NATO
A NATO tem cumprido sua missão específica, mas é mister combater a Revolução em todo mundo
(continuação)
foram alguns dos meios empregados, a longo prazo, para conseguir a formação de uma frente única comuno-socialista em novembro de 1946. Dois anos depois, com a fusão dos dois partidos, a Rússia subjugava totalmente a nação polonesa.
Diferente foi a conquista da Tcheco-Eslováquia. Eduardo Benes, o conhecido político socialista que, como Presidente da República, havia resistido aos ultimatos de Hitler, esteve em Moscou em 1943 e voltou ao poder, depois da derrota nazista, com o beneplácito russo. Em 1946 as eleições deram aos marxistas, na pessoa do seu líder Gottwald, a chefia do ministério de coligação.
O veto da Rússia à adesão do país ao Plano Marshall levantou uma forte reação anti-soviética no Parlamento.
O Partido Comunista, convencido de que uma política que mantivesse as aparências de legalidade não teria êxito, resolveu tomar o poder pela força. Em fevereiro de 1948, o ministro do Interior foi convidado por seus colegas não bolchevistas a pôr termo à substituição sistemática dos agentes de polícia e dos funcionários por elementos russófilos. Em represália, estes últimos apoderaram-se da direção das fábricas, o que levou os ministros anticomunistas a pedirem demissão. Benes, procurando contornar a situação, não aceitou a renúncia. Mas 8.000 delegados operários marcharam sobre Praga e se reuniram num "Parlamento popular" que decidiu a criação de comitês da União Nacional dos Trabalhadores — bolchevistas — em todas as cidades do país. Esses comitês constituíam verdadeiro governo paralelo ao governo legal, permitindo dessa forma que o Partido Comunista pusesse em cheque todo o organismo estatal. Fierlinger, chefe do Partido Socialista, aderiu ao comitê da capital e, passando por cima de Benes, iniciou negociações para substituir pelos seus correligionários mais dóceis ao Kremlin os ministros demissionários. Gottwald forma novo gabinete, que Benes, depois de uma longa resistência, termina por aceitar. Em maio de 1948 uma nova Constituição transforma o país em República Popular, e as eleições do fim do mesmo mês dão à chapa única comuno-socialista 89,3% dos votos. Estava vitorioso o que passou para a história com o nome de "golpe de Praga".
O Kominform: agência de informações...
Pouco depois da capitulação nazista, Moscou, sem consultar os seus aliados, criou um governo títere para a zona de ocupação russa na Alemanha. Nesse governo coube ao Partido Comunista a maioria das pastas ministeriais. Em junho de 1948, uma conferência dos Ministros das Relações Exteriores da União Soviética e das Repúblicas Populares, reunida em Varsóvia, proclamou a soberania do povo alemão. A zona vermelha, erigida em Estado autônomo sob a tutela do Kremlin, tomou lugar entre os satélites.
A essa altura a Finlândia era a única nação limítrofe com que a Rússia não podia contar. Sanou essa anomalia um tratado pelo qual os finlandeses, sob a máscara da neutralidade, se integraram no sistema defensivo soviético.
Acordos celebrados com os governos de todos os países satélites oficializaram a adesão e a subordinação destes a Moscou. O Partido Comunista russo foi encarregado de criar um organismo que estreitasse ainda mais esses vínculos. Convocou, para isso, todos os seus congêneres das Repúblicas Populares para uma reunião em Varsóvia, na qual foi fundado o Kominform. Sob a aparência de simples agência de informações, é este último o canal pelo qual as ordens emanadas do Soviet Supremo atingem os comunistas de todo o mundo. Tratados de comercio e de defesa mútua foram outros tantos meios usados para sujeitar esses países à Rússia.
"Salvaguardar a herança comum"
A recordação desses fatos facilita-nos a compreensão do estado de espírito existente no Ocidente por ocasião da assinatura do Tratado do Atlântico Norte. Obcecada pelo mito do sufrágio universal infalível (cf. art. cit., Parte I —Cap. XI, 2), e pela propaganda favorável à União Soviética durante a guerra, a opinião pública da Europa e da América do Norte acreditara na lisura das eleições promovidas pelo Kremlin, e aceitara o advento do comunismo em todas essas nações como resultado da livre escolha de seus cidadãos. Na Tcheco-eslováquia, entretanto, o marxismo-leninismo se apossou do poder sem essa aparência de legalidade. Os protestos das vítimas e de um ou outro observador clarividente, que até então se tinham perdido no vácuo, começaram a ser ouvidos porque os bárbaros poderiam continuar as suas conquistas e assim a Europa cristã deixaria de existir. O bloqueio de Berlim pelas tropas soviéticas, em julho de 1948, não permitiu mais dúvidas de que a Rússia estava resolvida a prosseguir. Era preciso opor-lhe uma barreira. Os governos, impelidos pela opinião pública de seus países, tiveram que iniciar conversações com vistas a um acordo que, unindo todas as forças ocidentais, pudesse deter a avalanche comunista.
A união foi consubstanciada no Tratado do Atlântico Norte. Ali se lê que os Estados signatários, "resolvidos a salvaguardar a liberdade de seus povos, sua herança comum e sua civilização", estipularam, entre outras, coisas, que: "Art. 4° — As partes consultar-se-ão cada vez que, na opinião de uma delas, a integridade territorial, a independência política ou a segurança de uma das partes estiver ameaçada; Art. 5° — As partes convencionam que um ataque contra uma ou mais dentre elas, superveniente na Europa ou na América do Norte, será considerado como um ataque contra todas...", hipótese em que estas poderão usar a força das armas para restabelecer e garantir a segurança na região do Atlântico Norte.
A opinião pública ocidental distendeu-se. Afinal algo poderoso tinha sido criado para conter a Rússia comunista dentro dos limites da Europa Oriental. É verdade que países pelos quais milhares de soldados franceses, ingleses, americanos e das outras nações tinham morrido na guerra, continuavam sob o tacão moscovita. Mas o essencial já se conseguira, que era deter o avanço do mal; quanto ao mais, era dar tempo ao tempo: o regime soviético acabaria por se esfacelar, terminaria o pesadelo marxista-leninista, e, não havendo mais razões para guerra, voltariam dias alegres e pacíficos como os do princípio do século. Assim raciocinavam os "semi" (cf. art. cit., Parte 1 — Cap. VI, 5, A. c), esquecidos de que a Aliança Atlântica era um elemento importantíssimo para a solução do problema comunista, mas por si só não o resolveria: ela não impedia os progressos do comunismo na Ásia, na África, na América Latina, e a Europa Ocidental, e os Estados Unidos e o Canadá não sobreviveriam se as outras nações apoiassem a Rússia e seus satélites ou se desinteressassem do conflito. O Kremlin não vacilou. Enquanto o chamado mundo livre, anestesiado pela união alcançada, descansava sobre os louros dessa vitória real mas não total, os asseclas de Moscou começaram a agir em todas as regiões que não pertenciam à NATO.
O braço do comunismo no Extremo Oriente
A guerra terminara mal para a China. Grande parte de seu território estava ocupado pelas tropas japonesas, e um exército russo avançava pela Manchúria e entrava na Coréia do Norte. Stalin cumprira a sua promessa de declarar guerra ao Japão depois da rendição da Alemanha. Isso foi feito em agosto de 1945, exatamente seis dias antes de os japoneses capitularem.
Era uma desculpa apropriada para Moscou enviar tropas ao norte da China, com o objetivo declarado de expulsar o que restava das forças invasoras, mas na realidade para tornar-se o árbitro da futura política chinesa. Movimentos comunistas indígenas foram organizados e protegidos pelas tropas russas e equipados com as armas abandonadas pelo inimigo em debandada. Assim MaoTse-Tung conseguiu aumentar progressivamente o seu domínio sobre o país e impedir qualquer possibilidade de recuperar a China para o mundo livre. Diante dessa situação, os norte-americanos tentaram uma solução de compromisso: formar uma coligação de Chiang-Kai-Chek com os comunistas. Ao malogro da tentativa seguiu-se a guerra civil. As forças nacionalistas, depauperadas pela luta contra o Japão, não puderam opor uma resistência adequada, e os Estados Unidos abstiveram-se de intervir no conflito. Em 1950, o governo pró-Ocidente refugiou-se em Formosa, e no continente foi constituída a Republica Popular da China com mais de 500 milhões de súditos.
A tarefa de conquistar o Extremo Oriente para o comunismo já não seria mais da União Soviética. Os chineses tomariam o seu lugar para que ela pudesse dedicar-se mais tranquilamente a outras regiões.
Perigos no Extremo Oriente continental
O litoral asiático tornara-se comunista desde o Oceano Ártico até a ilha de Hainan, com exceção tão somente da parte sul da península coreana. A China procurou acabar com esse corpo estranho mas fracassou. Conseguiu, porém, dilatar essa vasta fronteira para o sul, incorporando às nações obedientes ao Kremlin a Indochina do Norte. O Vietnam era uma colônia francesa que durante a guerra foi invadida pelos japoneses. Entre os movimentos de resistência ao ocupante sobressaiu-se o liderado por Ho-Chi-Minh, treinado na escola moscovita. Depois da derrota do Japão os comunistas continuaram na clandestinidade, e desfecharam contra a França, no norte da colônia, uma ação terrorista organizada e uma campanha de guerrilhas. Recebendo da China armas e munições em quantidades cada vez maiores, as forças de Ho-Chi-Minh surgiram em 1952 como exército beligerante organizado e bem preparado, equipado até com artilharia. A França, dividida internamente quanto à política colonial e extenuada pelo esforço já despendido, perdeu a célebre batalha de Dien-Bien-Phu e foi obrigada a aceitar o armistício de Genebra, que dividia a península na altura do paralelo 17 e entregava o norte aos comunistas. O Laos continuou francês mas, juntamente com o Vietnam e o Cambodja, será extremamente difícil defendê-lo se o Estado comunista do Viet-Minh, com o apoio da China Vermelha, resolver atacá-lo com guerrilheiros ou forças regulares.
O resto da península indochinesa é quase todo ocupado pela Tailândia ou Sião, que faz parte da Organização do Tratado do Sudeste da, Ásia (SEATO) e, portanto, é favorável ao Ocidente. Mas sua fronteira com o Laos constitui um flanco exposto, e os bolchevistas não desprezam a possibilidade de fazer adeptos ali. Um avanço militar partindo do Viet-Minh poderá conquistá-la sem muita dificuldade.
Ainda na parte continental do Extremo Oriente temos a Federação da Malásia, antiga colônia inglesa que obteve a independência em agosto de 1957. Singapura, ponto-chave porque controla o estreito de Málaca, de importância vital para a defesa da região, acaba de ser elevada pela Inglaterra à condição de Estado. Em ambos os países, se a população é formada principalmente por malaios, o comercio é dominado pelos chineses, e o mesmo poderá acontecer no futuro com a política. O plano da China é conseguir a adesão desses seus filhos às suas idéias revolucionarias.
As ilhas asiáticas do Pacifico, assim como a Oceania, parecem orientadas em favor do Ocidente. Com uma exceção, porém: a Indonésia, que por influência de seu presidente, Sukarno, adota uma posição neutralista idêntica à da Índia e sofre uma grande atração do bloco soviético.
Na parte central da Ásia temos a Birmânia, o Ceilão, o Nepal, o Tibete e a Índia. Os três primeiros formam com as nações livres. O Tibete foi recentemente sacudido por uma rebelião contra a China, que parece ter sido sufocada. Os fatos são de ontem e não precisamos recordá-los. A Índia procura manter-se numa aparente equidistância dos dois blocos. Não hesitou, porém, em favorecer Mossadegh na Pérsia, Nasser no Egito, e de modo geral todos os movimentos nacionalistas contra o Ocidente. Suas relações com a Austrália e com a África do Sul são tensas. Nehru desaprova o rearmamento da Inglaterra e do Canadá, insurgiu-se contra a destituição do governo cripto-comunista da Guiana Inglesa, e em sua política internacional sustenta certas teses soviéticas, trabalhando, inclusive, para o reconhecimento da China de MaoTsé-Tung. No levante dos húngaros vimos o papel vergonhoso desempenhado por Nova Delhi.
O nacionalismo maometano
No Oriente Médio (incluído o Paquistão) e Próximo, bem como na África do Norte, a Rússia fomenta o nacionalismo árabe maometano, que odeia o Ocidente cristão há mais de mil anos e anseia por uma desforra das derrotas que este lhe impôs nos últimos séculos. O Iraque é o país em que mais recentemente os filo comunistas se apoderaram do governo.
A África Negra está sendo trabalhada pelo fermento de uma xenofobia insuflada ou excitada pela União Soviética. Mesmo nos novos Estados, que devem à Europa a civilização e a própria existência como nações, a influencia russa se faz cada vez maior, por meio dos tratados de comércio e de assistência, e dos grandes empréstimos. Aliás, essa é uma regra geral para toda a África e toda a Ásia.
Nixon sentiu-o na própria pele
A América Latina somos nós, brasileiros, e os nossos irmãos de ascendência espanhola. Os fatos estão sob a nossa vista diariamente. O vice-presidente Nixon sentiu na própria pele o que os manejos dos asseclas de Moscou têm conseguido nesta parte do mundo.
Dois fatos bastante significativos
Dois fatos ainda comprovarão melhor a nossa tese: a crise de Suez e a revolução húngara.
O canal que liga o Mediterrâneo ao Mar Vermelho é de importância vital para as nações da Europa Ocidental. A França e a Inglaterra, conscientes dessa verdade, que parece indiscutível, procuraram defender pela força das armas os seus direitos sobre Suez, desrespeitados pelo Egito. Mas o governo norte-americano, não só não apoiou a invasão franco-britânica, como ainda levou as Nações Unidas a determinar que ela cessasse. A Rússia teve nesse dia duas vitorias, sem sair dos bastidores: a Aliança Atlântica ficou trincada, e uma via de comunicação essencial para a defesa da Europa passou para as mãos do Coronel Nasser, que não escondia suas simpatias pela União Soviética.
Foi muito difícil, como vimos, impor à Hungria o regime comunista. Em 1956, os bolchevistas ainda não tinham conseguido exterminar a resistência popular, e uma revolta explodiu. O povo, enfrentando a peito descoberto os tanques russos, pediu o auxílio do Ocidente. Parecia uma ocasião propícia para que este, usando a melhor tática de defesa, que o ataque, se unisse numa ação militar em favor das nações subjugadas pelo Kremlin. Mas o Tratado do Atlântico Norte não previa uma hipótese como essa, e os húngaros, os poloneses e os outros povos oprimidos tiveram que continuar o seu martírio.
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O balanço dos dez anos de vigência da Aliança Atlântica apresenta, não resta dúvida, um ativo apreciável. Mas indica, também, que os países signatários não avaliaram com realismo as possibilidades do inimigo que enfrentam. A NATO vem cumprindo a sua missão específica: os russos, desde 1949, não obtiveram novas vitórias na Europa. A Áustria, por exemplo, também invadida pela U.R.S.S. em 1945, não entrou para a Aliança Atlântica mas permaneceu livre, e assim poderá unir-se ao bloco ocidental a qualquer momento. O comunismo, que não conseguiu romper a barreira dos exércitos ocidentais na frente européia, dirigiu, entretanto, sua ofensiva para as outras regiões da terra que o Ocidente deixou imprevidentemente desguarnecidas. Esperemos que o mundo livre perceba o erro que cometeu e, com a experiência adquirida, inicie com decisão o combate à Revolução em todas as frentes.
Esse combate só se tornará plenamente eficaz com a adesão completa e incondicional de cada nação católica à Igreja, alma da Contra-Revolução (cf. art. cit., Parte 11 — Cap. XII, 5). As outras nações poderão auxiliar em alguma medida essa luta, mas unicamente a conversão à verdadeira Religião poderá transformá-las em contra-revolucionárias completas (cf. art. cit., Parte II —Cap. XII, 10). Enquanto isso não acontece, a Rússia vai espalhando seus erros pelo mundo todo. E assim parece que se vai cumprindo a terrível advertência de Nossa Senhora de Fátima.
OS CATÓLICOS INGLESES DO SÉCULO XIX
DECRESCE O PRESTÍGIO DO PADRE NEWMAN
Fernando Furquim de Almeida
O auxílio dos Oblatos de São Carlos, que Manning fundara em 1856, permitiu-lhe alargar o âmbito de seu apostolado. "The Rambler", cada vez mais liberal, era uma das suas grandes preocupações. Temia que a revista de John Acton conquistasse a confiança dos fiéis desprevenidos e desviasse da ortodoxia o movimento católico inglês. Concebeu então o projeto de lhe opor a "Dublin Review", fundada pelo Cardeal Wiseman e por Daniel O'Connell para ajudar o grande retorno à Igreja que o Movimento de Oxford então liderava.
Criada para esclarecer as dúvidas dos protestantes de boa fé, a "Dublin Review" não estava, no entanto, preparada para combater esses desvios "intramuros". Impunha-se uma reforma completa. A revista foi inteiramente remodelada, e Manning quis que a redigissem os próprios convertidos de Oxford que se tinham mantido fiéis à ortodoxia. A direção dessa nova equipe de colaboradores coube a William Ward, que soube corresponder à confiança nele depositada. Transformou em pouco tempo a "Dublin Review" num órgão combativo, verdadeira reedição na Inglaterra do famoso "Univers" de Louis Veuillot.
O episcopado acompanhava com apreensão os artigos ousados de “The Rambler” e apoiava as reformas que o Padre Manning introduzia na "Dublin Review". Acreditava, porém, que poderia modificar a orientação da folha de Acton, apelando para a boa vontade e para a obediência de seus redatores antes de tomar medidas mais drásticas. O Padre Newman parecia o homem indicado para tentar uma acomodação. Embora criticasse o tom de independência agressiva em face da autoridade eclesiástica, em que os artigos eram vazados, e o intelectualismo seco e estéril que dominava os redatores, mantinha boas relações com estes, correspondendo-se assiduamente com Capes, diretor da revista até 1858, e com Richard Simpson, seu sucessor.
Foi combinado um encontro em Londres entre o Padre Newman e John Acton. O oratoriano pediu que "The Rambler" se limitasse ao trabalho de elevar progressivamente o nível intelectual dos católicos e evitasse as questões puramente teológicas. Acton trazia consigo um artigo de Doellinger que fora denunciado ao Santo Ofício. Indignado, protestou contra a intolerância dos que tinham tomado essa iniciativa só porque o autor sustentara haver um laço estreito entre as teses jansenistas e o pensamento de Santo Agostinho. Coerente com esse espírito de rebeldia eram a obstinação dos redatores de “The Rambler” e a prevenção com que receberam a interferência de Newman. Comentando a entrevista, Acton escreveu a Simpson que gostaria que este visse a reação de seu interlocutor "ante essas novidades, gemendo longamente e balançando o corpo em frente da lareira, para diante e para trás, como uma mulher velha com dor de dentes".
Era natural que, defrontando-se com essa disposição de espírito, os bons ofícios do Padre Newman não lograssem êxito. A revista não modificou sua linha de conduta e o episcopado resolveu intervir mais energicamente. Mons. Ullathorne, Bispo de Birmingham, cuja influência nos meios eclesiásticos só era inferior à do Cardeal Wiseman, escreveu a Newman, a 16 de junho de 1859, comunicando que a folha seria advertida se Simpson não renunciasse à sua direção, e pedindo que o oratoriano tomasse as medidas que julgasse oportunas para resolver de vez a questão. Não sem trabalho, o Padre Newman consegue que Simpson obedeça, e o editor Burn, Acton, Doellinger e o próprio Simpson convidam-no insistentemente a assumir o cargo de diretor.
Tendo acedido depois de longa hesitação, o Padre Newman não impôs a “The Rambler”, todavia, as modificações que eram indispensáveis para colocá-la no bom caminho. Em 1882, procurando justificar-se, ele dirá que contava mudar progressivamente a orientação da folha, e sobretudo a maneira de ser de seus redatores, mas que não desejava, de nenhum modo, sacrificar a reputação de homens que acreditava serem, no fundo, católicos sinceros. Pensava que seria desleal, pouco generoso, inconveniente e covarde fazer por sua conta atos de confissão e de contrição, e proclamar a mudança de orientação".
O fato é que o primeiro número publicado sob a nova direção não satisfez o episcopado. Mons. Ullathorne, depois de uma longa conversa em que não pôde convencer Newman do erro em que este se encontrava, exigiu que ele se demitisse, dando-lhe prazo para o fazer. No número de julho, que seria o último da sua gestão, o futuro cardeal publicou um artigo intitulado "Podem os fiéis ser consultados em matéria de fé?". O Bispo de Newport, alarmado com certas afirmações contidas nesse trabalho, denunciou-o ao Santo Ofício, o que contribuiu bastante para abalar o resto de confiança que os católicos ainda depositavam no célebre oratoriano.
Realmente, o malogro da universidade católica de Dublin, como consequência de ter ele tentado aliar-se com a mesma Jovem Irlanda que tanto prejudicara o apostolado de O’Connell, sua ruptura com o Padre Faber e sua indisfarçável má vontade para com as obras do Cardeal Wiseman, já tinham indisposto contra Newman os católicos ingleses, inclusive os convertidos de Oxford. Sua influência diminuíra, e suas presentes hesitações contribuíam para anulá-la de todo. Por outro lado, sem se aliar de modo claro com os liberais, era evidente que lhes dava sua simpatia.
Assim é que, ao obedecer a ordem do Bispo de Birmingham, o Padre Newman não abandonou completamente a revista. Até que um dia, corrigindo as provas de um estudo sobre São João Crisóstomo, viu que no verso estavam as de um violento artigo de Simpson contra a Encíclica "Mirari vos", que condenara Lamennais e L’Avenir" em 1832. Indignado, exigiu que esse trabalho não fosse publicado. Não tendo sido atendido, retirou-se definitivamente. Fê-lo, apesar de tudo, discretamente, para não prejudicar a revista, de modo que o público supunha que esta continuasse sob a sua orientação.
Ora, livres dessa influência moderadora, os relatores desmascararam as suas convicções liberais, o que obrigou o antigo diretor a, não sem relutância, enviar uma nota ao "Tablet" comunicando que nada mais tinha a ver com "The Rambler". Ofendido, John Acton rompeu definitivamente com ele, e assim terminou a colaboração, do Padre Newman Com o órgão dos católicos liberais.
NOVA ET VETERA
DITADURA DE ESPECIALISTAS
Celso da Costa Carvalho Vidigal
No mundo moderno existe uma geral ignorância do valor das coisas. Assim é que se verifica que importantes setores da atividade humana são praticamente esquecidos pela maioria das pessoas, que não lhes dá a atenção devida. A consequência é que os assuntos com eles relacionados são tratados apenas por especialistas, que procedem como se fossem os únicos com o direito de entender dos mesmos e fazem frente única para impedir qualquer interferência dos «leigos».
Poderíamos citar vários exemplos: a história, a sociologia, a economia, a filosofia, as artes, todas elas são hoje mais ou menos manipuladas por grupos e escolas que conseguem fazer crer ao público que seria uma profanação contradizê-los. Neste artigo consideraremos a arquitetura enquanto uma das artes com que ocorre esse fenômeno, e procuraremos enumerar algumas aberrações que se observam com relação a ela.
ARTE QUE MAIS INFLUI SOBRE OS HOMENS
Uma verdade da qual poucos se dão conta é que, em certo sentido, a arquitetura é a mais importante das artes. Pois é a que mais influi sobre os homens.
A pintura, a escultura, a música, a literatura, atuam sobre círculos relativamente restritos. Não se pode dizer o mesmo da arquitetura. Esta ocupa uma posição especial na vida do homem. Toda gente tem necessidade de morar. Ora, a arquitetura é a arte de dar às pessoas um local adequado, espiritual e materialmente, para morar. Quando saímos de casa e caminhamos pelas ruas, o ambiente que nos cerca é em boa parte determinado pela arquitetura, a qual permite que as fachadas dos prédios impressionem ponderavelmente a alma do transeunte. E quando chegamos ao local em que vamos trabalhar, estudar ou espairecer, também ali está a arquitetura a criar estados de espírito nos presentes.
Pode-se afirmar, então, que ninguém escapa à influência dessa arte, e que mesmo os que se julgam destituídos de senso artístico são quotidiana e profundamente afetados por ela.
Considerando isso, parece legítimo dizer que, sob esse aspecto, a arquitetura é a mais importante de todas as artes.
Como vimos, cabe a todos usufruir os benefícios da arquitetura. Ao mesmo tempo, o que ela puder fazer de mal, afetará também a todos. É, portanto, relevante para a formação de uma verdadeira cultura a existência de uma arquitetura que corresponda a elevados anseios espirituais. Assim, pode-se dizer que a arquitetura de determinado povo, em qualquer época, reflete, em certa medida, a elevação cultural desse povo.
ARQUITETURA E RELIGIÃO
Segundo a doutrina católica, tudo o que se possui e se faz neste mundo deve ser possuído e feito em vista do fim último do homem. Os nossos bens e as nossas atividades devem fazer com que alcancemos mais facilmente a eterna bem-aventurança.
Também a arquitetura está submetida a esta regra.
Esquecida dessa verdade, há muita gente que, expressa ou tacitamente, aprova a seguinte idéia: a arquitetura nada tem a ver com a Religião; por isso, um número considerável de católicos apóia e divulga a arquitetura dita moderna, sem aquilatar a extensão do mal que assina favorece.
Providas de uma sensibilidade artística deformada ou atrofiada, muitas dessas pessoas não são capazes de gostar senão dos estilos em voga. E como o estilo mais generalizado nas construções hodiernas é o chamado «moderno», igualitário e materialista, não podem deixar de preferi-lo. Sem dúvida, não faltam os que apreciam estilos tradicionais; mas raramente o fazem por causa de princípio. Dificilmente alguém chega a rejeitar esses estilos modernos - a forma plural talvez caiba melhor aqui - por considerá-los incapazes de promover a elevação espiritual do homem. Falta de clarividência na maior parte das vezes, e frequentemente falta de coragem necessária para proclamar que a arquitetura moderna de que nos ocupamos significa um rompimento com os ideais que chegaram a construir a civilização cristã. Geralmente não se reconhece que essa arquitetura é propriamente revolucionaria, no sentido em que palavra foi definida pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira no no 100 de «Catolicismo».
MAU ESPÍRITO E MAU GOSTO
Cabe aqui uma observação: essa arquitetura moderna é sempre de mau espírito, mas nem sempre de mau gosto. Daí um equívoco por onde muitas vezes se iludem pessoas bem intencionadas. Procuremos esclarecê-las.
Toda obra arquitetônica exprime diferentes idéias. Essas idéias são representadas nelas formas das diversas partes do conjunto, pelas proporções e pela disposição. De tal maneira que se pode exprimir a grandeza, a sublimidade, a monotonia, o fausto, a desordem, a vivacidade, o heroísmo, o equilíbrio, e assim por diante.
Essa representação não se faz por meio de formas fixas mas sim por combinações mais ou menos variadas. Isto significa que não pode haver um dicionário rígido que indique a forma que corresponde a cada idéia.
Entretanto, admitindo-se que uma obra de arte representa idéias, pode-se sempre enquadrá-la em uma corrente ideológica. A arquitetura «moderna», dessa maneira, se filia a ideologias revolucionarias, e por isso dizemos que ela é sempre de mau espírito.
Contudo, há construções que, globalmente de mau espírito, possuem alguns elementos representativos de idéias boas. Também ocorre o inverso. E há formas que apelam mais para os sentidos, ao passo que outras chamam mais a atenção do espírito. Assim se compreende que alguém aprecie uma obra dita moderna, por causa de um ou outro lado positivo que ela apresente.
Pode-se, pois, dizer que há realizações dessa arquitetura moderna que manifestam relativo bom gosto, isto é, possuem alguns aspectos positivos, que se salientam em relação ao conjunto da obra, e que tornam esta agradável à vista.
Seria exorbitar dos limites deste artigo procurar definir o que é o bom gosto. Não o faremos aqui; apenas chamamos a atenção para esse fato, de que somente alguns dos valores representados em qualquer conjunto de coisas estão ligados ao que se chama bom gosto.
Voltaremos ao assunto.