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"Ad Petri Cathedram"

(continuação)

por todo vento de doutrina, ao sabor da impostura dos homens e de sua astúcia em induzir ao erro. Mas, vivendo segundo a verdade e na caridade, cresceremos de todos os modos na direção dAquele que é a Cabeça: Cristo, de Quem o Corpo todo recebe concórdia e coesão por todas as espécies de juntas que o nutrem e o movem, segundo o papel de cada parte, operando assim o seu crescimento e construindo-se a si mesmo na caridade..." (6).

O dever da imprensa com relação à verdade

Quanto aos que ousam deliberadamente atacar a verdade conhecida, falar, escrever e agir servindo-se das armas da mentira, para granjear o favor da gente simples e para modelar a seu talante o espírito dos jovens, ainda maleáveis e ignorantes, abusam eles, sem dúvida alguma, da ignorância da inocência de outrem e se entregam a uma atividade absolutamente censurável.

Não podemos furtar-Nos a exortar especialmente à diligencia, à cautela e à prudência na apresentação da verdade, os que, por seus livros, suas revistas e seus jornais, hoje tão abundantes, exercem uma influência marcante sobre o espírito dos leitores, notadamente dos jovens, sobre a formação da opinião e dos costumes. A eles está confiado gravíssimo dever de propagar, não a mentira, o erro ou a obscenidade, nem o que excita ao vício, mas sim a verdade e tudo o que leva ao bem à virtude.

Com grande tristeza, com efeito, vemos realizar-se ainda hoje aquilo que já deplorava Nosso Predecessor de imortal memória, Leão XIII, isto é, "a mentira insinuar-se audaciosamente... nos grandes volumes, nos opúsculos, nas páginas dos jornais e nos encantos enganadores do teatro" (7); assim como vemos igualmente "imprimirem-se livros e jornais que ridicularizam a virtude e justificam o vício" (8).

O rádio, o cinema e a televisão

A isto devemos ainda acrescentar, como sabeis, Veneráveis Irmãos e amados filhos, o rádio, o cinema, e a televisão cujas emissões cada um pode seguir de sua própria casa. Estes meios de difusão podem constituir um convite uma exortação para o bem, mas, infelizmente, também podem ser, de modo especial para os jovens, a origem de costumes depravados, de desonestidade, de erro e falta de pudor.

Para neutralizar cuidadosa e eficazmente a influência má sempre crescente desses meios perigosos, é necessário opor-lhes com resolução as armas da verdade e do bem. À imprensa do mal e da mentira, é necessário opor a do bem e da verdade. Às emissões de rádio e aos espetáculos de cinema e televisão que levam à apetência do erro e do vício, é necessário opor outros, que defendam a verdade e os bons costumes. Dessa maneira, invenções tão poderosas para o mal poderão transformar-se em meio de salvação para os homens e em divertimento honesto. O remédio surgirá da fonte que frequentemente destila o veneno.

O indiferentismo religioso

Ademais, há homens que, sem atacar abertamente a verdade, assumem em face dela uma atitude de despreocupação e indiferença, como se Deus não nos tivesse dado a razão para procurar e alcançar a verdade. Este comportamento condenável conduz facilmente à afirmação absurda de que todas as religiões se equivalem, sem diferença alguma entre a verdade e o erro. "Este princípio — para empregar as palavras do mesmo Predecessor Nosso — leva à destruição de todas as religiões e particularmente da Religião Católica, que, sendo a única verdadeira, não pode sem suma injuria ser colocada no mesmo plano que as outras" (9). Negar toda diferença entre coisas contraditórias acarretará a mais desastrosa conclusão: não se admitirá mais nenhuma religião, quer na teoria, quer na pratica.

De que modo Deus, que é a mesma verdade, poderia aprovar ou tolerar a preguiça, a negligência, a leviandade desses homens? Quando se trata de questões de que depende a salvação eterna de todos nós, eles não fazem nenhum caso e não se preocupam de buscar ou encontrar as verdades necessárias, nem tampouco de prestar a Deus o culto que só a Ele é devido. Em nossos dias, dedica-se muito trabalho e zelo ao estudo e ao desenvolvimento da ciência humana, e nossa época pode por certo gloriar-se dos progressos efetuados em todos os domínios da pesquisa científica. Porque então não se deveria empregar um zelo, uma habilidade e uma atividade ainda maior para adquirir esta ciência que já não se refere à vida terrena e mortal, mas antes à vida celeste, que nunca passará? Somente quando tivermos atingido a verdade que nasce do Evangelho e que deve traduzir-se na vida prática, somente então nosso espírito poderá gozar da posse tranquila da paz e da alegria, — alegria que sobrepuja imensamente a que pode ser provocada pelas descobertas da ciência e pelas admiráveis invenções modernas.

SEGUNDA PARTE

UNIDADE, CONCORDIA E PAZ

A verdade presta grande serviço à causa da paz

Da aquisição da verdade plena, íntegra e sincera, deve decorrer necessariamente a união dos espíritos, dos corações e das ações. As dissensões, os litígios, os desacordos nascem em primeiro lugar do fato de que a verdade não é conhecida, ou, pior ainda, do fato de que embora conhecida ela é atacada em vista das vantagens que se espera tirar da mentira, ou em consequência desta odiosa cegueira que impele os homens a justificar suas paixões e suas ações culposas.

É, portanto, necessário que os simples cidadãos, assim como os que detêm nas mãos a sorte dos povos, amem sinceramente a verdade, se quiserem usufruir a concórdia e a paz, sem as quais não se pode garantir uma verdadeira prosperidade pública e privada.

De maneira muito particular exortamos a essa concórdia e paz os chefes supremos das nações. Colocado acima dos conflitos entre os Estados, abraçamos a todos os povos com igual caridade e não somos movido por intenções de domínio político, nem por nenhum desejo de bens terrenos; ao falar de assunto de tal importância, acreditamos que podemos ser julgado serenamente e ouvido pelos homens de todas as nações.

Deus criou todos os homens irmãos

Deus não criou os homens inimigos, mas irmãos. Deu-lhes a terra para que a cultivassem com seus trabalhos e seus esforços, para que todos pudessem aproveitar-se de seus frutos e dela tirar o necessário para sua alimentação e suas necessidades. As diversas nações outra coisa não são que comunidades de homens — isto é, de irmãos — que devem tender em união fraterna não somente ao fim próprio a cada uma delas, mas também ao bem comum de toda a humanidade.

De resto, esta vida mortal e passageira não deve ser considerada apenas em si mesma, nem em razão dos gozos que comporta. Se é certo que ela conduz à dissolução do corpo, é também verdade que dispõe para a vida imortal e para a pátria em que viveremos eternamente.

Se nos arrebatam esta doutrina, esta consolação, esta esperança, todas as razões de viver desmoronam. As paixões, as lutas e as discórdias se manifestam inevitavelmente, e se desencadeiam sem freio algum que as contenha. E em lugar do ramo de oliveira da paz, agitam-se os fachos da discórdia. A sorte do homem se assemelha então à dos seres privados de razão; ela se torna até pior, pois, abusando dessa razão que possuímos, podemos precipitar-nos nos abismos do mal (o que por desgraça acontece com muita frequência) e terminar, como Caim, por manchar a terra com o sangue de nosso irmão e com um crime hediondo.

Se queremos, e assim se faz mister, reconduzir nossas ações ao caminho da justiça, é acima de tudo necessário levar os espíritos e os corações a estes justos princípios.

Se nós dizemos e somos irmãos, fomos chamados ao mesmo destino na vida presente e na outra, como é então possível tratarmo-nos uns aos outros como adversários e inimigos? Porque alimentar a inveja, fomentar o ódio, preparar armas mortais contra os irmãos? Já se combateu excessivamente entre os homens! Já são demasiados os jovens que na flor da idade verteram o seu sangue! Já são muitos os cemitérios militares que ocupam o solo, como severa advertência para que retornem enfim todos à concórdia, à unidade e a uma paz com equidade.

Pense cada um, pois, não no que pode dividir os espíritos, mas antes no que pode uni-los na compreensão mútua e na estima recíproca.

União e concórdia entre os povos

Se se buscar verdadeiramente a paz e não a guerra — como é dever — e se num esforço comum e sincero se tender a uma concórdia fraternal entre os povos, somente então é que será possível respeitar os interesses nacionais de cada um deles e pôr termo, de modo feliz, a todos as divergências. Poder-se-á assim chegar, de comum acordo e pelos meios adequados, a essa unidade tão suspirada, graças à qual os direitos de cada Estado à liberdade, longe de serem calcados aos pés pelos outros, serão seguramente defendidos. Os que oprimem os demais, os que os despojam de sua liberdade, não podem com certeza trazer sua contribuição a essa unidade. A este respeito aplica-se na perfeição a afirmativa de Nosso Predecessor de imortal memória, Leão XIII: "Para refrear a ambição, a cobiça dos bens de outrem, a inveja, que são os estimulantes mais poderosos da guerra, nada existe melhor do que as virtudes cristãs, em particular a justiça" (10).

Aliás, se as nações não chegarem a esta união fraternal, que deve ser baseada na justiça e alimentada pela caridade, a situação mundial permanecerá gravíssima. Os homens de bom senso deploram este estado de coisas, e perguntam se se caminha para uma paz sólida, autêntica e sincera, ou se, pelo contrário, se corre, numa cegueira completa, para uma nova e terrível conflagração. Numa completa cegueira, dizemos, pois se de fato — que Deus não o permita — uma nova guerra eclodisse, o poder das novas armas é tal que não restaria para todos os povos, quer vencedores, quer vencidos, senão um imenso desastre e uma ruína universal.

Razão por que pedimos a todos, mas de modo especial aos Chefes de Estado, que meditem atentamente sobre estes pontos diante de Deus, seu Juiz, e empreguem corajosamente todos os meios que podem conduzir à união necessária. Esta unidade de vistas, que, como dissemos, incrementará certamente, por si só, a prosperidade comum dos povos, não poderá ser restaurada senão quando, pela pacificação dos espíritos e a salvaguarda dos direitos de cada um, resplandecer por toda parte a liberdade devida à Igreja, às nações e a todos os cidadãos.

União e concórdia entre as classes sociais

A concórdia que se procura entre os povos deve ser promovida cada vez mais entre as classes sociais. Se isto não se verifica, podem em consequência resultar ódios e dissensões, como já estamos presenciando; daí nascerão perturbações, revoluções e por vezes massacres, bem como a diminuição progressiva da riqueza e as crises que afetam a economia pública e privada. Leão XIII, Nosso Predecessor, já observava com justeza: "Deus quis na comunidade humana uma diferença de classes, mas ao mesmo tempo certa equanimidade proveniente da colaboração amistosa" (11). De fato, "assim como no corpo humano os diversos membros se ajustam entre si e determinam essas relações harmoniosas a que chamamos simetria, da mesma forma a natureza exige que na sociedade as classes se integrem umas às outras e por sua colaboração mutua realizem um justo equilíbrio. Cada uma delas tem necessidade da outra; o capital não existe sem o trabalho, nem o trabalho sem o capital. Sua harmonia produz a beleza e a ordem" (12). Quem ousa, pois, negar a diversidade de classes sociais contradiz a ordem mesma da natureza. E também os que se opõem a esta colaboração amistosa e necessária entre as classes buscam, sem dúvida, perturbar e dividir a sociedade, para o maior dano do bem público e privado. De resto, eis o que afirmava Nosso Predecessor de imortal memória, Pio XII: "Num povo digno deste nome, as desigualdades que não provêm da arbitrariedade, mas da própria natureza das coisas, desigualdades de cultura, de riqueza, de posição social, sem prejuízo, bem entendido, da justiça e da caridade mútua, não constituem nenhum obstáculo ao espírito de comunidade e de fraternidade (13). É verdade que toda classe e toda categoria de cidadãos pode defender os próprios direitos, desde que o faça na legalidade e sem violência, no respeito dos direitos alheios, tão invioláveis quanto os seus. Todos são irmãos; é, pois, necessário que todas as questões se resolvam amigavelmente, com caridade fraterna e mútua.

Alguns indícios de distensão

Deve-se reconhecer como sinal auspicioso a diminuição verificada, desde há algum tempo em certos lugares, na tensão entre as classes sociais. Já o afirmava Nosso Predecessor imediato em discurso aos católicos alemães: "A terrível catástrofe que se abateu sobre vós com a última guerra terá comportado ao menos uma vantagem: ela permitiu que muitos ambientes se libertassem dos preconceitos e da preocupação excessiva com as vantagens pessoais, e que assim diminuísse a aspereza da luta de classes e os homens se aproximassem uns dos outros. A desgraça comum é mestra dura, mas benfazeja" (14).

Com efeito, o afastamento entre as classes sociais é menor, pois estas não se limitam mais aos dois blocos em que se opunham capital trabalho. Agora já são mais variadas e abertas a todos. O trabalho e o talento permitem subir os degraus da escala social.

No que concerne mais diretamente ao mundo do trabalho, é consolador constatar as melhorias recentemente introduzidas nas próprias condições do trabalho e o fato de que não se pensa mais somente nas vantagens econômicas dos operários, mas também em lhes proporcionar um gênero de vida mais elevado e mais digno.

Reflexões sobre importantes problemas relativos ao trabalho

Resta no entanto um longo caminho a percorrer. Existem ainda disparidades em excesso, demasiados motivos de fricção entre os diferentes meios, devidos às vezes a uma idéia imperfeita ou inexata do direito de propriedade, da parte dos que procuram com exagero a vantagem e o lucro. Cumpre acrescentar a isto o terrível problema do desemprego que prova já tão arduamente tantos homens, e que, pelo menos de momento ameaça agravar-se ainda, em virtude da mecanização mais intensificada dos meios de produção. Tal problema, Nosso Predecessor de feliz memória, Pio XI, já o evocava com tristeza nestes termos: "Vê-se, com efeito, uma multidão quase incontável de trabalhadores honestos que, coisa não desejam senão ganhar honradamente o pão que o mandamento divino lhes faz pedir todos os dias ao Pai Celeste, e que se acham reduzidos, com suas famílias, a um desemprego forçado e, consequentemente, a uma indigência extrema. Seus lamentos comoveram Nosso coração paterno e Nos fazem repetir, tocado pela mesma comiseração, a palavra do Divino Mestre em presença da multidão exaurida pela fome : Misereor super turbam (15)" (16).

Se, portanto, se quer e se procura — e todos devemos querer e procurar — a concórdia entre as classes sociais, unindo os esforços públicos e privados e as iniciativas corajosas, cumpre nada negligenciar a fim de que todos os homens, mesmo os da categoria social mais humilde, possam proporcionar-se, com seu trabalho e com o suor de seu rosto, o mínimo necessário para viver e para assegurar honestamente o próprio futuro e o de sua família; não se pode tampouco impedir as classes menos favorecidas de terem acesso às múltiplas formas de conforto da vida moderna.

Exortamos vivamente todos aqueles sobre quem recaem as responsabilidades maiores das empresas, e dos quais depende a sorte e por vezes a vida dos trabalhadores, a não terem apreço exclusivamente pelo rendimento econômico destes, a não se limitarem ao respeito de seus direitos relativos ao salário, mas a considerá-los como pessoas, e, muito mais, como irmãos. Esforcem-se outrossim, para que os operários, de modo côngruo e conveniente, possam, cada vez mais, participar dos frutos do trabalho executado, e se sintam como que partes de toda a empresa. A este propósito pedimos que os direitos e deveres recíprocos dos empregadores e dos trabalhadores sejam melhor harmonizados e regulados, e que as diversas organizações profissionais "não sejam consideradas como armas ofensivas e defensivas, que provocam reações e represálias, nem como um rio que rompe os diques e transborda, mas como uma ponte que possa unir as duas margens" (17). É necessário, sobretudo, velar para que ao progresso econômico, de que falamos, corresponda um progresso não menor no domínio moral, como o reclama nossa dignidade de cristãos e nossa simples dignidade de homens. De que valeria ao trabalhador adquirir uma abundancia maior de bens e gozar um nível de vida mais elevado, se viesse a perder ou negligenciar os bens superiores destinados à sua alma imortal? Estas perspectivas se realizarão no dia em que a doutrina social da Igreja Católica for posta plenamente em vigor, e se todos "se aplicarem em conservar em si e desenvolver nos outros, grandes e pequenos, esta rainha de todas as virtudes que é a caridade. Porque a salvação tão esperada será fruto de uma grande efusão de caridade; essa caridade cristã, que contém todo o Evangelho, sempre pronta a se sacrificar pelo próximo, é o antídoto mais vigoroso contra o orgulho e o egoísmo do mundo. São Paulo descreveu-lhe os traços divinos nestes termos: "A caridade é paciente; a caridade é benigna; não busca o próprio interesse; tudo escusa, tudo suporta (18)" (19).

União e concórdia no seio das famílias

Finalmente, a mesma união a que convidamos os povos, seus chefes, as classes sociais, exortamos igualmente, de maneira paternal, todas as famílias a procurá-la e fortalecê-la. Com efeito, se a paz, a unidade e a concórdia não existem nas famílias, como serão possíveis na sociedade? Essa união ordenada harmoniosa que deve reinar sempre no lar deriva do vínculo indissolúvel e da santidade do matrimonio cristão; e por sua vez ela assegura em boa parte a ordem, o progresso e o bem-estar de toda a sociedade civil. Seja o pai de família entre os seus como o representante de Deus, se imponha aos outros não só por sua autoridade, mas também pelo exemplo de uma vida irrepreensível. A mãe de família, por sua delicadeza e sua virtude, dirija a casa com força e suavidade; seja terna e afetuosa para seu esposo, e ambos eduquem cuidadosamente os filhos, dons preciosos que Deus lhes confiou, e os ensinem a viver honesta e religiosamente. Os filhos, como é de seu dever, obedeçam aos pais, amem-nos, não se limitem a proporcionar-lhes consolações, mas auxiliem-nos verdadeiramente, se isto se tornar necessário. Respire o lar aquela caridade que reinava em Nazaré; nele floresçam as virtudes cristãs, seja perfeita a união e haja abundância de bons exemplos. Jamais — Nós o imploramos a Deus de todo o coração — se rompa uma união tão bela, tão terna e tão necessária; quando a instituição cristã da família vacila, quando os preceitos dados a este respeito pelo Divino Redentor se vêem rejeitados ou negligenciados, são os próprios fundamentos da sociedade civil que são postos à prova e ameaçam ruir, para o maior detrimento de todos os cidadãos.

TERCEIRA PARTE

UNIDADE DA IGREJA

Motivos de esperança fundados na oração de Jesus

Passemos agora a falar desta unidade que desejamos de modo todo especial e que está intimamente ligada ao encargo pastoral que Deus Nos confiou: a unidade da Igreja.

Todos sabem que o Divino Redentor fundou uma sociedade que conservará sua unidade até o fim dos séculos, segundo aquela palavra: "Estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo" (20). Para isto Ele dirigiu a seu Pai Celeste ardentes preces, que sem dúvida alguma foram aceitas e atendidas em virtude de sua piedade (21). "Que todos sejam um, como Tu, ó Pai, em Mim e Eu em Ti, assim eles também sejam um em Nós" (22). Esta oração nos infunde e confirma a dulcíssima esperança de que todas as ovelhas que não são deste redil desejarão, por fim, entrar nele, de tal modo que, segundo a palavra do Divino Redentor, "haverá um só rebanho e um só Pastor" (23).

Profundamente animado por esta suavíssima esperança, já anunciamos Nossa intenção de convocar um Concílio Ecumênico, de que participarão os Bispos do mundo inteiro para tratar de grandes problemas religiosos. O fim principal do Concílio consiste em promover o desenvolvimento da Fé Católica, a renovação da vida cristã dos fiéis, a atualização da disciplina eclesiástica segundo as necessidades hodiernas. Será seguramente um admirável espetáculo de verdade, unidade e caridade, cuja vista constituirá, Nós o esperamos, para os que estão separados desta Sé Apostólica, um suave convite a procurar e encontrar essa unidade pela qual Jesus Cristo dirigiu a seu Pai Celeste uma súplica tão ardente.

Aspiração à unidade nas diversas comunidades separadas

Sabemos que nestes últimos tempos - o que Nos consolou - se esboçou em não poucas comunidades separadas da Cátedra de São Pedro um movimento de simpatia para com a fé e as instituições da Igreja Católica, bem como uma crescente estima pela Sé Apostólica, à medida em que o amor da verdade vai aos poucos destruindo os preconceitos. De outra parte, sabemos que quase todos os que, embora separados de Nós e divididos entre si, trazem o nome de cristãos realizaram repetidas reuniões para criar laços recíprocos, e estabeleceram com esse objetivo Conselhos permanentes. Estas iniciativas traduzem o seu vivo desejo de chegarem ao menos a uma certa forma de unidade.

Unidade querida para a Igreja por seu Divino Fundador

Indubitavelmente o Divino Redentor fundou sua Igreja assegurando-Lhe e conferindo-Lhe uma unidade solidíssima. Se, por absurdo, assim não tivesse feito, teria instituído um organismo caduco, que com o tempo se teria encontrado em oposição aberta consigo mesmo, à maneira desses sistemas filosóficos que, abandonados à variedade das opiniões humanas, nascem um do outro, transformam-se e por sua vez desaparecem.

Não há quem não veja a contradição formal dessa hipótese com o magistério divino de Jesus Cristo, que é "o caminho, a verdade e a vida" (24).

Se essa unidade, Veneráveis Irmãos e amados filhos — que, como dissemos, não deve ser algo de esmaecido, incerto e frágil, mas sólido, robusto e seguro (25) — falta às demais comunidades cristãs, dela certamente não está privada a Igreja Católica, como pode perceber quem A observe com atenção. Ela se distingue, com efeito, por três notas características: a unidade de doutrina, de governo e de culto. Estas notas da Igreja são visíveis a todos, a fim de que todos possam reconhecê-La e segui-La. Ela é tal que, segundo a vontade de seu Divino Fundador, todas as ovelhas nEla possam reunir-se num só rebanho e sob um só Pastor; assim é que todos os filhos são chamados à única casa paterna, estabelecida sobre o fundamento de Pedro. Aí devemos procurar reunir fraternalmente todos os povos, como no único reino de Deus: reino cujos habitantes, unidos entre si sobre a terra em unidade de espírito e coração, hão de gozar um dia a beatitude eterna nos Céus.

A Igreja Católica impõe como verdade a ser crida fiel e firmemente tudo o que foi revelado por Deus. Essas verdades estão contidas na Sagrada Escritura ou na Tradição oral e escrita, conservada desde a era apostólica através dos séculos, e elas foram ratificadas e definidas pelos Soberanos Pontífices e pelos Concílios Ecumênicos legítimos. Sempre que alguém se afastou dessa via, a Igreja, com sua autoridade maternal, não cessou de chamá-lo de volta ao reto caminho. Com efeito, Ela sabe muito bem e sustenta que só há uma verdade, e que não se podem admitir diversas "verdades" contraditórias entre si. Ela faz sua a afirmação do Apóstolo dos gentios: "pois nenhum poder temos contra a verdade, não o temos senão pela verdade" (26).

Há entretanto numerosos pontos sobre os quais a Igreja Católica permite que os teólogos discutam, na medida em que se trate de questões que não são certas, e na medida igualmente, como notava o célebre escritor inglês, Cardeal John Henry Newman, em que tais discussões não rompam a unidade da Igreja, mas sirvam, pelo contrário, à melhor e mais profunda compreensão dos dogmas, trazendo uma luz nova nascida do confronto das sentenças. Essas discussões preparam e consolidam o caminho da verdade (27). De qualquer forma, é necessário ter sempre presente a máxima, às vezes expressa em termos diferentes ou atribuída a diversos autores: "Unidade nas coisas necessárias, liberdade nas duvidosas, caridade em todas elas".

Unidade de governo

E ademais, que haja unidade de governo na Igreja Católica, todos o vêem. Realmente, da mesma maneira como os fiéis estão submetidos aos Sacerdotes, e estes aos Bispos que "o Espírito Santo estabeleceu para governar a Igreja de Deus" (28), assim também todos os Bispos estão sujeitos ao Romano Pontífice, na sua qualidade de sucessor de Pedro, estabelecido por Cristo Nosso Senhor como pedra fundamental de sua Igreja (29) e depositário exclusivo do poder de tudo ligar e desligar sobre a terra (30), de confirmar seus irmãos (31), e de apascentar todo o rebanho (32).

Unidade de culto

No que se relaciona com a unidade do culto, ninguém ignora que a Igreja Católica, desde suas origens e através dos séculos, teve sempre sete Sacramentos, nem mais, nem menos, recebidos como herança sagrada de Jesus Cristo, e que nunca cessou de administrá-los no mundo inteiro para nutrir e manter a vida sobrenatural dos fiéis. Igualmente todos sabem que nEla se celebra um único sacrifício, a Eucaristia, em que Cristo, salvação nossa e nosso Redentor, de modo incruento mas tão real como quando pendia da Cruz no Calvário, é cada dia imolado em favor de todos nós e nos comunica misericordiosamente os imensos tesouros de sua graça. Razão por que São Cipriano observa com justeza: "Não se pode erguer outro altar nem instituir outro sacerdócio fora do único altar e do único sacerdócio" (33). Isto todavia, como é notório, não impede a existência, na Igreja, de diversos ritos aprovados, que fazem resplandecer melhor sua beleza e A fazem apresentar-Se como a filha do Rei Supremo, ostentando variados ornamentos (34). É em primeiro lugar com a finalidade de obter que todos atinjam esta unidade verdadeira dos corações, que o Sacerdote católico, ao celebrar o Sacrifício Eucarístico, oferece a Hóstia imaculada a Deus clementíssimo com estas palavras: "Por vossa Santa Igreja Católica; dignai-Vos, através do mundo inteiro, dar-Lhe a paz, protegê-La, unificá-La e governá-La; e também por vosso servidor, o nosso Papa, e por todos os que, fiéis à verdadeira doutrina, guardam a Fé católica e apostólica" (35).

Convite paternal à união

Oxalá este maravilhoso espetáculo de unidade, de que somente a Igreja Católica desfruta e que Lhe dá esplendor, bem como estas preces com que Ela implora de Deus a mesma unidade para todos, possam tocar e comover salutarmente vossa alma, ó vós que estais separados desta Sé Apostólica.

Permiti-Nos, num afetuoso desejo, chamar-vos irmãos e filhos; permiti-Nos alimentar a esperança de um retorno tão caro a Nosso coração de Pai. Desejamos falar-vos com a mesma solicitude pastoral que fazia Teófilo, Bispo de Alexandria, dirigir estas palavras a seus irmãos e filhos, na ocasião em que um infausto cisma rasgava a túnica inconsútil da Igreja: "Imitemos, cada um segundo suas forças, amigos caríssimos, participantes da vocação celeste, a Jesus, Cabeça de nossa perfeita salvação. Abracemos a humildade que eleva, a caridade que une a Deus, e uma fé sincera nos mistérios divinos. Fugi da divisão, evitai a discórdia... conservai-vos em caridade mútua. Ouvi a Cristo que vos diz: Eis no que todos vos reconhecerão como meus discípulos: no amor que tereis uns aos outros"(36).

Notai, Nós vos rogamos, que Nosso afetuoso chamado à unidade da Igreja não vos convida a entrar em casa estranha, mas na casa comum, a mansão do Pai. Permiti, pois, que vos exortemos — porque a todos vos amamos ternamente "nas entranhas de Cristo Jesus" (37) — a vos recordardes de vossos pais, "que vos fizeram ouvir a palavra de Deus, e, considerando o fim de sua vida terrena, imitai-lhes a fé" (38). A gloriosa milícia de Santos que cada uma de vossas nações já enviou ao Céu, especialmente os que em seus escritos vos transmitiram e explicaram de modo exato e eloquente a doutrina de Jesus Cristo, parece, pelo exemplo de sua vida, convidar-vos à unidade com a Sé Apostólica, à qual vossa própria comunidade cristã esteve salutarmente unida durante tantos séculos.

Nós Nos dirigimos, portanto, como a irmãos, a todos os que estão separados de Nós, dizendo com Santo Agostinho: "Queiram eles ou não, são nossos irmãos. E só deixará de sê-lo se deixarem de dizer: Padre Nosso" (39). "Amemos o Senhor Nosso Deus, amemos a sua Igreja: a Ele como Pai, a esta como Mãe; a Ele como Senhor, a esta como sua serva; porque somos filhos de sua serva. Tal união se forja com grande caridade; ninguém ofende a um e merece bem do outro... De que te adianta se o Pai não ofendido vinga a ofensa feita à Mãe?... Conservai, pois, caríssimos, conservai, todos unanimemente, a Deus como Pai e a Igreja como Mãe" (40).

Necessidade de orações especiais

Pelo que, rogamos e suplicamos a Deus benigníssimo, dispensador da luz celeste e de todos os bens, que seja assegurada a unidade da Igreja, a extensão do rebanho e do reino de Cristo, e exortamos que façam o mesmo todos os Irmãos e filhos caríssimos que temos em Cristo. O êxito do futuro Concílio Ecumênico, realmente, bem mais que da atividade da indústria humana, depende desta santa emulação de orações ardentes e comuns. Concitamos, de todo o coração, a tomarem parte nela também os que, embora não pertencendo a este aprisco, contudo respeitam a Deus e O honram, e se esforçam com boa vontade para obedecer a seus mandamentos.

Alcance-nos a súplica divina de Cristo o desabrochar e a realização desta esperança e destes votos: "Pai santo, guarda em teu nome os que Me deste, para que sejam um, assim como Nós ... Santifica-os na verdade: tua palavra é a verdade ... Não rogo, porém, só por eles, mas também pelos que, graças à sua palavra, crerão em Mim; ... para que estejam de modo perfeito na unidade ..."(41).

Da concórdia dos espíritos brotem a paz e a alegria

Renovamos esta prece com o mundo católico, a Nós unido; e o fazemos não somente impelido por ardente caridade para com todos os homens, mas também em espírito de sincera humildade evangélica. Sabemos, com efeito, quão pouco somos e que Deus se dignou elevar-Nos ao supremo grau do Soberano Pontificado, não em virtude de Nossos méritos, mas por desígnio misterioso. Por isto, a todos os Nossos Irmãos e filhos separados desta Cátedra de São Pedro, repetimos estas palavras: "Sou ... José, vosso irmão" (42). Vinde, "acolhei-Nos" (43). Outra coisa não desejamos, nenhuma outra queremos, nada mais pedimos a Deus, senão vossa salvação e felicidade eterna. Vinde. Desta concórdia tão suspirada, e desta unidade que a caridade fraterna deve nutrir e conservar, nascerá uma grande paz, "que ultrapassa todo entendimento" (44), pois vem do Céu; esta paz que Cristo anunciou aos homens de boa vontade pelo coro dos anjos que revoavam sobre seu berço (45), e que concedeu, com estas palavras, após a instituição do Sacramento e do Sacrifício Eucarístico: "Eu vos deixo a minha paz, Eu vos dou a minha paz; não vo-la dou como o mundo a dá" (46). Paz e alegria: sim, alegria também, pois os que pertencem real e eficazmente ao Corpo Místico de Cristo, que é a Igreja Católica, participam da vida divina que passa da Divina Cabeça a cada um dos membros, e graças à qual os que obedecem fielmente a todos os preceitos de nosso Redentor podem, mesmo nesta vida, ter parte na alegria que é auspicio e prenúncio da felicidade eterna do Céu.

A paz da alma deve ser ativa

Mas esta paz, esta felicidade, enquanto fazemos a fatigante viagem desta terra de exílio, permanecem imperfeitas. Não é uma paz inteiramente tranquila, nem de todo serena; é uma paz ativa, e não ociosa, nem inerte; é sobretudo uma paz militante contra todos os erros, mesmo dissimulados e falaciosos, contra as seduções e atrações do vício, contra todos os inimigos da alma, enfim, que podem debilitar, manchar ou destruir-nos a inocência ou a fé católica; contra os ódios também, e as rivalidades, as divisões, que podem rompê-la e dilacerá-la. Por esta razão é que o Divino Mestre nos deu e recomendou Ele próprio a SUA paz.

A paz, portanto, que temos de procurar e buscar com todas as forças não deve, como dissemos, consentir em nenhum erro, nem descer a compromisso com nenhum adepto do erro, nem inclinar-se para o vício; deve afinal evitar todas as discórdias. Esta paz reclama dos que a procuram que estejam prontos a renunciar pela verdade e pela justiça até mesmo a suas próprias comodidades e vantagens, segundo a palavra: "Procurai... em primeiro lugar o reino de Deus e sua justiça..." (47).

A Bem-aventurada Virgem Maria, Rainha da Paz, a cujo Coração Imaculado Nosso Predecessor de feliz memória, Pio XII, consagrou o gênero humano, nos alcance de Deus — Nós o imploramos instantemente — esta união de corações, esta paz verdadeira, ativa e militante, quer para os que são Nossos filhos em Cristo, quer para os que, embora separados de Nós, não podem deixar de amar a verdade, a unidade e a concórdia.

QUARTA PARTE

EXORTAÇÕES PATERNAS

Aos Bispos

Queremos agora dirigir-Nos paternalmente a cada uma das categorias de membros da Igreja Católica. Em primeiro lugar "Nossa palavra se dirige a vós" (48), Veneráveis Irmãos no Episcopado, da Igreja quer do Oriente, quer do Ocidente, que guiais o povo cristão e a esse título suportais coNosco o peso do dia e do calor (49). Conhecemos vosso zelo, conhecemos o espírito apostólico que vos impele, cada qual em seu domínio, a desenvolver, fortalecer, estender a todos os homens o reino de Deus. Conhecemos igualmente vossas angústias, conhecemos vossa tristeza diante do deplorável afastamento de tantos filhos enganados pelos falsos atrativos do erro, diante da falta de recursos que impede por vezes a extensão do Catolicismo, e sobretudo diante do pequeno número de Sacerdotes, que em muitos lugares impede que estes atendam às necessidades crescentes. Mas tende confiança nAquele de que vem "todo dom excelente e toda doação perfeita" (50) ; tende confiança em Jesus Cristo, a Quem dirigis instantes preces: sem Ele "nada podeis fazer" (51), mas com sua graça é lícito a cada um de vós repetir a palavra do Apóstolo das nações: "Tudo posso nAquele que me conforta" (52). "E que Deus... satisfaça todos os vossos desejos segundo sua riqueza, na gloria, em Cristo Jesus" (53); de sorte que obtenhais ricas colheitas, frutos abundantes, do campo cultivado por vossos trabalhos e regado por vossos suores.

Ao Clero

Dirigimos do mesmo modo um apelo paterno a todos os membros de ambos os Cleros, àqueles que vos auxiliam de perto, Veneráveis Irmãos, no trabalho da Cúria, àqueles que nos Seminários têm a importante missão de instruir e formar jovens escolhidos, chamados ao serviço do Senhor, àqueles, enfim, que nas grandes ou nas pequenas cidades, ou ainda nas aldeias longínquas e solitárias, se desempenham do ministério pastoral, tão difícil e tão importante hoje em dia. Cuidem — eles perdoarão que lho recordemos, embora confiemos em que não Nos seria necessário fazê-lo — cuidem, dizíamos, de se mostrarem sempre respeitosos e obedientes para com seu Bispo, segundo adverte Santo Inácio de Antioquia: "Sede submissos ao Bispo como a Jesus Cristo... é, pois, necessário que, como já o praticais, nada façais sem o Bispo" (54); "aqueles que pertencem a Deus e a Jesus Cristo estão com seu Bispo" (55). Lembrem-se também de que não são meros funcionários, mas antes de tudo ministros das coisas sagradas; da mesma maneira, nunca imaginem ter dado bastante em matéria de trabalho, de tempo, de despesas e de sofrimento, quando se trata de esclarecer os espíritos com a luz divina, de dobrar as vontades más com a graça de Deus e a caridade paterna, de estender e de propagar enfim o reino pacífico de Jesus Cristo. Mais do que em seus esforços pessoais, confiem na força da graça divina, que implorarão cada dia numa oração instante.

Aos Religiosos

Igualmente aos Religiosos — que, tendo abraçado algum dos diversos estados de perfeição cristã, são por isso obrigados a viver segundo as regras de seu Instituto, na obediência aos Superiores - dirigimos Nossa saudação paterna e os exortamos a se aplicarem, corajosamente e com todas as suas forças, a tudo o que os Fundadores prescreveram em suas regras; e em primeiro lugar ao zelo pela oração, às obras de penitência, à educação da juventude, ao amparo dos necessitados e dos aflitos de toda sorte.

Sabemos que bom número desses amados filhos são também chamados, muito frequentemente, aos cargos pastorais, por causa das dificuldades presentes, e que isso ocorre com grande proveito para o nome e para a virtude cristã. Por isso os exortamos instantemente — embora sabendo não terem eles necessidade de Nossa exortação — a ajuntarem aos ilustres méritos que suas Ordens ou Congregações Religiosas adquiriram no passado, o de corresponderem, segundo suas possibilidades e de coração largo, às necessidades atuais do povo, e de colaborarem de boa mente, na medida em que lhes for permitido, com a outra parte do Clero.

Aos Missionários ardorosos e cheios de méritos

Agora Nosso espírito se volta para aqueles que, tendo abandonado a casa paterna e a pátria, suportando pesadas fadigas e vencendo tantas dificuldades, demandaram terra estranha e derramam agora seus suores para instruir e formar os infiéis na verdade do Evangelho e na virtude cristã, a fim de que em todo o mundo "a palavra de Deus se espalhe e seja honrada" (56). É verdadeiramente grande a missão que lhes é confiada, e para a sua execução e desenvolvimento devem colaborar segundo suas forças, pela oração ou pelo óbolo, todos os que se glorificam de usar o nome de cristão. Nenhuma outra empresa é talvez mais agradável a Deus do que esta, tão intimamente ligada ao dever que todos temos de propagar o reino de Deus. Esses pregadores do Evangelho consagram, com efeito, a vida a Deus para que a luz de Jesus Cristo ilumine todo homem que vem a este mundo (57), para que sua graça divina atinja e sustente todas as almas, e para que todos sejam salutarmente excitados a viver de maneira honesta, civil e cristã. Esses homens não buscam seu próprio interesse, mas o de Jesus Cristo (58), e, atendendo generosamente ao apelo do Divino Redentor, podem aplicar a si mesmos as palavras do Apóstolo dos gentios: "Para Cristo... desempenhamos função de embaixadores" (59) e "vivendo na carne... não combatemos segundo a carne" (60). O país ao qual foram levar a luz do Evangelho, eles o consideram como outra pátria e amam-no com caridade ativa; e embora continuem a amar ardentemente sua querida Pátria e sua Diocese ou Instituto Religioso, compreenderam e têm por certo que o bem da Igreja Universal deve ser preferido, e que cumpre consagrar-se a ele antes de tudo.

Desejamos, pois, que esses amados filhos - e todos aqueles que, quer como catequistas, quer de alguma outra maneira, ajudam generosamente as Missões nessas regiões - saibam que Nós os temos particularmente presentes a Nosso coração e rezamos todos os dias por eles e por seus empreendimentos, bem como confirmamos com Nossa autoridade, e de muito bom grado,

(continua)