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Tristão de Ataide: «Na Terceira Força se encontram a violência implacável dos nacionalistas argelinos ou dos fidelistas cubanos, como a não-resistência vitoriosa da espiritualidade hindu ou o espírito de proporção e equilíbrio da Democracia Cristã». — No clichê, Fidel Castro, durante a revolução, toma ares de apostolo da paz.


JOÃO XXIII ANUNCIA O CONCÍLIO ECUMÊNICO

Texto oficial do discurso de 25 de janeiro

Como é do conhecimento geral, o Santo Padre João XXIII, em alocução pronunciada no dia 25 de janeiro, na Basílica de São Paulo fora dos Muros, anunciou aos Cardeais presentes a próxima realização de um Concilio Ecumênico, a ser precedido por um Sínodo da Diocese de Roma e seguido pela atualização do Código de Direito Canônico. Reproduzimos em nosso n° 99 o comunicado de imprensa então distribuído.

As veneráveis palavras pronunciadas por Sua Santidade, nessa ocasião, foram agora dadas a conhecer, na integra, através da "Acta Apostolicae Sedes".

Publicamos em seguida a tradução do discurso, feita sobre a versão francesa estampada num semanário católico de Paris. Acrescentamos-lhe alguns subtítulos.

PREOCUPAÇÕES FUNDAMENTAIS DO NOVO PONTIFICADO

“Veneráveis Irmãos e amados filhos: Esta oportunidade da festa da Conversão de São Paulo, que nos reúne em torno do túmulo do Apóstolo, junto de sua insigne Basílica, inspirou-nos que vos abríssemos Nosso coração, confiante em vossa bondade e compreensão, a respeito de certos pontos particularmente importantes de atividade apostólica que nos foram sugeridas por estes primeiros meses de presença e contacto com o meio eclesiástico de Roma.

Não temos em vista senão o bonum animarum (1) e uma correspondência bem clara e definida do novo Pontificado às exigências espirituais da hora presente.

Sabemos que se olha para o novo Papa, de muitos lados, com amizade e fervor, e de outros com malevolência ou incerteza, na expectativa do que de mais característico se tem o direito de esperar dele.

É muito natural que, da trama da atividade quotidiana que abarca as manifestações ordinárias e sempre crescentes do dever pastoral, um ponto em particular seja fixado para marcar a nota, se não principal e única, em todo caso das mais expressivas, da fisionomia de um Pontificado que vem tomar seu lugar, de modo mais ou menos feliz, na história.

Pois bem, veneráveis Irmãos e amados filhos, considerando maduramente o duplo dever confiado ao Sucessor de São Pedro, surge de pronto a dupla responsabilidade de Bispo de Roma e de Pastor da Igreja Universal. Duas expressões de uma única investidura sobre-humana, duas atribuições que não se devem separar, que devem mesmo ser harmonizadas entre si, para estímulo e edificarão do Clero e de todo o povo cristão.

AS NECESSIDADES ESPIRITUAIS DA CIDADE SANTA

Eis aí, em primeiro lugar, Roma. Em quarenta anos ela se transformou por completo numa cidade bem diferente da que havíamos conhecido em Nossa juventude. Aqui e acolá percebem-se as linhas arquitetônicas fundamentais mais antigas, que por vezes se acha dificuldade em retraçar, principalmente na periferia, abrangendo agora um aglomerado de casas e mais casas, de famílias e mais famílias, que para aqui convergem de todos os pontos do continente italiano, das ilhas vizinhas e, pode-se dizer, de todo o mundo. Um verdadeiro enxame humano de onde brota um zumbido ininterrupto de vozes confusas em busca de um acordo, que facilmente se cruzam e se separam, tornando penoso e lento o esforço de unificação dos espíritos e das energias construtivas, para uma ordem que corresponda às exigências da vida religiosa, civil e social da Cidade Santa.

O Senhor Cardeal Vigário pôs-Nos a par, com grande diligência, da situação espiritual de Roma no que se refere à prática da Religião, à implantação das diversas instituições de caráter paroquial e de culto, instituições de assistência e de instrução cristã; e Nos é grato aproveitar esta ocasião para prestar homenagem ao real e louvável esforço de vigilância de apostolado, exercido zelosa e incessantemente, do vértice à periferia, por ele próprio e por seus colaboradores do Clero secular e regular, com o concurso das associações católicas, cada um com suas intenções retas e claras, com atividade constante e sincera.

Mas é necessário, de outro lado, constatar que o episódio evangélico das multidões chamadas a seguir o Senhor e aproximar-se dEle, mas impotentes e incapazes de conseguir o pão nutritivo da graça, renova-se e comove o coração do Pastor. Pouco pão, poucos peixes: quid sunt inter tantos (2)? Com isto, está dito tudo sobre o que se refere a um aumento de energias de coordenação dos esforços individuais e coletivos aptos a produzir, com a ajuda do Senhor, um trabalho espiritual mais intenso para uma mais abundante e feliz colheita de frutos benéficos e santos no sentido do adveniat regnum tuum (3), num fervor de vida paroquial e diocesana mais fecunda.

GRAVÍSSIMOS PROBLEMAS DO MUNDO MODERNO

E se o Bispo de Roma estende o olhar para o mundo inteiro, de cujo governo espiritual se tornou responsável em virtude da missão que lhe confere seu acesso ao supremo apostolado, oh! Que espetáculo jubiloso, de uma parte, lá onde a graça de Cristo continua a multiplicar os frutos e prodígios de elevação espiritual, de salvação e santidade por todo o universo; e triste, de outra parte, ante o abuso e os compromissos da liberdade do homem, que, ignorando os céus abertos e recusando-se à fé em Cristo, Filho de Deus, Redentor do mundo e Fundador da Santa Igreja, se volta inteiramente para a procura dos pretensos bens da terra, e, sob a inspiração daquele que o Evangelho chama o príncipe das trevas, príncipe deste mundo — como o qualifica o próprio Jesus em seu último discurso após a Ceia (4) — organiza a contradição e a luta contra a verdade contra o bem. Posição nefasta que acentua a divisão entre as duas cidades, como as chamou o gênio de Santo Agostinho, mantendo sempre ativo o esforço de confusão para enganar se possível, mesmo os eleitos, e arrastá-los à ruína.

Para cúmulo da infelicidade, soma-se a isto, para a falange dos filhos de Deus e da Santa Igreja, a tentação e o engodo das vantagens de ordem material que o progresso da técnica moderna — indiferente em si — aumenta e exalta.

Tudo isto — este progresso, queremos dizer — desviando da busca dos bens superiores, enfraquece as energias da alma, conduz ao relaxamento da disciplina e da boa ordem antiga, com grave prejuízo do que constitui a força de resistência da Igreja e de seus filhos aos erros que, na realidade, no decurso da história do Cristianismo, levaram sempre a divisões fatais e funestas, à decadência espiritual e moral, à ruína das nações.

SÍNODO DE ROMA, CONCÍLIO ECUMÊNICO, ATUALIZAÇÃO DO DIREITO CANONICO

Esta constatação suscita no coração do humilde Sacerdote que a indicação manifesta da Divina Providencia elevou, apesar de sua indignidade, a este Soberano Pontificado, ela suscita - afirmamos - uma resolução decidida de retornar a certas formas antigas de afirmação doutrinaria e de sabias disposições da disciplina eclesiástica, que, na história da Igreja, em época de renovação, deram frutos de extraordinária eficácia para esclarecer o pensamento, estreitar a unidade religiosa, reavivar esse fervor cristão que continuamos a reconhecer, mesmo em relação ao bem-estar da vida terrena, como uma riqueza abundante de rore coeli et de pinguedine terrae (5).

Veneráveis Irmãos e amados filhos, é com certo estremecimento de emoção, mas ao mesmo tempo humildemente resoluto em Nossa deliberação, que pronunciamos diante de vós o nome de uma dupla celebrarão que Nos propomos: um Sínodo Diocesano para Roma e um Concilio Ecumênico para a Igreja Universal.

Para vós, veneráveis Irmãos e amados filhos, não são necessárias numerosas explicações referentes ao significado histórico e jurídico desses dois projetos. Eles conduzem de modo feliz à atualização esperada e desejada do Código de Direito Canônico, que deverá acompanhar e coroar esses dois exemplos de aplicação prática das disposições de disciplina eclesiástica que o Espírito do Senhor virá sugerir-Nos ao longo do caminho. A próxima promulgação do Código de Direito Oriental constitui um anúncio antecipado desses acontecimentos.

Por hoje é suficiente esta comunicação feita a todos os membros do Sacro Colégio aqui reunidos reservando-Nos para transmiti-la aos Senhores Cardeais que retornaram às diferentes Sedes Episcopais que lhes estão confiadas no mundo inteiro.

Desejamos, da parte de cada um dos que estão presentes e dos que se acham longe, uma palavra cordial e confiante que Nos assegure acerca das disposições de todos e Nos ofereça amavelmente todas as sugestões relacionadas com esse tríplice intento.

O conhecimento que já Nos era muito familiar, e que estes três meses de Nossa introdução ao serviço servorum Dei (6) confirmaram e ampliaram, estimula-Nos a depositar confiança na graça celeste, e sobretudo na intercessão da Mãe Imaculada de Jesus, que é também nossa Mãe, na proteção de São Pedro e São Paulo, Apostolorum principum (7), assim como na de São João Batista, de São João Evangelista, Nossos Padroeiros particulares, e de todos os Santos da corte celeste. De todos imploramos um bom princípio, uma boa continuação e um feliz êxito desses projetos de trabalho corajoso, luz para a edificação e alegria de todo o povo cristão, convite renovado aos fiéis das comunidades separadas para Nos seguirem, eles também, amavelmente, nesta busca de unidade e de graça, a que tantas almas aspiram em todos os pontos da terra.

Veneráveis Irmãos e amados filhos, como se Nos afiguram doces e encorajadoras as palavras de São Leão Leão Magno, que a Sagrada Liturgia nos convida agora a recitar mais frequentemente. Hoje mesmo ressoa com mais vivacidade a saudação de São Paulo, o convertido de Damasco, que nos acolheu aqui junto de suas recordações mais sagradas: Corona mea... et gaudium vos estis si fides vestra, quae ab initio Evangelii in universo mundo praedicata est, in dilectione et sanctitate permanserit (8).

Oh! Que saudação está bem digna de nossa família espiritual. Dilectio et sanctitas: uma saudação e um augúrio. Benedictio Dei omnipotentis Patris et Filii et Spiritus Sancti. Amen (9)".

(1) O bem das almas.

(2) «Que é isto para tanta gente» (Jo. 6, 9).

(3) «Venha a nós o vosso reino».

(4) Cfr. Jo. 12, 31.

(5) «Produzida pelo orvalho do céu pela fertilidade da terra» (Gen. 27, 28).

(6) Dos servos de Deus.

(7) Príncipes dos Apóstolos.

(8) «Sois minha coroa... e minha alegria se vossa fé, célebre no mundo inteiro desde o princípio do Evangelho, permanece no amor e na santidade. (São Leão Magno, Serm. 2).

(9) A benção de Deus onipotente, Padre, Filho e Espírito Santo. Amém.


ESCREVEM OS LEITORES

Exmo. Revmo. Mons. José Maria Fernandes, São João del Rei (Est. Minas Gerais): "Como aprecio muito o jornal e me agrada seu modo sério e esclarecido de encarar os problemas do mundo atual, não quero deixar de recebê-lo".

Sr. Manuel de Arquer, Barcelona (Espanha): "Recibo con mucha satisfaccion su simpatica y excelente Revista, que constituye un placer su lectura".

Sr. Nestor A. do Nascimento, São Luís (Est. Maranhão): “... o brilhante órgão da imprensa cristã do Brasil, CATOLICISMO".

Sr. João Luiz Vannuzini, Bauru (Est. São Paulo): " ...o conceituado e atualissimo CATOLICISMO, o qual tem chegado às minhas mãos com bastante regularidade".

Sr. Luiz Mauricio Gomes Morgado, Sorocaba (Est. São Paulo) : "...seu esplendido jornal.. ."

*

Um leitor, de Jacarezinho (Est. Paraná): "Não sou leitor assíduo do CATOLICISMO, pois me falta tempo. Entretanto, gostaria que o jornal me explicasse a razão de um fato que me desconcerta. Ouvi dizer que o CATOLICISMO ataca a Ação Católica especializada. Peço a gentileza de uma explicação sobre esse assunto".

R. Ninguém tem obrigação de ler CATOLICISMO. De outro lado, a qualquer pessoa assiste o direito de aceitar as informações de amigos em quem confia. Assim, compreendemos que um "consta" como este tenha causado impressão.

Respeitamos, pois, a boa fé e a legítima curiosidade de nosso consulente. Em atenção a ele responderemos à pergunta.

Em atenção a ele, dizemos, para frisar que não mereceria resposta o intrigante que lhe deu essa informação.

Afirmamos taxativamente ser falso que CATOLICISMO ataque a Ação Católica especializada. É certo que uma ou outra vez nos temos referido a erros concernentes à A. C. Entretanto, apontar e analisar os conceitos errôneos que possam existir acerca de alguma organização não é atacá-la. Longe disso, é prestar-lhe preciosa cooperação. O justo se distingue do ímpio, exatamente porque ama e agradece a censura procedente, diz-nos a Escritura. Quando, por exemplo, o Papa Pio XII denunciou, na Constituição Apostólica "Bis Saeculari Die", "o erro de alguns que desejam reduzir a uma única forma de apostolado tudo o que se faz para bem das almas", não teve a intenção de atacar ou prejudicar a A. C., à qual deu, durante torto o seu pontificado, contínuas provas de paterna benevolência. De igual maneira, a Pastoral do Exmo. Sr. Bispo Diocesano sobre "Problemas do Apostolado Moderno", embora retifique várias noções erradas sobre a A. C., não ataca essa organização. Pelo contrário, lhe dispensa elogiosas referencias e contém preciosos esclarecimentos para os membros de todos os seus setores. A não ser assim, não se poderia conceber que esse documento tivesse obtido os aplausos de tantas e tão altas Autoridades Eclesiásticas de nosso País e do exterior. Por sua vez, o livro do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira "Em Defesa da Ação Católica", em que se fazem os maiores elogios a essa organização e ao mesmo tempo se apontam numerosos erros relativos a ela, que se infiltraram em certos meios católicos, foi objeto de uma carta de louvor escrita em nome do Santo Padre Pio XII por Sua Eminência o Cardeal Montini, então Substituto "da Secretaria de Estado, precisamente porque o combate a tais erros é valioso estímulo ao desenvolvimento da A. C. E é por isso que nessa carta se diz que a obra "explana e defende... a Ação Católica, ..., de tal modo que se tornou claro para todos quão importante é estudar e promover tal forma auxiliar do apostolado hierárquico". O mesmo faz CATOLICISMO. Elogia a Ação Católica e lhe presta a cooperação de elucidar vários erros que a propósito dela tem surgido. Aliás, diga-se entre parêntesis, CATOLICISMO adotou a praxe de só fazer alusão a erros relativos à A. C. ao explanar os sucessivos documentos em que Pio XII, de um ou outro modo tratava do tema: limite mínimo aquém do qual não poderíamos ficar, sem fugir à nossa missão de comentar a palavra do Papa.

Isto posto, e para desfazer de vez tão soez calúnia, que já de mais de um lado nos chegou aos ouvidos, instituímos aqui um prêmio de cinco mil cruzeiros em favor de quem aponte, em qualquer página de CATOLICISMO, algum ataque à Ação Católica especializada ou não, considerada em seus genuínos e nobilíssimos fins, em seus autênticos meios de ação, no espírito e na estrutura que, de acordo com as sapientíssimas diretrizes da Santa Sé, ela possui, ou nas atividades que em consonância com tudo isto tem desenvolvido.


AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES

Continuidade das Tradições através das circunstâncias sempre novas dos séculos

Plinio Corrêa de Oliveira

Como se poderia definir a palavra "ambiente", pelo menos no sentido em que a toma esta secção?

Deus estabeleceu entre certas formas, sabores e sons, de um lado, e de outro lado certos estados de alma dos homens, afinidades difíceis de definir, mas muito reais.

Assim, é explicável que um objeto, ou conjunto de objetos, possa despertar no homem determinado estado de espírito. Ambiente é, pois, tal estado de espírito enquanto sugerido pelos objetos.

Neste sentido, o ambiente pode ser suscitado por uma música, um móvel, uma sala, um edifício, uma cidade ou um panorama.

Por razões óbvias, e em grau muito mais alto, uma pessoa, ou uma reunião de pessoas, pode constituir ambiente.

Isto dito, também é fácil compreender que, das muitas partes de uma cidade, nenhuma se presta melhor a sugerir ambientes do que a praça pública. Ela constitui um todo que convida o transeunte a parar, a respirar um pouco, a descansar, e a se entreter na consideração dos elementos de unidade e variedade que a tornam bela. Por isto é que, habitualmente, há muito mais esmero no aformoseamento das praças do que das ruas.

* * *

Compreendendo isto, nossos irmão peruanos souberam fazer uma esplêndida praça, em que as mais genuínas tradições arquitetônicas hispano-americanas se aliam a um judicioso aproveitamento de recursos atuais.

O palácio arquiepiscopal de Lima, destruído por um terremoto em 1904, mas reconstruído fielmente, tem o equilíbrio, a elegância, a força, e sobretudo a nobreza dos melhores espécimes do gênero: é propriamente uma jóia.

O edifício do "Club Union", uma das sociedades mais prestigiosas da capital peruana, é mais recente. Mas dele se pode dizer que perpetua com autenticidade as belas tradições locais.

E elogio análogo merece o paço municipal, também majestoso, forte e acolhedor.

Os nobres edifícios dessa praça servem de moldura à linda Catedral, que aí figura como rainha. É bem o símbolo da Igreja, santamente ufana das tradições que criou, e inspirando com tacto, prudência e sabedoria, a continuidade dessas tradições através das circunstâncias sempre novas dos séculos...