A propaganda consegue maravilhas. Nos Estados Unidos, onde haveria tantas razões justas, e algumas injustas, para hostilizar Fidel Castro, a popularidade deste último chegou a ponto de fábricas de brinquedos porem à venda bonés e barbas para as crianças se fantasiarem de "barbudos" cubanos, heróis ou bandidos lendários, o que no mundo das historietas de aventura é mais ou menos a mesma coisa.
Como Se Lançou no Mercado Internacional
o “PRODUTO” FIDEL CASTRO
Sergio Brotero Lefevre
Em janeiro de 1957, na cidade de Nova York, o diretor de uma agencia de publicidade combinava com um dos seus auxiliares imediatos os planos para o lançamento de um novo "produto" no mercado internacional: a revolução contra o ex-sargento Fulgêncio Batista, Presidente de Cuba. Um grupo de políticos cubanos exilados no México e nos Estados Unidos, dispondo de grandes capitais, pretendia aproveitar a ação de alguns jovens aventureiros para voltar ao poder na sua terra natal. Esses jovens, depois de vários meses de preparação clandestina no México, haviam chegado às costas da ilha em um iate; uns vinte, que conseguiram escapar às balas da polícia de Batista se tinham internado nas matas da Sierra Maestra, na parte oriental do país. Assim se iniciara uma luta de guerrilhas contra o ditador, e se ateara a chama da revolução que deveria incendiar Cuba.
Do ponto de vista militar, os rebeldes não tinham grandes possibilidades de êxito, em virtude da desproporção das forças em luta. Mas se a opinião pública cubana e internacional desse apoio moral e material à aventura, certamente os que detinham o poder acabariam vencidos. Os serviços de uma boa agência de publicidade tornavam-se necessários para que, por meio de uma propaganda bem orientada, o mundo tomasse conhecimento da rebelião e desejasse a sua vitória. As normas básicas para o início da campanha em jornais e revistas foram, pois, assentadas: 1 - Redigir uma biografia romântica do chefe revolucionário, no estilo Robin Hood; 2 - Concentrar a propaganda sobre a juventude; 3 - Aproveitar inteligentemente todos os incidentes políticos; 4 - Dar ao movimento um nome, uma sigla e um distintivo; 5 - Introduzir uma figura feminina no "maquis".
DE FIDELIO A FIDEL COMO SE FAZ UM HEROI
O líder dos rebeldes chamava-se Fidelio Castro, mas uma sondagem entre os refugiados de língua espanhola nos Estados Unidos mostrou que Fidel tinha um coeficiente de memorização 40% superior, e o herói foi rebatizado. Um problema era o nome a ser dado ao movimento. Castro propunha "Moncada", como recordação do assalto que ele e alguns estudantes tentaram contra o forte desse nome em 1953. Embora a agência de publicidade ponderasse que a lembrança de um fracasso só traria desvantagens, o fundo supersticioso do chefe revolucionário acabou prevalecendo; o movimento recebeu o nome de "26 de Julho", depois que Fidel verificou que, pelo menos até 1980, a conjunção astrológica desse dia, aniversário da investida malograda, lhe era favorável! Ficou estabelecido ainda que não haveria qualquer hierarquia entre os guerrilheiros, além da subordinação direta de todos ao chefe supremo.
Em fevereiro de 1957, o especialista que a agência encarregara de dirigir a campanha publicitária foi até Cuba para entrar em contacto com os rebeldes. Desembarcou num ponto da costa perto da Sierra Maestra, e esperou a delegação que o guiaria até Fidel Castro. Não foi molestado por qualquer policial da ditadura. Nessa visita foi combinado mais um item do plano de propaganda: a escolha da "heroína" castrista que, lutando ao lado do advogado de figura varonil, iria acalentar no mundo inteiro os sonhos das mulheres sequiosas de aventuras. O sucesso do movimento nas revistas femininas ficou assim assegurado. A agência distribuiu à imprensa americana longos artigos contando a vida dessa jovem: Fotografias suas foram reproduzidas em mais de cem publicações — algumas da Índia e do Japão — que até então tinham recusado qualquer material relativo à rebelião. Foi nessa viagem também que surgiu a idéia da marca de fábrica — trade mark L que iria desempenhar um grande papel no desenrolar dos acontecimentos. A maioria dos aventureiros, na impossibilidade de fazer a barba com regularidade, usava-a comprida. Castro tinha jurado só cortá-la quando tivesse derrotado Batista. O agente de publicidade sugeriu que a barba fosse o sinal distintivo do movimento, e assim nasceram os "barbudos de Fidel Castro". A este último foi aconselhado que não usasse óculos em público, para evitar ares um tanto burgueses. Alto para a média dos cubanos, musculoso e de bela aparência, recebeu ele do mesmo técnico um longo memorando sobre as precauções a serem tomadas diante dos fotógrafos da imprensa. Esse texto, redigido com a colaboração de um operador de televisão, foi obedecido ao pé da letra: Fidel exigia vários minutos para se preparar antes de se deixar focalizar, recusava poses que parecessem teatrais, e evitava aparecer sentado no interior de uma casa, e sobretudo atrás de uma escrivaninha.
O ARCEBISPO TURPIN DO NOVO ROLANDO
Os patrocinadores da campanha publicitária julgaram conveniente a presença de um eclesiástico entre os rebeldes, para bem impressionar a opinião católica de Cuba e do mundo. A agência entrou em contacto com um Sacerdote de um convento próximo a Sierra Maestra, que se dispôs a entrar no "maquis". Padre Salinas, esse o seu nome, transformou-se no capelão barbudo de aparência profética; artigos contando a sua vida, devidamente ilustrados, foram espalhados por toda a imprensa mundial.
Desde o início a agência promoveu e pagou a visita de jornalistas ao reduto rebelde. Os repórteres começaram por recusar os convites, julgando o assunto sem maior interesse. Aos poucos, porém, a propaganda foi surtindo efeito, e os jornais passaram a pedir lugares para seus enviados especiais nessas excursões pelo Mar das Caraíbas. Em princípios de 1958 o afluxo de homens da imprensa era tal, que foi necessário restringir-lhes o número a cinco de cada vez. Curioso é que nenhum deles foi importunado pelo governo de Batista.
Apesar do aparente sucesso da campanha a favor da revolução, uma sondagem revelou que a massa da opinião pública internacional ainda ignorava a aventura da Sierra Maestra. A contra publicidade feita pelo ditador e pelo poderoso sindicato dos cassinos de Cuba dificultava enormemente a missão da agência a serviço de Fidel Castro. Foi resolvido então que a saída para o impasse seria um grande golpe que chamasse a atenção do mundo inteiro para os rebeldes. Mas qual seria esse golpe? Fazer explodir o gerador elétrico do Hotel Palace Hilton no dia da sua inauguração, que levaria a Havana Alain Dulles, irmão do então Secretário de Estado norte-americano? Destruir sistematicamente os papa-niqueis e marcadores de estacionamento do país, fonte das fabulosas rendas do irmão de Fulgencio Batista? Raptar de sua residência cubana o celebre romancista Ernest Hemingway, que jamais quis apoiar os revolucionários? Ou raptar Graham Greene, que também residia na ilha? Todas essas idéias foram postas de lado como impraticáveis ou pouco eficientes. O Grande Prêmio Automobilístico de Havana ofereceu uma grande ocasião para o golpe publicitário: sequestrou-se o conhecido campeão mundial Fangio. O plano foi executado com uma precisão extraordinária. Enquanto a polícia de Batista procurava o corredor argentino no litoral, estava ele prisioneiro num apartamento próximo ao autódromo e assistia à corrida pela televisão. Desse dia em diante, o maior trabalho da agência consistiu em frear os excessos de zelo dos jornalistas que cantavam a gloria da revolução fidelista. Até um "canastrão" de Hollywood, Errol Flynn, resolveu combater ao lado dos guerrilheiros, o que trouxe sérios problemas para os responsáveis pela propaganda, desejosos de evitar o ridículo que poderia vir dessa presença nas fileiras dos "barbudos".
"TOUT FINIT PAR UNE CHANSON"
Mais algumas iniciativas do gênero acabaram por transformar Fidel Castro no herói legendário que a opinião pública internacional aplaudiu quando ele afinal entrou em Havana, à frente de suas tropas, nos primeiros dias do corrente ano. Uma emissão especial sobre a vida na Sierra Maestra, feita diretamente do local pela televisão norte-americana, e o lançamento de um disco, "El Danzon de Fidel Castro", também contribuíram para a popularidade dos rebeldes. Estes últimos passaram a ver diariamente notícias suas nos jornais de todo o mundo, e muitas vezes na primeira página. O último conselho dado a Castro pela agência de publicidade foi o de concluir sua marcha sobre a capital por volta do dia 1o de janeiro, quando a imprensa, tradicionalmente, tem falta de noticiário.
O próprio chefe da revolução declarou a um correspondente do "Times", depois da vitória: "Foi graças às idéias da nossa agência de propaganda que, desde o início da nossa aventura, os corações dos homens e das mulheres de Cuba bateram por nós". Fernando Lopez, o especialista encarregado de lançar o "produto" revolução cubana, termina o relato do seu trabalho, em artigo que publicou numa revista francesa, com as seguintes palavras: "Talvez um dia a história nos faça justiça, como acaba de fazer ao grande jornalista Randolph Hearst, que, no início do século, vendo-se inteiramente à míngua de noticiário de sensação para oferecer aos seus leitores, inventou a primeira guerra de Cuba, aceitando comanditar uma outra expedição libertadora: a de José Marti, que desembarcou comandando um exército de cinco homens" (artigo in "Constellation", Paris, abril de 1959). A história se repete!
RECORDANDO ALGUNS "FATOS ESQUECIDOS"
O primeiro Presidente de Republica cubana, cuja reputação de honestidade passou à história, morreu pobre. De então para cá, os seus sucessores têm-se precavido contra essa eventualidade, e o ditador Fulgencio Batista não fugiu à regra. Os negócios mais rendosos, e por vezes escusos, estavam em mãos de seus amigos e familiares. Como já dissemos, os papa-níqueis eram explorados por seu irmão. O turismo, uma das grandes fontes da receita de Cuba, prestava-se maravilhosamente ao estabelecimento de organizações muito mais rendosas do que honestas, noutros países geralmente exploradas por "gangsters". O antigo sargento governava a ilha com mão de ferro. A sua polícia usou métodos de extrema violência. Não faltaram, nos últimos meses de seu governo, as perseguições e condenações de católicos.
A propaganda bem organizada a favor de Castro, e os desmandos e a corrupção do regime de Batista criaram no mundo inteiro uma onda de simpatia pela revolução. Foram inteiramente esquecidas certas antigas ligações e compromissos dos membros do Movimento "26 de Julho". O Almirante Penna Botto, ilustre oficial general da nossa Marinha de Guerra e presidente da Confederação Interamericana para a Defesa do Continente, que congrega as organizações anticomunistas dos vinte e três países da América, divulgou há pouco, muito oportunamente, alguns desses antecedentes dos atuais detentores do poder em Cuba (cfr. "Jornal do Brasil", 29 de março de 1959).
No dia 9 de abril de 1946, enquanto se realizava na capital da Colômbia a IX Conferencia Pan-Americana, eclodiu ali um bárbaro movimento subversivo comunista, que passou para a história com o nome de "bogotazo". Desse movimento resultou a morte de muitas pessoas, e milhares de outras ficaram feridas. Fidel Castro, em companhia de Rafael del Pino, chegara à Colômbia em 29 de março daquele ano. No dia 3 de abril, ambos distribuíram no Teatro Colon, durante um espetáculo de gala ao qual assistiam o Presidente da República e os delegados à Conferencia, folhetos de nítido teor marxista, atacando sobretudo os Estados Unidos. Pouco depois a polícia varejava o quarto que ocupavam no Hotel Claridge, e encontrava grande quantidade de material de propaganda bolchevista. Na noite do dia 9, os dois chegaram ao hotel com fuzis, pistolas e objetos saqueados. Algumas horas mais tarde, saíram com destino ignorado, deixando no quarto um documento que os acreditava como "agentes de primeira classe da Terceira Frente da U.R.S.S. na América Latina".
Fidel Castro foi condenado a quinze anos de prisão pelo governo de Batista, em consequência do fracassado assalto ao forte Moncada em julho de 1953. Em novembro do ano seguinte, inexplicavelmente, foi anistiado pelo ditador, e seguiu para Nova York e depois para o Texas, entrando ali em contacto com os ex-presidentes Prio Socarras e Grau de San Martin. Conseguiu levantar uma grande soma de dinheiro, com o auxílio de comunistas, e empregou-a na compra de armamentos. Estes foram enviados para Sierra Maestra, onde ficaram em depósitos clandestinos até o desembarque dos futuros "barbudos".
Em 1956, Fidelio dirigiu-se para o México e estabeleceu relações com comunistas ali exilados, principalmente com o coronel Alberto Bayo, veterano da guerra civil da Espanha. Mais armamento foi adquirido, e a tática de guerrilhas foi cuidadosamente ensinada por aquele oficial aos cubanos reunidos por Castro.
Os principais revolucionários da Sierra Maestra eram esquerdistas notórios. Ernesto ("Che") Guevara, médico argentino, esteve muito tempo na Guatemala, servindo o governo vermelho de Jacobo Arbenz. Raul Castro, irmão do líder, é tido como fanático marxista. Carlos Rafael Rodrigues é um dos teóricos do Partido Comunista de Cuba. Seria longo continuarmos na enumeração desses antecedentes.
Em próximo artigo veremos se estes primeiros meses de governo revolucionário em Cuba deram razão à propaganda que apresentava os rebeldes como democratas convictos, favoráveis ao mundo livre na luta contra a escravidão bolchevista, e bons católicos. Ou se, pelo contrario, justificaram as apreensões de diversos observadores.