êxito impressionante que ele teve com a restauração da Hierarquia inglesa, apesar da hostilidade ativa dos protestantes e do pessimismo dos velhos católicos conformistas, não permitia que se acusasse o Padre Manning de estar tentando métodos não comprovados pela experiência. O Cardeal e seu colaborador afastaram o Padre Newman do apostolado que ambos dirigiam, e construíram o esplêndido movimento católico inglês que no século passado elevou o nome da Inglaterra nos fastos da Igreja.
NOVA ET VETERA
PALVRA MÁGICA...
Luiz Mendonça de Freitas
Em mais de uma oportunidade focalizamos, nestas colunas, inconvenientes da política econômica adotada por sucessivos governos brasileiros para promover o desenvolvimento do País. Visa-se à industrialização, e para realizá-la não se medem sacrifícios. Ainda que seja necessário desencadear um processo inflacionário ou acelerá-lo; mesmo que seja preciso onerar as importações com tarifas alfandegárias altíssimas ou manipular o sistema cambial, não se deve recuar, pois o objetivo é: industrializar. Palavra mágica para os adeptos do nacionalismo de nossos dias, que se apresenta impregnada de densa carga emocional. É por isso, sobretudo, que muitos governos não temem desencadear o perigosíssimo fenômeno da inflação para transformar em realidade esse objetivo.
Ora, tal política parece levar, inevitavelmente, à transformação da fisionomia tradicional do Brasil.
O QUE SIGNIFICA A INFLAÇÃO
Sabemos muito bem o que significa a inflação: a imposição de grandes sacrifícios a toda a população, especialmente à parcela que vive de salários e ordenados. A inflação se caracteriza pela elevação de preços decorrente de uma disparidade entre o volume nominal de poder aquisitivo em mãos dos particulares e o valor dos bens adquiríveis em determinado momento. Em outras palavras, os jatos de dinheiro atirados à circulação, não correspondendo à colocação de novos bens à disposição do público, vão entrar em concorrência com o dinheiro existente anteriormente, e assim forçar para cima o nível de preços. Esse processo é cumulativo e contínuo, de maneira que todos aqueles que não puderem reajustar seus rendimentos à medida em que os preços sobem, irão sendo espoliados. Ora, no sistema econômico atual só os que vivem de lucros é que se podem ir adaptando. Os que dispõem apenas de ordenados ou de rendas fixas não conseguem reajustes senão ao cabo de períodos mais ou menos longos, em geral de um ou dois anos. Uma vez atualizados tais níveis de remuneração, logo o poder de compra dessas pessoas recomeça a sofrer os efeitos do processo de depreciação da moeda, pois este não só continua, mas é até acelerado por ocasião dos reajustes salariais, especialmente quando estes ocorrem em conjunto, como está acontecendo em nosso País. Naturalmente, para os que vivem de aluguéis a situação é ainda mais difícil, porque os seus reajustes, quando se processam, só são possíveis a intervalos muito maiores. O poder aquisitivo assim perdido por algumas classes se transfere para as empresas comerciais e industriais que o capitalizam, em proveito próprio evidentemente.
Tudo isso não se dá sem que ressentimentos e até ódios se acendam entre as classes sociais, sem que a corrupção, sob diversas formas, se generalize, sem que se desencorajem os trabalhadores honestos, sem que se difunda a tática do «golpe» em todos os setores de atividade. Pois os milionários «parvenus», sem nenhuma tradição e sem tempo para adquirir «cultura», substituem as famílias tradicionais, que durante séculos dirigiram os destinos da nação e que são, inexoravelmente, tragadas por essa inflação que esgota as bases materiais de sua existência, isto é, os rendimentos de suas propriedades.
Como se vê, a inflação verdadeiramente transtorna o País, aniquila a sua organização social.
Pois bem, apesar de todas essas consequências, os governos latino-americanos estão empenhados num programa de industrialização a qualquer custo. Esse desejo de industrialização não é novo, mas nunca foi tão exacerbado como neste após-guerra. Por que isto? Em parte porque se afirma que há atualmente uma base teórica sólida para tal política. Vejamos qual seja.
ONDE ENTRA A CEPAL
A Comissão Econômica para a América Latina, mais conhecida pela sigla CEPAL, órgão das Nações Unidas, vem há vários anos publicando relatórios e trabalhos destinados a expor e defender as seguintes teses:
1) A revolução industrial processou-se em número limitado de países, ficando excluídas de seus benefícios as áreas periféricas.
2) Nos países industrializados os benefícios dos progressos técnicos permitiram elevar os salários em geral, e não se traduziram em grandes reduções nos preços dos produtos.
3) Nas nações produtoras de matérias primas que não se industrializaram, os aumentos de produtividade na agricultura foram absorvidos por reduções nos preços.
4) Isto representou uma perda para os países produtores de artigos primários, pois no comercio internacional os preços destes baixaram, sem que os dos produtos industriais acusassem a mesma tendência. Deste modo, não só tais áreas ficaram excluídas dos benefícios da revolução industrial, como também foram obrigadas a transferir para as áreas industrializadas os benefícios obtidos em seu próprio campo. Esse processo continua.
5) Só com uma ação positiva dos governos sobre as economias subdesenvolvidas é que se evitará que continue a piorar a posição destas frente às regiões desenvolvidas ou industrializadas.
6) O único meio eficaz para conseguir tal objetivo é promover a industrialização dos países subdesenvolvidos, a fim de que se ponha termo à transferência das vantagens do progresso técnico, e eles passem também a auferir-lhe os benefícios.
Tais teses vêm sendo apresentadas desde 1947 com grande aparato estatístico e numa linguagem técnica muito rebuscada, que lhes conferem, perante o comum das pessoas, inclusive políticos, o caráter de verdadeiros dogmas.
QUEBREMOS O TABU.
Por esse motivo, raramente se analisam tais idéias em nosso continente, e é nos autores não latino-americanos que devemos procurar as críticas a elas. Focalizando a questão, foi recentemente publicado pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo, Departamento de Economia, em sua Coleção de Estudos de Economia Teórica e Aplicada, um estudo do Professor Benjamin Rogge intitulado «A Tese de Prebisch» (Raul Prebisch é, há muitos anos, o secretario executivo da CEPAL, estando seu nome associado às proposições apresentadas acima).
O trabalho visa por em dúvida a «inevitabilidade» do processo descrito, pela demonstração dos seguintes pontos:
1) Não existe nenhuma tendência inerente a uma economia mundial que se desenvolve livremente, de designar aos países subdesenvolvidos o papel exclusivo de fornecedores de produtos primários.
2) Mesmo que ela existisse, não haveria nenhuma tendência inerente ao fornecimento de produtos primários que determinasse um progresso de rendas reais mais lento do que nos países produtores de produtos industriais.
Não nega Rogge que, por parte de potencias estrangeiras, tenha havido abusos lesivos ao desenvolvimento de certas áreas atrasadas, mas chama a atenção para o fato de que grande parcela de responsabilidade por esse atraso cabe aos próprios governos locais, que em geral agem inadequadamente. Seria de desejar que, a exemplo do que fez Benjamin Rogge, se estudasse melhor a tese de Prebisch. Assim se esclareceria a opinião pública sobre o verdadeiro «bluff» que representa acenar com ela para justificar a desastrosa política econômica adotada em toda a América Latina depois da guerra.