“A VERDADE É A ÚNICA CARIDADE PERMITIDA À HISTÓRIA”
Jacob Boehme no pensamento de Berdiaef e Maritain
Cunha Alvarenga
Concluiremos hoje as considerações que começamos no penúltimo número desta folha.
O personalismo de Maritain e o de Berdiaef se baseia num pressuposto completamente gratuito, que vem a ser a distinção entre indivíduo e pessoa, não somente na ordem especulativa, mas também na ordem prática. Isto é, tomam eles um aspecto parcial de certa realidade como ponto de partida para projeções de todo descabidas no campo psicológico, jurídico, social e reli-gioso.
Berdiaef é confessadamente gnóstico, mas o Sr. Maritain se declara tomista. Querer, porém, achar em São Tomás de Aquino a fonte de tal personalismo é um intento manifestamente irrealizável. Tomemos um intérprete do Angélico que faça, não literatura, mas filosofia. Assim é que o Revmo. Fr. Jesus Valbuena, O. P., na introdução à questão 29 da Suma Teológica (1), nos diz que "o suposto ou pessoa representa um indivíduo substancial totalmente independente de outro no existir e absolutamente incomunicável, e por isso mesmo perfeitamente subsistente em si mesmo". E acrescenta que, ao esposar a sentença de Boécio, segundo a qual "a pessoa é a substancia individual de natureza racional", se deve ter "muito em conta, como repetidamente adverte São Tomás, que nesta definição de pessoa a palavra individual se toma não só pelo individuo da natureza, mas também e principalmente pelo individuo de subsistência, ou seja, pela incomunicabilidade absoluta que diz respeito à pessoa" (2). Mais ainda: "De três maneiras pode ser considerado o suposto ou pessoa: enquanto subsistente em si mesmo, enquanto sustenta os acidentes, ou como constituído por princípios essenciais que o colocam em determinada ordem de seres. São aspectos distintos de uma mesma e única realidade, da qual se distinguem tão somente com distinção de razão, como ensina São Tomás no artigo 2. Mas em cada um desses aspectos ela recebe nomes distintos. Assim, no primeiro se chama subsistência; no segundo, hipóstases, e no terceiro, natureza ou essência". Somente em Deus a pessoa é absolutamente simples, diz o mesmo autor. "Nas criaturas, o suposto ou pessoa tem composição múltipla, incluindo, portanto, uma multidão de conceitos diversos, como os de essência e existência, substancia e individuo, natureza e subsistência" (3).
O Doutor Comum ressalva a real dis-tinção entre a pessoa e a substancia individual. Trata-se, porém, de uma distinção real inadequada, já que a pessoa inclui a natureza individual enquanto seu complemento último. A pessoa é mais que substancia individual ou individuo da natureza. Pessoa, segundo São Tomás, significa o que é completo, o que tem a última perfeição no gênero de substancia. "A pessoa acrescenta algo real à substancia individual, que é precisamente essa incomunicabilidade ou individualidade de subsistência" (4).
O Conceito Tomista de Pessoa Humana
Quem diz, portanto, pessoa, diz tota-lidade, plenitude, independência e incomunicabilidade no existir: "o mais perfeito que há em toda a natureza, ou seja, o ser subsistente na natureza racional" (5). Ora, que diz o Angélico da pessoa humana? Diz claramente que, na geração, o mais perfeito "é o próprio individuo engendrado, o qual, na geração humana, é a hipóstase ou pessoa, a cuja formação se ordenam tanto a alma como o corpo. Portanto, existindo a personalidade do homem engendrado, é necessário que existam também o corpo e a alma racional" (6).
E aqui chegamos ao ponto crucial da questão. Deixando de lado o conceito de pessoa em sentido geral, que também se aplica a Deus e aos Anjos, já vimos que São Tomás, no caso particular da pessoa humana, claramente afirma que em sua formação concorrem tanto a alma como o corpo. Ora, o Sr. Maritain considera a pessoa humana em pólo oposto ao indivíduo. Este ressaltaria da matéria selada pela quantidade, constituindo "um ponto singular na imensa rede de forças e de influencias cósmicas, étnicas, históricas" (7). Em contraposição, a pessoa humana não estaria submetida ao mundo objetivo, mas subsistiria com a própria subsistência da alma espiritual (8).
Não poderia ser mais clara a linha demarcatória entre essas divagações personalistas e as lições do Doutor Angélico. De fato, como se expressa São Tomás sobre a pessoa humana? Diz ele: "Pois bem, pessoa em geral significa, como dissemos, substancia individual de natureza racional; indivíduo, o que é indistinto em si mesmo, mas distinto dos demais. Por conseguinte, pessoa, qualquer que seja sua natureza, significa o que é distinto naquela natureza, assim, na natureza humana significa esta carne, estes ossos, esta alma, que são os princípios que individuam o homem e que, se certamente não entram no significado da pessoa em geral, estão contidos no da pessoa humana" (9).
Se pessoa humana significa "esta carne, estes ossos, esta alma", como afirmar que ela não se acha selada pela quantidade, como admitir que ela não esteja exposta às influencias do cosmos e às demais contingências da condição humana? Como sustentar que "a objetivação significa impersonalidade, projeção do homem em um mundo determinado", como repetem os discípulos de Maritain e Berdiaef, entre os quais se coloca o colaborador do Suple-mento Cultural de "O Diário" de Belo Horizonte (10)? Somente na imaginação do pseudotomista que é o Sr. Maritain e do gnóstico que foi Berdiaef, é que pode existir a chamada tensão entre o indivíduo e a pessoa, ou entre a pessoa e o mundo objetivo, "Nação, Estado, instituições sociais, Igreja" (11).
Com efeito, "a substancia corporal se ordena à espiritual como a seu próprio bem, porque nesta se acha mais plenamente a bondade a que intenta assimilar-se a substancia corporal, já que tudo o que existe deseja alcançar a maior perfeição que lhe é possível" (12). Nossos corpos "são membros de Cristo" (13). "É necessário que todos nós compareçamos diante do tribunal de Cristo, para que cada um receba o que é devido ao corpo, segundo fez bem ou o mal" (14).
Para São Tomás, "o termo indivíduo não compete a Deus enquanto a matéria é princípio de individuação, mas só enquanto o individual é incomunicável" (15). E os Anjos também são indivíduos pela mesma razão. Ora, não nos consta que a pessoa em Deus esteja em tensão com o indivíduo. Nem no caso dos Anjos tal acontece. Por que será que só nos homens o indivíduo há de estar nessa tensão com a pessoa? Será porque neles a matéria é princípio de individuação? É o que parece. O que está a indicar, portanto, que para os personalistas o que realmente se acha subjacente à tensão entre indivíduo e pessoa vem a ser uma tensão entre matéria e espírito, inadmissível à luz da filosofia tomista.
Como Sair do Labirinto
Rendemos homenagens à inteligência do Sr. Maritain e do autor de "Uma Nova Idade Média". Seu personalismo é incompreensível segundo os dados do senso comum. Sente-se, porém, em toda a confusa exposição de suas idéias, que ambos são propositadamente obscuros, pois não lhes faltam recursos literários para serem suficientemente claros. Estamos, portanto, diante de um enigma. E é o próprio São Tomás que nos vai dar a chave para decifrá-lo. Vejamos se conseguimos levantar o véu desse mistério, tornando lógico o que se nos apresenta como nebuloso e abstruso.
São Tomás cita a opinião de Platão, que ensina que "a alma intelectual não se une ao corpo como a forma à matéria, mas como o motor ao móvel, dizendo que a alma está no corpo como o nauta no navio" (16). De onde se conclui que "o homem não seria uno de modo total, e, por conseguinte, tampouco um ser substancial, mas um ser acidental" (17). Mais ainda: segundo o filósofo grego, no homem haveria várias almas. "Diz Platão que em nós não são a mesma alma a intelectiva, a nutritiva e a sensitiva. Deduzindo daí que, posto seja a alma sensitiva a forma do corpo, não convirá por isto dizer que alguma substancia intelectual possa ser forma do corpo" (18). Portanto, para Platão homem não é um composto de alma e corpo, mas tem uma alma, a intelectiva, que usa do corpo, vivificado, como ser inferior e material, pela alma nutritiva e pela alma sensitiva, — o que corresponde exatamente à concepção gnóstica. A verdade católica sempre se opôs a tais absurdos, como frisa São Tomás: "Tampouco cremos que haja duas almas no homem, como Jacó e alguns dos sírios escrevem, um animal, que anima o corpo está mesclada com o sangue, e outra espiritual, que governa a razão; senão que dizemos que no homem há uma só alma, a qual, associando-se ao corpo, o vivifica, e com sua razão a si mesma se rege" (19).
Trilogia Gnóstica: Corpo, Alma, Espírito
Para Platão a alma separada do corpo se encontra em um estado superior ao que tem quando unida a ele. Com efeito, segundo os platônicos, "pela união ao corpo, sofre a alma o olvido de tudo o que antes conhecera e se lhe atrasa a contemplação pura da verdade" (20), outra afirmação gnóstica bem característica, como podemos facilmente verificar pelo que nos dizem os estudiosos que se ocuparam do assunto antes e depois de São Tomás de Aquino. "O corpo, para os carpocracianos como para Platão, é a prisão da alma (Irineu, I, 25, 4), do mesmo modo que para os outros gnósticos. A alma se acha enfeitiçada por ele, encerrada, agrilhoada. Por causa do corpo, ela esquece sua natureza divina e não sabe mais de onde veio. Os maniqueus, em particular, descrevem de modo trágico a sorte da alma assim aprisionada e obscurecida" (21).
Segundo outras vertentes gnósticas, a alma é de essência divina, mas, em contraposição, há um espírito mau unido ao corpo. E poderíamos citar outras variações desse princípio gnóstico: assim é que, para a gnose ocidental, a alma pertence ao corpo, à matéria, e é de natureza animal. O que é puro e divino é o espírito. De modo que teríamos no homem: corpo, alma e espírito, este último, verdadeira centelha divina que aspira a retornar à sua origem a unir-se à plenitude da chama de que se destacou ao se dar o desastre cósmico. "A libertação do homem de seu aprisiona-mento", de que nos fala o Sr. Herbet José de Souza em seu citado artigo, se dá, segundo a mística dos gnósticos, mediante todo um ritual mágico, precedido de jejuns e mortificações. Assim se rompe a chamada tensão entre indivíduo e pessoa ou entre matéria e espírito, invenção maniquéia que não encontra guarida na doutrina católica, vale dizer, na verdade.
Estamos, pois, em pleno domínio do hermético e do mágico, de "grupos que desenvolvem e transmitem uma certa tradição... uma escola de místicos que não se acham preparados para revelar seu conhecimento secreto, sua gnosis, ao público" (22).
No Reino do "Sefiroth"
Tratando do gnosticismo rabínico, diz o Prof. Gershom G. Scholem, lente de misticismo judaico na Universidade Hebraica de Jerusalém, que "uma das principais preocupações dos gnósticos e herméticos dos séculos II e III foi a ascensão da alma, que se liberta da terra e, atravessando as esferas hostis guardadas por anjos-planetas e dominadores do cosmos, volta à sua divina morada na plenitude da luz de Deus, uma volta que, para a mente gnóstica, significava a Redenção. Alguns eruditos consideram ser esta a idéia central do gnosticismo" (23).
Como vemos, essa concepção gnóstica se adapta como uma luva aos pressupostos personalistas de Berdiaef. Ademais, o próprio Sr. Herbet José de Souza se encarrega de alinhar Jacob Boehme entre os mestres de Berdiaef. E quem foi Jacob Boehme? Responde-nos o Prof. Scholem: "Em geral, se abstrairmos das metáforas cristãs pelas quais procurou, em parte pelo menos, expressar suas intuições, é precisamente onde se revela mais original que Boehme, mais do que qualquer outro místico cristão, mostra a mais próxima afinidade com o cabalismo. Por assim dizer, descobriu ele de novo o mundo do Sefiroth (nota da Redação: "Sefiroth", ou es-fera, doutrina das sete esferas que a alma ou espírito tem que atravessar, vencendo os arcontes que as vigiam, para atingir o pleroma, ou plenitude da divindade). É possível que ele (Boehme) tenha assimilado deliberadamente elementos do pensamento cabalístico depois que, no período seguinte à sua iluminação, veio a conhecê-los através de amigos que, ao contrário dele, eram eruditos. De qualquer maneira, a ligação entre suas idéias e as da cabala teosófica foi muito evidente para os seus seguidores, de Abraham von Franckenberg (morto em 1652) a Franz von Baader (morto em 1841), e foi deixada à moderna literatura sobre o assunto a missão de obscurecer esse fato. F. C. Oetinger, um dos posteriores adeptos de Boehme, relata em sua autobiografia que em sua juventude perguntou ao cabalista Koppel Hecht, de Francfort sobre o Meno (morto em 1729), como poderia adquirir melhor compreensão do cabalismo, e que Hecht o dirigiu a um autor cristão que, disse, falara do cabalismo mais abertamente que o Zohar. Perguntei-lhe o que queria dizer, e ele me replicou: Jacob Boehme, e também me falou do paralelismo entre suas metáforas e as da cabala. Não há razão para duvidar da autenticidade desta história. Deve ser também lembrado que no fim do século XVII, um seguidor de Boehme, Johann Jacob Spaeth, ficou tão impressionado com a sua espantosa afinidade com o cabalismo, que até se converteu ao judaísmo" (24).
A citação foi longa, mas com ela quisemos mostrar aos nossos leitores quais os inspiradores desse personalismo de Berdiaef, que parece encontrar tão entusiásticos seguidores em certos ambientes católicos.
Fábulas Judaicas
Tal personalismo de fundo gnóstico-maniqueu se baseia nas "fábulas judaicas" a que se referia São Paulo em suas Epistolas (25). Ora, o personalismo do Sr. Maritain coincide em seus traços fundamentais com o do citado pensador russo. O menos que se pode dizer, portanto, é que nós achamos diante de uma extraordinária coincidência.
Eis porque não podemos concordar com certos elementos da chamada terceira força, que afirmam ser o autor do "Humanismo Integral" muito bom filósofo, um autêntico neotomista, cingindo-se seus erros apenas ao campo da sociologia. À luz do que fica dito acima, será fácil chegarmos a uma conclusão bem diferente: o Sr. Maritain é mau sociólogo precisamente em consequência de suas posições filosóficas.
O personalismo de Berdiaef e de Mari-tain não se choca somente contra os dados da sã filosofia, mas vai de encontro ao próprio senso católico, no que diz respeito à chamada tensão entre indivíduo e pessoa entre pessoa e mundo objetivo.
Com efeito, a parte espiritual do homem ou a alma se acha acima da parte material, ou seja, do corpo. Entretanto, diz-nos São Tomás, assim como o corpo, ou qualquer de seus membros tomado isoladamente, não é a pessoa humana, assim também não é a alma separada do corpo. De onde vem então a imperfeição do homem? Vem de sua natureza especifica. Animal racional, ele é menos perfeito que os seres puramente espirituais. Não se trata apenas da imperfeição do homem-indivíduo, como querem os personalistas, mas da imperfeição do homem-pessoa em relação à pessoa angélica.
Desastre Cósmico ou Queda do Homem?
Isto na ordem especulativa. Na ordem prática e histórica, a imperfeição do homem não vem só da corrupção de sua parte material, mas também e sobretudo da corrupção do que é mais nobre na natureza humana, isto é, de sua parte espiritual, de sua alma imortal. Com efeito, não foi a objetivação que introduziu o mal no cosmos, como querem os personalistas. Depois de criar o universo, isto a que os personalistas dão o nome de mundo objetivo, achou Deus "que era muito bom que havia feito" (26). O mal não veio ao mundo através de um desastre cósmico, ou pela corrupção da matéria, como afirmam os maniqueus, mas pela corrupção do espírito. Antes da Queda, a subordinação do corpo à alma se dava de modo perfeito, tanto que, segundo São Tomás, o pecado de nossos primeiros pais não podia partir da sensibilidade, mas da inteligência, vale dizer, da parte mais elevada da pessoa humana, que é a alma com suas potencias.
Depois da Queda, ou do pecado inte-lectual do orgulho, e como consequência desse desvio ou corrupção da parte espiritual do homem, veio a corrupção do corpo, veio a morte, vieram as paixões desordenadas, veio o mal, enfim, se instalar no seio da sociedade humana.
Longe, portanto, de provir da chamada tensão entre indivíduo e pessoa e entre pessoa e mundo objetivo, o mal entre os homens continua a ter a sua fonte no pecado. E quem diz pecado diz ação consciente e livremente praticada pela pessoa humana, e que se origina em sua parte espiritual, onde residem inteligência e vontade. Assim, quando alguém se compraz em chafurdar nas misérias do corpo de pecado, em estabelecer neste mundo sua tenda, em não fazer o que lhe dita a consciência, mas o que lhe inspiram os sentidos, a culpa cabe, não ao indivíduo, não à matéria selada pela quantidade, não ao mundo objetivo que o arrasta, mas à pessoa toda inteira, e sobretudo ao seu princípio superior, que é a alma, à qual deve estar subordinado o corpo.
Verdade Católica e Mentira Gnóstica
Mais ainda. O "objeto", o mundo objetivo não é somente o universo material ao qual estaria preso o indivíduo, como poeira do cosmos, como escravo do Estado totalitário e de outras organizações sociais que condicionariam o mesmo indivíduo. A chamada Igreja jurídica e o Estado não são destinados a resolver os problemas dos indivíduos no sentido que Berdiaef e Maritain emprestam à expressão. O "objeto" ou o mundo objetivo compreende também nosso próximo, as outras pessoas humanas que são nossas irmãs em Cristo. O Estado não reúne um rebanho de indivíduos ou de seres condicionados, mas congrega as pessoas que procuram na vida em sociedade o que lhes falta em sua existência isolada de pessoas humanas. E a Igreja não é invisível nem pneumática, como querem os personalistas e liturgicistas. É visível, pertence ao mundo objetivo, mas é sobretudo o Corpo Místico de Cristo, que congrega as pessoas humanas neste mundo para levá-las à bem-aventurança eterna. Se estas reportassem diretamente a Deus, por não estarem condicionadas ao mundo objetivo, não haveria lugar para a Igreja jurídica, mas apenas para a chamada Igreja pneumática, ou Igreja da Caridade, que abrangeria todas as pessoas ou espíritos que tentam se libertar do mundo objetivo. O que não está de acordo com a doutrina católica, mas corresponde perfeitamente ao igualitarismo gnóstico.
E é tamanha a coesão da pessoa humana, tão íntima e profunda é a união da matéria selada pela quantidade com a alma espiritual, que o Credo professa, contra os maniqueus de todas as épocas, o dogma da ressurreição da carne, que se dará no fim dos tempos. Templo do Espírito Santo, nosso corpo, um dia, após esta penosa peregrinação terrena, há de se unir de novo à nossa alma imortal, para cantarmos, no Paraíso, as perfeições e o amor dAquele que é o Autor de tudo o que existe no céu e na terra. Ou será lançado ao fogo do inferno, onde o terá precedido a alma, se a esta acontecer a desgraça da "morte segunda" a que se refere Santo Agostinho.
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Diz-se que "a verdade é a única caridade permitida a História" (27). Acrescenta D. Félix Sardá y Salvany: e à defesa dos princípios que regem nossa vida religiosa e social (28). Ao terminarmos estas breves considerações em torno desse estranho personalismo esposado pelo colaborador do Suplemento Cultural de "O Diário" de Belo Horizonte, queremos repetir que é esse amor à Verdade que nos impulsiona a tratar do assunto. Se a Verdade é que nos há de libertar, a ela temos que nos apegar como à única tabua de salvação. E quem, tendo olhos para ver, não percebe que a mentira da gnose é que está arrastando o mundo à voragem dos cataclismos religiosos, políticos e sociais contemporâneos? (29).
Apesar de terríveis não nos assustam as proporções da procela. Temos conosco Aquele a quem os ventos e os mares obedecem. E a Estrela do Mar não nos há de faltar como orientadora e guia. A Ela pedimos que ilumine a inteligência e toque a vontade de nossos irmãos na Fé, para que evitem os escolhos e vençam os vagalhões, e conosco cheguem ao porto da salvação.
(1) Fr. Jesus Valbuena, O. P., Introdução à questão 29 da Suma Teológica, tomo II, Tratado da Criação em Geral, Bibl. de Autores Cristianos, Madrid, 1953, p. 83.
(2) Obra cit., p. 83.
(3) Obra cit., pp. 83/84.
(4) Obra cit., p. 86.
(5) Suma Teol., 1, q. 29, a. 3.
(6) Suma contra os gent., liv. 4, cap. 44.
(7) J. Maritain: «La Personne et le Bien Commum», «Revue Thomiste», 1946, t. XLVI, p. 248.
(8) Loc. cit.
(9) Suma Teol., 1, q. 29, a. 4.
(10) «Berdiaef e o Personalismo», Herbet José de Souza, em «O Diario» de Belo Horizonte, Suplemento Cultural de 13 dez. 1958.
(11) Artigo cit.
(12) Suma contra os gent., liv. 1, c. 42.
(13) Cor. 6, 15.
(14) Cor. 5, 10.
(15) Suma Teol., 1, q. 29, a. 3.
(16) Suma contra os gent., liv. 2, c. 57.
(17) Suma contra os gent., loc. cit.
(18) Suma contra os gent., liv. 2, c. 58.
(19) Suma contra os gent., loc. cit.
(20) Suma contra os gent., liv. 2, c. 83.
(21) «Le Dualisme chez Platon, les Gnostiques et les Manichéens», por Simone Pétrement, Presses Universitaires de France, 1947, p. 185.
(22) «Major Trends in Jewish Mysticism», por Gershom G. Scholem, Schocken Books, New York, 1941, p. 47.
(23) Obra cit., p. 49.
(24) Obra cit., pp. 237/238.
(25) Tito 1, 14.
(26) Gen. 1, 30.
(27) Crétineau Joly apud D. Félix Sardá y Salvany, «El Liberalismo es Pecado», Editora E. P. C., Madrid, 1936, p. 93.
(28) Ibidem.
(29) Cfr. «Gnose: germe da paralisia do mundo ocidental», em «Catolicismo», no 56, agosto de 1955.