O afastamento de Adenauer acelerará na Alemanha a marcha da Revolução
Sergio Brotero Lefevre
Nos primeiros dias do mês de abril último, o Chanceler Conrad Adenauer decidiu aceitar sua indicação para candidato de seu partido, a União Democrática Cristã (CDU), à presidência da República Federal Alemã. A escolha de um candidato aos altos postos do governo é fato quase corriqueiro em qualquer democracia, mas desta vez teve a mais ampla e estrondosa repercussão, provocando comentários dispares em todo o mundo e monopolizando a atenção da opinião pública internacional durante vários dias. As consequências que essa decisão poderá acarretar para o Ocidente cristão nos levam a formular três observações que julgamos de interesse para nossos leitores.
Preliminarmente, porém, parece-nos útil lembrar que a ascensão de Adenauer à magistratura suprema significará, na prática, a sua retirada da política ativa. Segundo a Lei Fundamental da República, promulgada em 23 de maio de 1949, o Chefe do Estado, eleito por cinco anos, não preside o Conselho de Ministros, com o qual, uma vez instalado o governo, não tem relações constitucionais a não ser para a assinatura de projetos de lei apresentados pelo Gabinete (e que não lhe é licito vetar); nomeia e aposenta os juízes e funcionários federais, assim como os oficiais e suboficiais do exército, e exerce o direito de graça. Mas pode delegar todos esses poderes a outra autoridade, e tem sido costume fazê-lo. O Presidente designa o Chanceler, mas em alguns casos o Bundestag (Câmara Baixa) pode impor-lhe sua vontade nesse particular. Tardo o Bundestag como o Bundesrat (Câmara Alta) podem acusá-lo perante o Tribunal Constitucional da República por violação da lei básica ou de qualquer outra lei da Federação. Os dois únicos poderes substanciais de que ele dispõe são um direito limitado de dissolução das assembléias legislativas e uma possibilidade de influência pessoal, exercida fora de qualquer cláusula da Constituição. Resumindo, e observando a prática de dez anos de vida constitucional, podemos afirmar que o Presidente da República não tem qualquer papel decisivo na política do Estado alemão: suas atribuições são ainda mais restritas que as do Presidente da França antes da nova Constituição de de Gaulle (cfr. "La Démocratie de Bonn", A. Grosser, Armand Colin, 1958).
«DEVO INCLUIR-ME ENTRE OS SURPRESOS»
A primeira observação que nos ocorre a respeito da decisão de Adenauer se refere ao inesperado do acontecimento. Foi tão imprevisto, que o Presidente da Câmara Baixa do Parlamento alemão e um dos vice-presidentes da CDU, Eugens Gerstenmaier, incumbido de anunciar aos jornalistas a intenção do Chanceler, declarou: "Alguns de vocês ficarão surpresos com a comunicação que lhes vou fazer, e devo incluir-me entre os surpreendidos. Se alguém tivesse sugerido essa idéia ontem, eu teria dado uma risada" (apud "O Estado de S. Paulo", 8 de abril de 1959). O próprio Adenauer, duas semanas antes, qualificara de brincadeira de mau gosto a hipótese de se candidatar (ibidem, 9 de abril de 1959). O povo, a imprensa e os seus colaboradores mais íntimos de nada sabiam, e muitos só acreditaram na notícia depois de uma inapelável confirmação. No exterior a surpresa não foi menor: norte-americanos, ingleses e franceses não pensavam sequer na possibilidade dessa decisão. Frases como: "a notícia caiu sobre Washington como um raio, sendo, como era, completamente inesperada", "surpreendeu completamente os círculos parisienses, que não conseguem, apesar dos esforços feitos, dissimular sua perplexidade", foram escritas por mais de um comentarista (ibidem, 8 e 9 de abril de 1959).
Isso mostra quão difícil é para um jornalista acompanhar a política internacional através do labirinto em que esta se move, caprichosamente e às guinadas, desde o termino da II Guerra Mundial. Quem, escrevendo um artigo no fim do mês de março, poderia prever que um dos líderes do Ocidente, cujo governo gozava da maior estabilidade, resolveria, alguns dias depois, deixar a política ativa? No entanto, essa previsão era essencial para qualquer prognóstico sério sobre as relações Leste-Oeste, e particularmente sobre o problema de Berlim e a conferencia dos ministros das relações exteriores que deveria realizar-se dali a um mês.
O ilogismo e as surpresas dominam a convivência entre os povos e a vida interna de cada um deles. Hoje um chefe de Estado é favorável à Rússia, amanhã será pelos Estados Unidos. O mesmo governo tem atitudes diametralmente opostas perante fatos semelhantes. Duas na-ções chegam a dois passos da guerra, e até entram em luta armada, e posteriormente, sem razão aparente, sem resolverem suas divergências, estabelecem um "statu quo" que perdura anos a fio. Tal partido tem todas as possibilidades de vitória nas urnas, mas é derrotado fragorosamente. Um Gabinete conta com maioria certa no Parlamento, e subitamente fica em minoria e tem que pedir demissão. Quando este artigo chegar às mãos de nossos leitores, talvez nossas considerações sobre o caso Adenauer já estejam desatualizadas, senão inteiramente contraditadas pelos acontecimentos ulteriores. É o caos que domina o mundo moderno.
FACILITADO UM NOVO «MUNIQUE»?
A segunda observação que quereríamos fazer diz respeito aos efeitos que o gesto de- Conrad Adenauer terá — ao que se pode conjeturar — sobre as relações entre o Ocidente e o Oriente. Sua posição nessa matéria, se bem que não fosse de uma solidez a toda prova, parecia mais firme que a dos líderes dos outros países não comunistas. Assim, nas vésperas da inesperada decisão do Chanceler, a opinião corrente nos círculos governamentais de Washington era de que os ocidentais não teriam base política ou psicológica para recusar uma conferência de cúpula com a União Soviética. Alguns eram desfavoráveis a essas negociações, mas a maioria da Comissão de Relações Exteriores do Senado defendia a necessidade de conversações para impedir uma guerra que sem elas se reputava inevitável. Eram esses senadores que, no impedimento do Secretário de Estado norte-americano, detinham a direção real da política externa do país, a qual, portanto, deveria caminhar para a realização da conferencia. Eisenhower acabava, aliás, de dar-lhes seu apoio com declarações que, abrindo novas perspectivas para a negociação do problema germânico, diminuíram sensivelmente a tensão internacional existente.
Macmillan, encorajado pelos diri-gentes canadenses, representava a política mais flexível de todo o Ocidente. Favorecia o "disengagement", esperando que essa medida, por si mesma, reduzisse os riscos de guerra e preparasse o terreno para um acordo.
Quanto a Adenauer e de Gaulle, viam com muitas reservas os planos ingleses, principalmente depois da viagem do Primeiro Ministro da Grã-Bretanha a Moscou.
O "Wall Street Journal" comentava na ocasião que os estrategistas norte-americanos estavam bastante preocupados com a crescente divergência no seio da Aliança Atlântica: ia-se estabelecendo um eixo Paris-Bonn, paralelo ao eixo Londres-Washington. Aquele propugnando uma atitude rígida com a Rússia; este, uma maior maleabilidade (cfr. "Le Monde", 29-30 de março de 1959). Em outras palavras, Ade-nauer e, em certa medida, de Gaulle não queriam um novo "Munique", para o qual Eisenhower e Macmillan pareciam dirigir-se de olhos vendados.
A retirada de Adenauer da política ativa não facilitará um desastre semelhante ao da conferencia de Hitler e Chamberlain na capital bávara? Os partidários da política de energia com o comunismo ateu não se sentirão desencorajados com o afastamento de uma das figuras mais representativas dessa tendência? Essa suposição torna-se tanto mais verossímil quando lemos os telegramas que nos relatam o júbilo com que foi recebida a notícia em Moscou e nas capitais do bloco oriental. Grande alegria provocou ela, também, entre os socialistas na Alemanha Ocidental. A mesma coisa aconteceu em Estados como o Hessen e Hamburgo, dominados pelos sociais-democratas: "É demasiado magnífico para ser verdade", declarou um político.
O Partido Social Democrata, favorável a um amplo entendimento com os comunistas alemães e russos, via desaparecer da arena o seu maior adversário. Ollenhauer, seu presidente, comentou: "Adenauer é responsável pelas divergências que ocorreram na Europa desde 1949. Acredito que depois da sua partida os problemas serão tratados de uma maneira mais liberal e flexível" (apud "O Estado de S. Paulo", 9 de abril de 1959).
EM BUSCA DE UMA POLITICA «REALISTA»
A reação da maioria dos políticos democratas-cristãos alemães foi, à primeira vista, surpreenden-te: também ficaram satisfeitos com o provável afastamento do Chanceler. Aqui chegamos à terceira observação que queríamos fazer e que, das três, talvez seja a que toca no ponto destinado a ter repercussão mais profunda e duradoura.
Os especialistas em política alemã levantam a hipótese de que as razões que mais influíram na decisão de Adenauer tenham sido razões de ordem interna de seu próprio partido. Provavelmente, o "Premier" alemão se convenceu de que a sua eleição para um cargo quase meramente decorativo era o único modo de evitar uma cisão na CDU e seu consequente esfacelamento. Muitos deputados democratas-cristãos são de opinião que a orientação de Adenauer nas relações com os comunistas, inclusive o fato de exigir a retirada das tropas russas da Alemanha Oriental como primeiro passo para a unificação, já não é mais realista. As discussões no partido em torno das posições diplomáticas do Chanceler e os desacordos sucessivos deste com Gerstenmaier são do conhecimento público. A sua indicação para Presidente da República poderia significar uma aposentadoria provocada pela CDU, como a de Churchill foi promovida pelos conservadores ingleses, há alguns anos. Assim os adeptos da "mão estendida", e infelizmente não são poucos entre os católicos, ficariam livres para impor seu ponto de vista. Quem quer que seja o sucessor do velho Primeiro Ministro, dificilmente terá o mesmo prestigio autoridade para impedir a aplicação dessa política desastrosa para o Ocidente.
Os mesmos homens que se mani-festam favoráveis ao entendimento com os comunistas defendem a adoção de um programa de socialização da economia alemã. Já os fundadores da União Democrata Cristã, liderados por Sacerdotes de Paderborn, pelos Dominicanos do Convento de Walwerberg em Colônia, por Karl Arnold, conhecido líder da chamada esquerda católica, e pelo então prefeito de Munique-Gladebach, tendiam para o socialismo, chegando alguns a favorecer uma união com o Partido Social Democrático, enquanto outros eram pela nacionalização de todas as indústrias básicas. Os conservadores, chefiados por Adenauer pelo Prof. Ludwig Erhard, acabaram por impor o neo-liberalismo econômico, que, apesar dos abusos que em muitos pontos dele logicamente derivam, está longe de ser nefasto como o socialismo. O Arcebispo de Colônia, Cardeal Frings, contribuiu decisivamente, com uma admoestação enérgica aos Dominicanos, para que os socializantes ficassem no ostracismo durante dez anos. Agora, porém, começam estes a levantar a cabeça diante dos primeiros sintomas de uma crise que poderá acabar com a prosperidade conseguida sob o sistema neo-liberal. O mais alarmante desses sintomas é o número sempre crescente de desempregados. Os industriais, de modo, geral, contribuem para agravar essa conjuntura perigosa com sua atitude de defender exclusivamente seus próprios interesses, em detrimento, muitas vezes, do bem comum. O afastamento do Chanceler poderá ter como consequência a adoção de uma política socialista que, se não levar a Alemanha à bancarrota, certamente a transformará numa presa fácil para o comunismo.
Não pensem nossos leitores que julgamos Adenauer um perfeito governante católico. Seria ingenuidade nossa, pois ele também cometeu erros, bem graves. Sua viagem a Moscou, as relações comerciais que seu governo estabeleceu com todo o bloco comunista, até com a Alemanha Oriental, seu apoio decisivo à lei da co-gestão nas indústrias são apenas algumas das notas negativas de sua política. Mas, infelizmente, estamos reduzidos a prestigiar os lideres ocidentais na medida em que eles defendem algumas parcelas da civilização cristã.
TEXTOS ESQUECIDOS
OS INIMIGOS DA IGREJA NÃO FORAM CONCEBIDOS SEM MÁCULA ORIGINAL
São João Evangelista
• Todo o que se aparta da doutrina de Cristo, e não permanece nela, não tem a Deus; o que permanece na doutrina, este tem o Padre e o Filho. Se alguém vem a vós, e não traz esta doutrina, não o recebais em vossa casa, nem o saudeis. Porque quem o saúda, participa das suas obras más. — ( 2 Jo. 9-1 1 ).
• Aquele que comete pecado é filho do demônio. — ( 1 Jo. 3, 8) .
• Eu talvez tivesse escrito à Igreja, porém esse Diotrefes, que gosta de ter a primazia entre eles, não nos recebe. Por isso, se eu lá for, recordarei as obras que ele faz, palrando com palavras más contra nós; e como se isto não lhe bastasse, não só recusa hospedagem aos irmãos, mas proíbe recebê-los àqueles que os recebem, e lança-os fora da Igreja. — (3 Jo. 9-10).