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As gravuras populares, mesmo quando não têm uma precisão por assim dizer fotográfica, oferecem inegável interesse histórico, pois apresentam os temas segundo os viu o espírito público, habitualmente fino observador. Nossa primeira gravura representa o Cura d'Ars em 1855, falando para um auditório composto de um Sacerdote, uma Religiosa e famílias. Recolhido, suave, austero, ele impressiona e arrasta os corações.

A igreja paroquial de Ars e uma diligência trazendo peregrinos.

SÃO JOÃO MARIA VIANNEY MODELO DE PÁROCO EFICIENTE

D. Antonio de Castro Mayer, BISPO DIOCESANO

“Não há muito amor de Deus naquela paróquia. V. Revma. procurará introduzi-lo”. Com estas palavras, Mons. Courbon, Vigário Geral de Lyon, confiava ao Padre João Maria Batista Vianney, em fevereiro de 1818, o Curato de Ars. Não imaginava o auxiliar do Cardeal Fesch ter diante de si um Santo que, pelo zelo e perseverança na execução de programa tão nobre, se tornaria o modelo dos Párocos de todos os tempos.

Ars conhecera grande fervor. Fora mesmo paróquia exemplar. Porém, quando a Revolução assolou a França, deixou também na região de Dombes os traços nefastos de sua passagem. Não propriamente os horrores da carnificina, como em outras partes do país. Ars não conheceu a guilhotina. O infeliz que por ali exerceu o triste papel de pontífice da deusa Razão não fez mais do que cortar em praça pública os cabelos das mulheres que, refratarias ao novo calendário, ainda guardavam os domingos. O pior da Revolução, no entanto, se arraigou em Ars. A geração que nasceu e cresceu depois de 89, ou seja, as pessoas que, ao tempo da chegada do Padre Vianney, andavam pelos seus trinta anos — portanto, as que davam o tom ao lugar — estavam profundamente possuídas do espírito laico, que a Maçonaria procurou substituir à mentalidade cristã dominante no povo sob o regime anterior.

As verdades da Fé, as realidades da vida da alma já não interessavam como antes. A Religião limitava-se a práticas exteriores de piedade, mais ou menos vazias de conteúdo, uma vez que a conduta geral era animada e dirigida pelas preocupações de ordem temporal: ganhar dinheiro e gozar a vida.

Após a primeira visita que fez aos paroquianos, convenceu-se o Padre Vianney da profunda ignorância religiosa de seu povo, que não mostrava o menor desejo de sair de seu estado de apatia espiritual. Na estação em que os trabalhos do campo rendiam mais, a igreja ficava às moscas, enquanto os caminhos de Ars eram cruzados por homens e adolescentes que, com seus instrumentos de trabalho, iam aproveitar a oportunidade de aumentar o ganho. Em breve, o Pároco viu e sentiu quanto aquela gente amava os divertimentos sensuais, nos bailes que iam noite adentro, na praça, nas casas e até nos estábulos.. Nem sequer a piedosa castelã de Ars — mais tarde braço direito do Santo Cura — escapara a essa influência do espírito das trevas. Junte-se a isso a existência, naquele lugarejo de 230 habitantes, de quatro tabernas, com todas as consequências que de tal fato decorrem — entre as quais não era a menor o habito de blasfemar, generalizado até entre as crianças — e ter-se-á uma idéia do lastimável estado a que a Revolução reduzira a aldeiazinha de Dombes.

Apesar de tudo isso, Ars não tinha antipatia pelo Clero. Foi com jubilo que recebeu o novo Padre, e apreciava as manifestações exteriores do culto. Em uma palavra: nessa como nas' outras freguesias da região, uma aparência piedosa escondia uma vida paganizada.

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Em tais condições, que planos aplicaria o jovem Pároco para satisfazer aos anseios de sua alma, e atender à recomendação de seu superior eclesiástico: "Não há muito amor de Deus naquela paróquia. V. Revma. procurará introduzi-lo"?

A tarefa era enorme. O próprio Padre Vianney julgou-a superior às suas forças. Outro que não ele teria desanimado. Ou passaria talvez a empregar os meios sugeridos pela prudência humana.

Há, de fato, muitos que se deixam vencer pelo ambiente, receiam enfrentar sua tirania. Contemporizam. Não o aceitam, não são assimilados por ele; mas toleram que aja sobre os outros. Limitam-se a uma exposição "positiva" da verdade e da moral, confiando em que cada qual aplique a si tais ensinamentos e, à luz dos mesmos, por esforço próprio, venha a conhecer seu estado de alma, bem como, espontaneamente, a mudar de vida.

E há outros que, diante do "progresso" da sociedade, buscam novos métodos de apostolado, mais "adaptados" ao meio, e por isso mais "eficazes". Em geral, estabelecem um princípio: a sociedade não muda mesmo. Deblaterar contra seus erros e maus costumes é bradar no deserto. Isolar-se dela é covarde fuga. Portanto, cumpre tomá-la como ela é, não violentá-la, mas infiltrar-se no seu seio, e assim, pouco a pouco, mudar o espírito de seus hábitos. Se ela dança, não proibamos os bailes, mas façamos que dance com modéstia e recato; se ela está viciada na assiduíssima frequentação do cinema, limitemo-nos a alimentar o vício com filmes agradáveis e úteis; se ela está dominada por algum outro hábito mau, não o ataquemos de frente, mas demos tempo ao tempo para que as consciências despertem. Do contrário, esvaziaremos nossas igrejas, perderemos o contacto com aqueles a que devemos fazer o bem.

Nenhuma dessas maneiras pareceu conveniente ao Cura d'Ars. Foi na Sagrada Escritura, nas lições e exemplos de Jesus Cristo e dos Apóstolos, que ele aprendeu os métodos de salvar as almas.

A conversão é obra da Graça, e somente da Graça. Nemo potest venire ad Me, nisi Pater, qui misit Me, traxerit eum (Jo. 6, 44). O homem não passa de instrumento, que só se torna eficiente quando se faz dócil às disposições divinas, de sorte que possa, apesar de sua indignidade, ser usado pelo Redentor.

E o modo como há de o apostolo chegar a essa eficiência, também nos Evangelhos o aprendeu o Padre Vianney. Foram as páginas escritas pelo Espírito Santo que o encaminharam à renúncia total do menor desejo próprio. Nelas, contemplou o Divino Mestre triturado como o trigo, para remir o mundo. Nesse estado O reconheceu como o Bom Pastor que dá a vida pelas suas ovelhas. Reconheceu-O, e recolheu a lição. Armou-se da disciplina e castigou severamente seu corpo, de modo que causaria espanto até aos anacoretas do deserto. As paredes de seu quarto humilde — verdadeira cela — mostram ainda hoje as manchas enegrecidas do sangue com que esse varão expiou a sensualidade de seu rebanho.

As disciplinas eram acompanhadas da oração continua. Desde o alvorecer estava ele na igreja, diante do Sacrário, a rogar à Vítima dos altares pela conversão de seu povo.

Lembrado, enfim, da advertência do Salvador, segundo a qual certo gênero de demonios non ejicitur, nisi per orationém et ieiunium. (Mt. 17, 20) — e os demônios de Ars eram bem daqueles cuja expulsão pede orações e jejuns — jejuou até o domínio completo do apetite. Cozinhava ele mesmo suas batatas para a semana toda, e as últimas já as comia emboloradas (só mais tarde teve que se submeter a receber alimentação preparada por outrem). E certa vez em que lhe aprouve umas fumegantes, postas à mesa, tomou uma delas para... repô-la no prato. Jamais cedeu a um desejo do paladar.

Comia o estritamente necessário, e frequentemente nem isso, pois chegou a passar vários dias sem provar bocado.

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Assim aparelhado, marchou o Cura d'Ars para o combate.

Na medida em que os julgou aptos a auxiliar a ação da Graça, empregou os meios humanos. Limpou a igreja, tornando-a mais atraente. Renovou as alfaias, de maneira que o povo compreendesse a importância dos atos do culto e da vida religiosa.

Depois, entregou-se ao ensino do catecismo, para os pequenos e para

(continua)