SÃO JOÃO MARIA VIANNEY
(continuação)
os grandes. Sua doutrina não era apenas "positiva". Vinha repleta de advertências contra os que não cuidavam de aumentar seus conhecimentos religiosos. Aos pais apontava os rigores do inferno porque descuravam a formação católica de seus filhos.
Seus sermões eram claros e incisivos, sem rodeios ou louvores inúteis. Pareceram duros, especialmente os primeiros, pois aquele povo ainda não tinha ouvido pregar assim. Dizia sem rebuços as obrigações de cada fiel, e a todos apontava, também sem circunlóquios, com expressões enérgicas e diretas, seus desmandos e vícios.
Um a um, estigmatizou os maus hábitos que imperavam na aldeia.
"A taberna, exclamava, usando os termos de São João Climaco, é a tenda do demônio, a escola em que o inferno prega e ensina a sua doutrina, e o lugar onde se vendem as almas, onde as fortunas se arruínam, onde a saúde se perde, onde começam as rixas e onde se cometem os assassínios!" (Trochu, "Le Cure d'Ars", 2ª parte, cap. IV).
E a respeito dos taberneiros: "Os taberneiros roubam o pão das pobres esposas e de seus filhos, dando vinho a esses beberrões que gastam no domingo o que ganharam durante a semana. O Sacerdote não pode nem deve absolver os proprietários de tabernas que dão de beber a borrachos durante a noite ou durante a santa Missa, sem se condenar a si mesmo... Ah! os taberneiros, o demônio não os importuna muito, pelo contrário, despreza-os e lhes cospe em cima" (de vários sermões, apud op. cit., 2.3 p., c. IV).
Contra o trabalho nos domingos: "Vós trabalhais, mas o que ganhais é a ruína para vossa alma e para vosso corpo. Se perguntasse-mos aos que trabalham aos domingos: — Que acabais de fazer? Eles bem poderiam responder: — Acabamos de vender nossa alma ao demônio e de crucificar a Nosso Senhor... Estamos no caminho do inferno. Quando os vejo trabalhando com suas carroças aos domingos, tenho a impressão de vê-los carregando suas almas para o inferno!" (ibid.).
Especialmente, levantou-se contra o vício impuro, os divertimentos sensuais. Aos que dançavam dirigia expressões como esta: "Não há um só mandamento da Lei de Deus que o baile não transgrida. As mães costumam dizer: — Ah! Eu cuido das minhas filhas. Cuidais dos seus enfeites, porém não podeis velar por seus corações. Ide, pais e mães réprobos, ide para o inferno, onde vos espera a ira de Deus. Lá vos aguardam as boas obras que tendes feito, deixando à vontade os vossos filhos. Ide, eles não tardarão muito a se juntarem a vós, pois tão bem lhes ensinastes o caminho... Então vereis se vosso Cura tinha ou não razão de proibir-vos esses prazeres infernais..." (op. cit., 2ª p., c. V).
Completou o ensinamento com a prática. Não sossegou enquanto não viu fechadas todas as tabernas de Ars. Para destruir o pecado, era mister afastar a ocasião, acabar com o ambiente propício.
Cuidou também de formar as consciências. Nada mais escandaloso do que uma doutrina contraditada pela maneira de proceder de quem a professa. Não assim o Padre Vianney. Ele era lógico. Por isso seu confessionário não se transformou em máquina de absolvição. Era antes um lugar onde se purificavam as almas e se formavam os corações de acordo com o espírito de Nosso Senhor. O confessor só perdoava as pessoas bem dispostas, não receando adiar a absolvição até uma emenda séria. Com os amantes da dança, foi inexorável durante todo o seu longo paroquiato. A uma jovem que dançava uma só vez no ano, fora de Ars, e moderadamente, o Padre Vianney negou absolvição durante seis anos. Só a admitiu à Sagrada Mesa quando a emenda foi total.
Acusado de jansenista e ignorante
Não faltam os que, neste passo, argúem que o Cura d'Ars não conhecia bem a Moral e, como tantos Padres de seu tempo, fora vítima do espírito jansenista, embora aborrecesse esta heresia.
Nada mais falso.
É certo que ele teve muitas dificuldades nos seus estudos eclesiásticos. Precisou até abandonar o seminário mais de uma vez. Ele mesmo reconhecia a pouquidade de sua inteligência, pois fez a pé, e mendigando, uma peregrinação ao túmulo de São Francisco Regis, em Louvesc, para obter a graça de aprender o latim. E o Santo atendeu-o com bastante parcimônia. De maneira que, consideradas as coisas sob vistas meramente humanas, certamente teria Vianney sido excluído do sacerdócio. Não o foi graças ao discernimento de seu Pároco, que sempre apoiou sua vocação, mesmo contra spem, e à inspiração do Vigário Geral de Lyon, que para admiti-lo às ordem apenas se informou da sua devoção à Virgem Santíssima.
Tudo isso não obstante, João Maria adquiriu no seminário um cabedal de conhecimentos práticos suficiente para cumprir com fidelidade sua missão. O resto, fê-lo a Graça. E esse resto não foi pouco. Foi tudo. "Há nele, diria mais tarde um Padre, grandes luzes. Das suas conversações jorra luz sobre todos os assuntos. Como bem se vê, tudo isso são prodígios do Espírito Santo. A que altura de senso e discernimento nos eleva a fé !" (op. cit., 2ª p., c. XIII)
Há, nesse sentido, também documentos, diríamos, mais objetivos.
O Padre Vianney, especialmente quando se avolumaram as peregrinações ao seu confessionário, foi vítima da zelotipia de seus colegas, que, nada tendo que assacar contra ele, lançavam-lhe em rosto sua ignorância. Houve quem lhe escrevesse: "Sr. Cura, quando alguém sabe tão pouca teologia como V. Revma., não deve sentar-se num confessionário" (ibid.).
Para melhor se informar, o Bispo de Belley, para cuja Diocese passara a freguesia de Ars, ordenou então ao Santo, que submetesse ao conselho do Bispado os casos de consciência mais difíceis que se lhe oferecessem no exercício do ministério. Ele obedeceu, e no correr de alguns anos enviou ao seu superior mais de duzentos problemas desse gênero. Depois de detido exame, a conclusão do Prelado foi que as decisões do Cura d'Ars "eram sempre exatas e seu modo de agir irrepreensível" (ibid.). Assim se confirmou a opinião do povo, que admirava a precisão de doutrina de seus sermões, e a sabedoria das soluções que dava aos casos que lhe submetiam (ibid.).
Quanto à acusação de jansenismo larvado, não passa de um dislate, mesmo porque nada mais oposto ao espírito do Padre Vianney. Esta heresia se caracteriza pela apresentação de Deus como Senhor austero que colhe onde não semeia, e do homem exige uma pureza acima de suas possibilidades. Com isso, ela afasta os fiéis dos Sacramentos, como testemunha a história de Port-Royal, onde Monjas houve que morreram sem recebê-los, por se julgarem indignas de tão grande graça. Ora, precisamente o contrário se dava com o nosso Santo. Todo o seu empenho era aproximar os homens da SS. Eucaristia, e as conversões de Ars constituem o mais solene desmentido a qualquer suspeita de jansenismo.
O que havia no Padre Vianney, isso nada tem com a heresia de Jansenio, era uma perfeita coerência entre a doutrina e a prática, um conhecimento exato do pecado e das possibilidades da Graça. Nunca pactuava com atitudes que a Moral reprova. Uma coisa jamais lhe passou pela cabeça: estabelecer um princípio, e resolver os casos concretos em sentido contrário. Tal incoerência, que repugnava ao seu espírito reto, se tornou infelizmente muito comum, e não erraríamos se a responsabilizasse-mos em larga medida pela atmosfera mundana e tíbia que atualmente se respira um pouco por toda parte. Na questão dos bailes, por exemplo. Não há moralista, que conheçamos, que não afirme que eles constituem ocasião próxima de pecado, e portanto, como todas as ocasiões próximas, devem ser evitados sob pena de pecado. Na orientação prática, porém, há, não raro, uma grande e censurável tolerância. Sem considerar os casos individuais, é lamentável que facilmente se esqueça a repercussão social dos atos realizados em público, pela qual é também responsável quem os executa. Se São João Maria Vianney tivesse fraquejado em matéria de bailes, Ars teria continuado a ser o que era, pois nada talvez melhor para conservar e alimentar numa paróquia o espírito sensual, que é o espírito do demônio, do que a tolerância com esse gênero de divertimento.
Depoimento insuspeito: o do demônio
Aliás, temos todas as provas de que o método de apostolado do Santo era realmente eficaz.
A primeira demonstração, e certamente a mais impressionante, senão a maior, deu-a o próprio demônio. Este, de fato, quando vê ameaçada sua influência nesta ou naquela parte da terra, sabendo que não pode atacar diretamente a Deus, esforça-se por inutilizar os instrumentos da Providência, ou esterilizar-lhes os trabalhos. Por trinta e cinco anos, de 1824 a 1858, foi o Padre Vianney alvo das perseguições do espírito do mal.
Primeiro foram as perturbações internas, as angústias, os escrúpulos, os temores de condenação eterna, as dúvidas. Quando tudo isso se evidenciou incapaz de quebrar o zelo do apóstolo, tentou o demônio as armas dos terrores externos, procurando as energias gastas no amanho da vinha. Enchia a casa paroquial dos mais estranhos ruídos, ora imitando um enxame de abelhas, ora um bando de morcegos, ora a invasão de ladrões. Em outras ocasiões, parecia estraçalhar o cortinado da cama, ou fazia o edifício todo tremer como se fora cair. Mais de uma vez arrojou o Santo ao chão, e chegou a atear-lhe fogo ao quarto. Outrossim, procurou levá-lo ao pecado contra a santa virtude: amoleceu-lhe o enxergão, que de duro se tornou macio, emoliente e aliciante, e acompanhou o prodígio com convites à luxuria.
Não é preciso dizer que também esta batalha o Padre Vianney venceu galhardamente. "Apesar das terríveis insônias, quando no relógio da torre soavam as doze da noite, ele pensava nos seus penitentes que se renovavam sem cessar e que o estavam esperando. Levantava-se imediatamente e dirigia-se à igreja" (op. cit., 2ª p., c. XII).
Passando pelo testemunho dos homens, expresso através da murça de Cônego honorário, da cruz da Legião de Honra, e especialmente da multidão de penitentes que de toda parte procuravam no confessionário de Ars o caminho da graça e da paz de consciência, temos o juízo supremo do Papa, para dirimir qualquer dúvida que ainda pudesse subsistir. Pio XI, no Breve de 23 de abril de 1929, proclamou São João Maria Batista Vianney patrono celeste de todos os Párocos do mundo. Vale dizer, aprovou a maneira de agir do humilde Sacerdote, apresentando-o como modelo para todos os Padres que têm cura de almas.
O que explica o seu êxito
Salientemos, por fim, os pontos que nos parecem capitais na atividade apostólica do Padre Vianney, e explicam o extraordinário êxito de sua missão. Em toda a vida do Santo, notamos uma retidão de espírito traduzida pela compreensão exata de seu lugar na ordem da Providencia. Ele via a única razão de ser de sua vida no zelo pela gloria de Deus. Essa persuasão íntima e profunda incutiu-lhe tal amor à virtude e tal ódio ao pecado, que sua vontade mais intensa era destruir este onde o encontrasse, e promover por todos os modos a prática daquela. É o que explica a indomável energia empregada pelo Cura d'Ars na extirpação dos vícios de sua paróquia, e a suave perseverança com que cuidou de aprimorar as almas de boa vontade que dele se acercaram.
Como vivia na perspectiva de Deus, desprezava as sugestões da prudência humana, para só se guiar pelo espírito de fé que o animava. Assim, acima de tudo confiava na eficácia da palavra divina. Pregava-a convencido de que ela é, realmente, o gládio para vencer as batalhas do espírito. Pregava-a com franqueza apostólica, sem poupar pessoas ou situações que mereciam censura, e sem temor de que o paradoxo do Evangelho pudesse chocar as almas dominadas pelo mundo. E, sem perigo de errar, podemos dizer que foi a loucura da pregação do Padre Vianney que salvou a freguesia de Ars.
O apóstolo, porém, deve primeiro dar o exemplo, praticando a renúncia e a penitência que prega. A humildade e o espírito de mortificação são outras características de São João Maria Vianney que constituem fatores poderosíssimos dos êxitos de seu ministério.
As paróquias do departamento de Ain, onde se achava Ars, eram consideradas uma espécie de Sibéria do Clero de Lyon, para onde eram encaminhados os Sacerdotes menos capazes. Quando o jovem Padre Vianney ouviu do Vigário Geral a notícia de sua nomeação, não cogitou das condições da capelania para onde era enviado, nem do conceito em que esta era tida, e menos ainda das consequências que o fato teria sobre sua própria reputação. Viu tão somente o campo que a Providência lhe designava, e nele permaneceu quarenta e um anos, ou seja, toda a sua vida sacerdotal, se excetuarmos o triênio em que esteve como Coadjutor em Ecully.
Seu espírito de mortificação, como vimos, foi dos mais extraordinários que constam na hagiografia cristã. Se castigava desse modo o corpo, a razão ainda era a mesma: era a fim de se tornar instrumento útil e dócil para as obras que a Providencia lhe pedisse, como ele mesmo nos diz nesta confidência feita ao Padre Tailhades: "Meu amigo, o demônio não faz muito caso da disciplina e de outros instrumentos de penitência. O que o põe em fuga são as privações no comer, no beber e no dormir. Nada lhe causa igual temor, e, por outro lado, nada é tão agradável a Deus. Ah ! como tenho experimentado essas coisas! Durante os oito ou nove anos em que estive só, pude entregar-me mais à vontade aos meus atrativos: chegava a passar três dias inteiros sem comer... Então conseguia de Deus o que queria para mim e para os outros... Agora já não acontece o mesmo. Não posso ficar tanto tempo sem comer... Como era feliz quando estava só! Comprava dos pobres os pedaços de pão que lhes davam. Passava na igreja grande parte da noite. Não tinha que ouvir tantas confissões! ... E Deus me cumulava de graças extraordinárias" (op. cit., 2ª p., c. II) .
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Às vezes ouve-se dizer que o Cura d'Ars está ultrapassado.
Ele foi bom e eficaz para seu tempo. Agora a situação é muito outra. Quem quisesse paroquiar uma freguesia de hoje como o fez no século passado o Padre Vianney, estaria votado ao malogro certo.
Se em seu tempo o nosso Santo raciocinasse dessa maneira, e pretendesse adotar em Ars métodos diferentes daqueles que se encontram na vida e lições de Jesus Cristo seus Apóstolos, sob pretexto de que vivia séculos mais tarde, em condições sociais totalmente diversas, se, dizíamos, ele quisesse empregar métodos "novos", teria fracassado.
No campo moral, onde se travam as batalhas pela conquista das almas, a estratégia é sempre a mesma. Podem variar as roupagens externas, no fundo se trata sempre de combater, pela renúncia e pela mortificação, as consequências nefastas que em nossa natureza deixou o pecado original. E para isso, nenhum método mais eficaz do que o usado pelo modelo dos Párocos de todos os tempos, São João Maria Batista Vianney, o Santo Cura d'Ars, que recebeu a coroa da gloria há exatamente cem anos.
OS CATÓLICOS INGLESES DO SÉCULO XIX
DESAPARECE ”THE RAMBLER”
Fernando Furquim de Almeida
Vendo que o movimento católico inglês não aceitava o liberalismo que "The Rambler" queria impingir-lhe, John Acton e seus amigos procuravam justificar o seu malogro, alegando não serem compreendidos por causa da inferioridade intelectual dos católicos. Essa acusação de ignorância, vindo ao encontro dos interesses dos adversários da Igreja, se difundiu, e teria salvo o prestígio dos inovadores se o Padre Manning não houvesse remodelado completamente a "Dublin Review", confiando a sua direção a William Ward.
William Ward era um dos mais célebres convertidos de Oxford. Amigo das atitudes claras, muito combativo e cheio de vida, a tal ponto sua exuberância incomodava Newman, nos tempos em que ambos eram protestantes, que este chegou, conforme já comentamos, a mandar mudar a disposição dos bancos da capela onde costumava pregar, para não ser obrigado a vê-lo enquanto falava. Convertido, a adesão de Ward à Igreja foi total. Reformou completamente sua vida e suas idéias, e tornou-se um dos baluartes do ultramontanismo na Inglaterra.
Seus profundos conhecimentos e a ortodoxia que orientava os seus estudos fizeram com que fosse chamado a ensinar Teologia no Seminário de St. Edmond, apesar de ser simples leigo. Foi esse o homem a quem o Padre Manning encarregou de transformar a "Dublin Review" em instrumento capaz de impedir que o liberalismo se infiltrasse nas fileiras católicas do país.
0 acerto da escolha se tornou logo patente. As qualidades do diretor se refletiram na revista, e em pouco tempo a opinião pública se convencia de que a propalada inferioridade intelectual dos católicos não era senão uma balela a que recorriam os inimigos do ultramontanismo, à míngua de argumentos.
Colocada no mesmo nível que suas grandes congêneres inglesas, combativa, atualizada e de uma ortodoxia a toda prova, a "Dublin Review" sabia obrigar "The Rambler" a revelar os seus propósitos, em artigos de um liberalismo cada vez mais declarado.
Vimos que o episcopado já tentara modificar a orientação do órgão dos liberais por meio de sucessivas advertências privadas, e só não o condenava definitivamente porque ainda tinha esperança de que o Padre Newman conseguisse deter o progresso de seus erros. A carta ao "Tablet", em que o oratoriano declarava publicamente ter-se afastado da revista, levou John Acton a romper com ele, e diminuiu bastante as possibilidades de êxito das suas intervenções. Mas o fato de Newman nunca chegar a definir-se, no perpétuo esforço de defender os liberais sem romper abertamente com os ultramontanos, fazia com que ele fosse ainda útil para "The Rambler".
A posição do antigo líder do Movimento de Oxford era das mais incômodas. No choque entre os dois órgãos, não raro era ele atingido, e a contragosto obrigado a se pronunciar. Um incidente, entre outros, merece ser lembrado.
Na Irlanda, quando tentava fundar ali a universidade católica, Newman pronunciara uma série de conferências que mais tarde constituíram o núcleo do seu livro “Idea of a university”. A imprecisão dos conceitos permitia interpretar a obra das mais variadas maneiras, e dela os liberais faziam largo o.
No auge da luta entre católicos ultramontanos e liberais, um leigo, H. N. Oxenham, enviou a "The Rambler" uma carta, assinada XYZ, em que criticava a formação intelectual dada pelos seminários, fazendo abundantes citações de "Idea of a university". William Ward replicou no "Tablet", e assinou ABC. Mas a energia com que desmontou os argentos fúteis de Oxenham revelou sua identidade ao público acostumado a acompanhá-lo nos vibrantes artigos da "Dublin Review".
Tendo o seu livro sido a peça mestra do ataque aos seminários, o Padre Newman sentiu-se obrigado a escrever a "The Rambler" que o sentido das citações estava desvirtuado. E colocou como assinatura H. O.
Oxenham, pensando que H. 0. fosse ainda William Ward, retrucou violentamente, com as habituais acusações de fanatismo, ignorância, e demais insultos que os liberais reservam para quem discorda de suas idéias. O que tornou mais divertida essa resposta foi o fato de ela chamar H. O. de imbecil, incapaz de entender o que lera no "Idea of a University". O Padre Newman pediu então a Ward que revelasse, através de sua revista, quem era H. 0., e isso cobriu de ridículo não só Oxenham como os católicos liberais em geral.
Episódios como esse afastavam ainda mais John Acton de Newman. Livres da ação moderadora deste último, cada dia mais os liberais se comprometiam. Em 1862, "The Rambler" publicou uma série de artigos criticando o poder temporal do Papa. Mons. Manning pediu a Newman que aconselhasse a suspensão da revista, pois, caso contrário, ela seria condenada. Certo de que não tinha outro modo de evitar o fechamento pela autoridade eclesiástica, John Acton aceitou a intervenção de Newman, e "The Rambler" desapareceu. Nunca mais os católicos liberais tiveram na Inglaterra um órgão com igual prestígio. Mons. Manning, sucedendo ao Cardeal Wiseman em Westminster, reforçara o caráter ultramontano do catolicismo inglês, o que impedia que a corrente liberal existente em seu seio tivesse qualquer repercussão na opinião pública.
NOVA ET VETERA
SÓ JUDAS NO INFERNO?
Atanasio Aubertin
Nos dias de hoje, em que o espírito de conformidade com o mundo contamina desafortunadamente certos meios católicos, tem aparecido uma maneira de pensar a respeito do inferno, sumamente contraria ao ensinamento tradicional da Igreja, detentora da Verdade. Esta conformidade com o mundo faz com que se viva, senão em estado de pecado mortal, pelo menos beirando esse estado. Ora, a psicologia mostra que, em geral, o homem fraco que teme um perigo procura se convencer de que este não existe ou é improvável. Como negar o inferno é heresia formal, esses católicos mornos, por saberem que estão em risco de ali se precipitarem, tentam se consolar com a segunda alternativa, expressa nesta fórmula: a única alma que sabemos com certeza estar no inferno, é Judas; é bem possível que somente Judas, ou muito pouca gente mais, lá se encontre; logo, não preciso ter medo de ser condenado para a eternidade, pois não sou tão ruim como o traidor de Jesus.
Esta fórmula de presunção, atitude de orgulho, encerra uma mentira. A Sagrada Escritura aduz testemunho em contrário, e o magistério da Igreja confirma, pelos seus Pontífices, Doutores e Santos, que a realidade do inferno é sumamente temível, e que todo homem que não vive segundo os mandamentos de Deus e da Igreja se encontra em grave perigo de se perder. Vejamos alguns trechos dos livros santos em que aquela fórmula «consoladora» é pulverizada.
"MUITOS OS QUE DEUS MATARÁ"
O Profeta Isaías, referindo-se ao Juízo Final, diz o seguinte: «Porque o Senhor virá no meio do fogo, o seu carro será como um torvelinho, para espalhar sua indignação, seu furor e suas ameaças em labaredas de fogo; porque o Senhor, rodeado de fogo e armado de sua espada, julgará todos os mortos, e serão muitos os que o Senhor matará» 1. Estes versículos referem-se ao julgamento dos mortos; portanto, a palavra «matar» só pode ter sentido aí enquanto significa morte das almas ou corpos ressuscitados, i.e., condenação eterna, morte eterna.
Assim, muitos serão condenados. — Só Judas no inferno? Só pouca gente?
O Espírito Santo diz o seguinte pela palavra de Isaias: «E eles sairão, e verão os cadáveres dos homens que prevaricaram contra Mim; o seu verme não morrerá e seu fogo não se extinguirá; e a sua vista será um objeto de horror para toda a carne» 2. A expressão «os homens que prevaricaram» indica pluralidade. — Só Judas no inferno?
Vejamos agora o que nos ensina Ezequiel. Este Profeta entoa uma lamentação sobre Faraó e o Egito, o qual deveria ser arrasado pelo rei da Babilônia. Antes porém, de citarmos Ezequiel, queremos observar que a palavra «incircuncidado», na Sagrada Escritura, tem o sentido muito geral de «ímpio», não significando somente os que não são filhos de Abraão. São Paulo no-lo mostra claramente quando diz: «Se, pois, um incircunciso guardar os preceitos da Lei, não será este incircunciso considerado como circunciso?» «Porque não é judeu o que o é externamente; nem é circuncisão a que aparece na carne» 3. Que se lê em Ezequiel a respeito de Faraó e do Egito, merecedor da ira do rei babilônico? Lê-se o seguinte: «e no meio dos incircuncidados, com os que tinham sido mortos pela espada, dormiram Faraó e todo o seu povo, diz o Senhor Deus» 4. Dormiu Faraó, com seu povo, uma multidão pois, no lugar dos incircuncidados, no lugar em que estão as almas dos ímpios. — Só Judas no inferno? Só poucas almas?
POUCOS NO CAMINHO ESTREITO
São João, falando sobre a destruição dos inimigos da Igreja no fim dos tempos, diz o seguinte: «Mas desceu do céu de Deus um fogo que os devorou; e o demônio que os seduziu foi metido no tanque de fogo e de enxofre, onde também a besta e o falso profeta serão atormentados de dia e de noite pelos séculos dos séculos» 5. A besta, conforme está no capitulo 13 e no 17, representa simultaneamente um rei (o Anticristo) e sete reis inimigos de Deus. Portanto, vários importantes personagens são vistos por São João, mergulhados no fogo eterno. — Só Judas no inferno?
O Apóstolo São João descreve o poder da besta e diz o que segue sobre aqueles que se deixaram seduzir por suas mentiras e prodígios: «E foi-lhe dado poder (à besta) sobre toda tribo, e povo, e língua, e nação; e adoraram-na todos os habitantes da terra, cujos nomes não estão escritos no livro da vida do Cordeiro que foi imolado desde o princípio do mundo» 6. Este poder universal do Anticristo indica uma submissão geral dos povos a seu império de iniquidade. De onde a existência de uma grande multidão de adoradores da besta. Estes adoradores não têm seus nomes escritos no livro da vida, o que significa: deverão ir para o inferno. — Só Judas no inferno? Só poucas almas?
Vejamos agora a palavra de Jesus Cristo. Nosso Senhor nos acautela contra o perigo da condenação dizendo: «Entrai pela porta estreita, porque larga é a porta, e espaçoso é o caminho que conduz à perdição, e muitos são os que entram por ela. Que estreita é a porta, e que apertado o caminho que conduz à vida, e quão poucos são os que acertam com ele» 7. Claras e terríveis palavras de advertência. É fácil, muito fácil seguir o caminho do inferno (porta larga e caminho espaçoso), E muitos são os que se perdem. “Só Judas está no inferno, ou muito pouca gente mais; ora, não sou tão ruim como Judas; logo, não preciso preocupar-me com a danação eterna”. Insensatas palavras que são ditadas pelo maligno ao ouvido dos que não amam a Cruz de Cristo, isto é, não procuram a porta estreita. Trata-se de uma anestesia que o demônio injeta suavemente no coração daqueles que não amam a Verdade e não querem obedecer aos mandamentos de Deus E da Igreja.
O Evangelista São Lucas narra o seguinte episódio da vida de Nosso Senhor: «E alguém perguntou-lhe: Senhor, são poucos os que se salvam? E Ele disse-lhes: Esforçai-vos por entrar pela porta estreita, porque vos digo que muitos procurarão entrar, e não entrarão» 8. Observemos que muitos procurarão inutilmente entrar pela porta estreita, muitos dos que não procuram, simplesmente, a porta larga. Quer dizer: mesmo daqueles que entram na Igreja, muitos acabam se perdendo. Por quê? Pela razão de não terem perseverado, não terem lutado com todas as forças, não terem adorado e servido a Deus com toda a sua alma, inteligência, vontade, coração, por não terem, portanto, correspondido à graça divina. Não procuraram participar da Cruz de Cristo com todas as consequências que advêm desta imolação bendita. Por isso, Nosso Senhor diz: esforçai-vos. Sem luta não se entra no Céu. E como são multidão os homens moles, muitos, pois, caem no inferno sem fim.
SONHOS ALIMENTADOS PELO DEMONIO
É pela submissão à lei divina e da Igreja, pela adesão ao magistério eclesiástico, pela participação na Cruz de Cristo, e por uma filial obediência e um profundo amor à Mãe do Verbo, que se encontra a verdadeira esperança da salvação eterna. Tudo isto significa luta. Outras esperanças, fora deste combate sobrenatural, são apenas sonhos alimentados pelo inimigo de Deus e dos homens. Pensemos na realidade terrível do inferno, e esforcemo-nos para entrar pela porta estreita.
1) Is. 66, 15. 2) Is. 66, 23. 3) Rom. 2, 26. 4) Ez. 32, 32. 5) Apo. 20, 9. 6) Apo. 13, 7. 7) Mt. 7, 13. 8) Lc. 13, 23.