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Publicamos hoje na integra a Encíclica "Ad Petri Cathedram", do Santo Padre João XXIII, não só porque se trata do primeiro documento dirigido por Sua Santidade a toda a Igreja, como porque ele contém ensinamentos dos mais importantes e atuais para a orientação dos espíritos nos dias torvos e difíceis em que vivemos.

Nessa Encíclica se afirma muito caracteristicamente o que poderíamos chamar o estilo pessoal do novo Papa. Conservando sempre uma mesma amenidade de tom, ela faz a respeito dos assuntos mais candentes uma "mise au point" substanciosa, concisa e firme, proporcionando aos comentadores abundante matéria para desenvolvimentos, análises, e aplicações do ensinamento pontifício às diversas situações de fato.

Daí resulta que a "Ad Petri Cathedram" é tão rica em tópicos dignos de especial comentário que mereceria ser analisada em um trabalho, quiçá em um opúsculo especial.

Entretanto, para o leitor brasileiro, habitualmente subtil, vivo e ágil de inteligência, parece-nos que o simples grifar dos tópicos mais importantes já é valioso concurso para o estudo desse sábio documento.

CARTA ENCÍCLICA

de Nosso Santíssimo Senhor

JOÃO

PELA DIVINA PROVIDÊNCIA

PP. XXIII

AOS VENERAVEIS IRMÃOS

PATRIARCAS, PRIMAZES

ARCEBISPOS, BISPOS

E OUTROS ORDINÁRIOS

EM PAZ E COMUNHÃO

COM A SÉ APOSTÓLICA

A TODO O CLERO

E AOS FIÉIS DO ORBE CATÓLICO

VERDADE, UNIDADE E PAZ

SOB A INSPIRAÇÃO DA CARIDADE

JOÃO PP. XXIII

VENERAVEIS IRMÃOS

E AMADOS FILHOS

SAUDAÇÃO

E BENÇÃO APOSTOLICA

INTRODUÇÃO

A JUVENTUDE PERENE DA IGREJA

Motivos de consolação e de esperança

Elevado à Cátedra de Pedro, não certamente em virtude de Nossos méritos, consideramos ainda uma vez, como lição e motivo de consolação, o espetáculo do mundo inteiro a deplorar, sem distinção de povo ou de opinião, a morte de Nosso Predecessor. Assim também, quando em seguida fomos chamado ao Pontificado Supremo, o fato de que igualmente as multidões, apesar de ocupadas com outros acontecimentos graves e debatendo-se em meio a tantas dificuldades, voltaram os olhos para Nós em atitude de esperança e expectativa.

Estas manifestações provam de maneira evidente a juventude perene da Igreja Católica. Ela permanece como estandarte em torno do qual se reúnem as nações (1). DEla recebem todos os povos a luz interior e a doçura da caridade.

Sentimo-Nos muito feliz de que Nossa intenção de reunir um Concílio Ecumênico e o Sínodo Diocesano de Roma, de preparar uma atualização do Direito Canônico e publicar um Código do mesmo gênero para a Igreja Oriental, tenha encontrado uma acolhida ampla e simpática e tenha também suscitado a esperança de se conduzirem os espíritos a um conhecimento mais extenso e mais profundo da verdade, a uma reforma salutar dos costumes cristãos e à restauração da unidade, da concórdia e da paz.

Este tríplice tema: a verdade, a unidade e a paz, a adquirir e promover sob a inspiração da caridade, fornecerá a matéria de Nossa primeira Encíclica dirigida ao mundo inteiro, pois tal Nos parece ser a exigência principal de Nosso encargo apostólico.

Assista-Nos o Espírito Santo enquanto escrevemos e vos ilumine ao Nos lerdes. Torne-vos a graça de Deus dóceis e capazes de alcançar, todos, o fim almejado, apesar dos preconceitos, de tantas dificuldades e dos muitos obstáculos.

PRIMEIRA PARTE

A VERDADE

O conhecimento da verdade, sobretudo da verdade revelada

A causa, e por assim dizer a raiz de todos os males que atacam, qual um veneno, os indivíduos, os povos e as nações e que muito frequentemente convulsiona os espíritos, é a ignorância da verdade. E mais ainda do que de uma simples ignorância, trata-se muitas vezes de uma atitude inconsiderada de desprezo e aversão em face da verdade. Daí decorrem todas as espécies de erros que, penetrando os espíritos e infiltrando-se nas estruturas sociais, ameaçam tudo subverter, para grande dano dos indivíduos e da sociedade toda inteira. Ora, Deus dotou-nos de uma razão capaz de conhecer as verdades naturais. Se seguimos a razão, seguimos o próprio Deus, que é o seu autor, assim como é o nosso legislador e o guia de nossa vida. Se, ao contrário, por leviandade, negligência ou malícia nos afastamos dessas verdades naturais, por esse mesmo fato nos desviamos do bem supremo e da lei moral. Podemos, Nós o dissemos, alcançar as verdades naturais por meio da razão; no entanto, este conhecimento — principalmente no que concerne à Religião e à Moral — não pode ser adquirido por todos com facilidade, nem, com frequência, sem risco de erros. Quanto às verdades que estão fora do alcance da capacidade natural da razão, não podemos de modo nenhum atingi-las sem a luz e inspiração do Espírito Santo. Motivo por que o Verbo de Deus que "habita uma luz inacessível" (2), em seu imenso amor e em sua compaixão pela sorte da humanidade, "se fez carne e habitou entre nós" (3), para iluminar "todo homem que vem a este mundo" (4) e para conduzir toda a humanidade não somente à plenitude da verdade, mas ainda à virtude e à bem-aventurança eterna. Todos os homens devem, pois, adotar a doutrina do Evangelho. Se a rejeitam, eles põem em perigo os próprios fundamentos da verdade, da honestidade e da cultura.

A verdade do Evangelho conduz à vida eterna

Trata-se, como se vê, de uma questão gravíssima a que está ligada muito estreitamente nossa salvação eterna. Os que, como nota o Apóstolo das Gentes, ficam "sempre a instruir-se, e não são nunca capazes de chegar ao conhecimento da verdade" (5), que negam ao espírito humano a possibilidade de abrir-se a uma verdade firme e certa, e que rejeitam as verdades reveladas por Deus e necessárias para a nossa salvação eterna, esses estão bem longe da doutrina de Cristo e do ensinamento do Apóstolo, que nos exorta "a que cheguemos todos à unidade na fé e no conhecimento do Filho de Deus... Assim não mais seremos crianças, não mais nos deixaremos agitar e levar

(continua)