Ainda a tendência maniquéia da arte moderna
CUNHA ALVARENGA
Em crônica publicada na revista «Broteria» (número de abril de 1959), o Sr. Agostinho Veloso se ocupa de um assunto que tem sido amplamente debatido em revistas especializadas. Trata-se das relações que vão sendo descobertas pela medicina psiquiátrica «entre a patologia neuropsíquica e esse estranho fenômeno de perversão plástica, tão comum no nosso tempo» e já cientificamente rotulado com os nomes de fisiofobia e de misofisia estéticas, «conforme o pendor patológico toma a direção ou do medo ou do ódio à natureza».
Explica o autor que fisiofobia vem a ser «uma palavra recentemente arquitetada para significar, como de fato etimologicamente significa, o medo patológico, o pavor doentio da natureza, designadamente na poesia e nas artes plásticas. Por seu turno, misofisia significa, à letra, ódio à natureza, esse ódio hoje tão vivo, precisamente nos mesmos setores onde a fisiofobia é mais endêmica» (artigo citado).
Ora, por mais de uma vez já nos ocupamos do fenômeno da arte dita «moderna», acentuando sobretudo seus fundamentos gnósticos e, por via de consequência, a influência demoníaca a que também se acham sujeitos esses setores estéticos da Revolução que vem avassalando o mundo.
O ESPÍRITO SURDO E MUDO
A caracterização, pela medicina, das aludidas doenças mentais próprias dos que se entregam aos desvarios e alucinações dessa pseudo-arte de vanguarda, não nos deve, porém, levar a uma atitude unilateral em face do problema, como seria a de encará-lo em seu aspecto meramente científico.
Com efeito, há hoje em dia uma acentuada tendência, mesmo em certos ambientes católicos, para excluir dos fenômenos sociológicos e até religiosos os lados tanto preternaturais quanto sobrenaturais. Dir-se-ia que as manifestações diabólicas desapareceram completamente da face da terra ao se encerrar a última página do Novo Testamento. As coisas acontecem, entre os homens, porque tem que acontecer, movidas pelo dinamismo, próprio dos atos humanos, rolando o mundo pelos espaços siderais completamente à revelia da ação de Deus e dos anjos.
Entretanto, nada mais instrutivo para a boa compreensão do que atualmente acontece nos setores estéticos da Revolução, como aliás, em todos os outros do que os exemplos de possessão diabólica narrados pelos Evangelistas como fatos correntes.
Vejamos o episódio do demônio surdo e mudo ou do jovem lunático, a que se referem São Mateus (XVII, 14-21), São Marcos (IX, 13-29) e São Lucas.(IX, 37-44). Nosso Senhor censurava os discípulos que não puderam expelir aquele espírito imundo por causa de sua incredulidade. E ainda é essa mesma incredulidade que hoje levaria o jovem possesso a uma clínica psiquiátrica, onde certamente terminaria seus dias encerrado entre quatro paredes, pois que o mal o acompanhava «desde a infância». Com efeito, não se nega que os sinais externos da possessão diabólica, neste como em outros casos, eram semelhantes aos de certos tipos de loucura: «E eis que, quando o espírito dele se apodera, imediatamente o faz gritar, e o lança por terra, agita-o com violência, fazendo-o espumar; e ele range os dentes e se vai mirrando; e dificilmente se retira o espírito, deixando-o dilacerado» («Concordância dos Santos Evangelhos» de D. Duarte Leopoldo e Silva, Tip. Salesiana, S. Paulo). Mas a causa principal do fenômeno era uma causa preternatural: a ação do demônio sobre o moço lunático. E a cura se deu por meio sobrenatural, ou seja, pela ordem imperativa do Homem-Deus: «Espírito surdo e mudo, Eu te mando, sai desse moço, e não tornes a entrar nele».
ÓDIO A REALIDADE OBJETIVA
Ora, esse ódio à natureza (e em particular à criatura humana) e ao próprio Homem-Deus, ou esse medo do chamado «mundo objetivo», tão próprios e característicos da frente estética da Revolução, não se explicam inteiramente se nos detemos na ordem do conhecimento e da realidade natural. Devemos remontar também à ordem preternatural e sobrenatural. O estudo desses fenômenos se torna assim mais fácil, coerente e lógico; acresce considerar que a cura dos tremendos males que nos afligem não nos virá do emprego de meios meramente naturais ou humanos, mas do imprescindível concurso da ordem sobrenatural, ou da graça divina.
É próprio do demônio odiar a Deus também em suas criaturas. Puro espírito precipitado nas profundezas dos abismos infernais por causa de seu orgulho, vota sobretudo o anjo rebelde um ódio mortal ao Homem-Deus, Àquele que, pela união hipostática da natureza divina com a natureza humana, veio restaurar a aliança do Céu e da terra, rompida pela queda de nossos primeiros pais.
Podemos supor que data da tentação do «sereis como deuses» a origem desse velho erro da gnose ou do maniqueísmo, falso espiritualismo ou aspiração de voltar às «origens divinas» do homem pela profissão de um ódio surdo e implacável à natureza criada, ao mundo físico.
Hans Sedlmayr, em seu estudo «A Revolução da Arte Moderna» (tradução portuguesa de Mario Henrique Leiria, Livros do Brasil, Lisboa), mostra como os variados setores da «arte moderna» são movidos pelo ódio ou pelo desprezo da realidade objetiva. Em largos traços, podemos afirmar que cabe a seus diversos ramos figurativos a tarefa da destruição, como acontece com os expressionistas e os surrealistas, por exemplo. Aos ramos da arte abstrata e da chamada arte «pura» incumbe lançar os fundamentos dessa «outra realidade» tão procurada pela gnose, fora do mundo criado ou objetivo.
UM SURREALISTA «AVANT LA LETTRE»
Não deixa de ser curioso que o século XVIII haja assistido ao apogeu do racionalismo, ao mesmo tempo que viu o recrudescer da magia, do iluminismo, do ocultismo. Já nos ocupamos do assunto («O Doutor Fausto na vida real - Algumas considerações em torno da ciência, da arte e da magia», «Catolicismo», n° 97, janeiro de 1959). Do mesmo modo, tanto os ramos figurativistas quanto os ramos abstratos da «arte moderna» constituem o reverso dos erros racionalistas de nossa época de ciência e de técnica.
Entretanto, as origens históricas dessa arte moderna devem ser procuradas em eras mais remotas. E, neste sentido, é interessante observar, de passagem, que um dos argumentos invocados a favor das deformações plásticas da ala figurativista vem a ser o de que, no ocaso da Idade Média, já teve ela um precursor em Hyeronimus Bosch. Ora, o reconhecimento dessas raízes é bem significativo, pois foi esse pintor um partidário da seita gnóstica adamita, que surgiu no século II e que, através de iniciações secretas, onde imperavam o nudismo e a devassidão, procurava reingressar no «espírito livre» de Adão antes da queda. Esse ramo gnóstico, inimigo da família, da propriedade e de qualquer autoridade, recrudesceu na Idade Média, e as telas do adamita Hyeronimus Bosch de fato podem ser consideradas como autênticas amostras de um surrealismo «avant la lettre».
Arte moderna figurativista e abstrata se completam. Assim é que, além de negar os reinos da natureza e de desprezar as propriedades das coisas, o surrealista André Breton mostrava o desejo de destruir, se pudesse, todo o universo. E no «Segundo Manifesto do Surrealismo» declara que «o ato surrealista mais simples consiste em sair para a rua com um revolver e disparar ao acaso sobre a multidão».
O próprio Homem-Deus e o mundo angélico não escapam dessa fúria destruidora. James Ensor é autor de uma gravura que leva o título: «Demônios que chicoteiam anjos e arcanjos», e que nada mais é do que uma inversão do grande combate que se travou no Céu. Max Ernst, em uma blasfêmia pictórica, figura a Santíssima Virgem que açoita o Menino Jesus. Orozco, no painel mural existente no Colégio de Dartmouth, Estados Unidos, representa um «Cristo» com feições diabólicas muito parecidas com as de Lenine. A figura brutal, que traz os inconfundíveis estigmas da Paixão, tem o punho esquerdo cerrado e na mão direita ergue um enorme machado. No segundo plano, junto a uma pirâmide de armas modernas se acham ídolos derrubados, tais como uma coluna grega e a imagem de Buda. Mas uma Cruz também jaz por terra. O Cristo revolucionário a destruiu com o machado.
INVERSÃO DA REALIDADE
Diz Hans Sedlmayr que esse painel «constitui sem dúvida a representação plástica mais radical do mito do proletário, verdadeiro homem-Deus, que não tomou parte no pecado original da exploração, que espanca os poderes das trevas, abate os ídolos, traz a salvação pela ação e anuncia a nova era» («Art du Démoniaque et Démonie de l'Art», p. 106 do volume «Filosofia dell'Arte» do «Archivio di Filosofia — Organo dell'Istituto di Studi Filosofici», Roma, 1953).
A inversão de valores tentada por essa arte de «vanguarda» é assim uma poderosa auxiliar de outros setores da Revolução, sendo evidentes suas ligações com os movimentos político-sociais de sabor socialista, como acontece com o futurismo em relação ao fascismo e com o surrealismo em relação ao comunismo. Serve ela também como preparação do terreno para o advento da chamada arte «pura», de que são exemplos a pintura abstrata e a arquitetura «moderna».
Ora, que é uma arte «pura»? É uma arte escoimada dos elementos de todas as outras, bem como de quaisquer influências estranhas a esse ramo plástico. Assim, a pintura abstrata é uma pintura absolutamente «pura», ou seja, isenta de elementos das restantes artes. Nada de planos, de volumes, de sombra e luz. O mesmo poderíamos dizer da escultura e da arquitetura, que gradualmente vão deixando de ser arte a fim de se tornarem em instrumentos de preparação da humanidade para a aceitação da «nova realidade», da realidade gnóstica que se acha no bojo da Revolução.
Em resumo, a «arte moderna» apregoa tender exclusivamente para o esteticismo e não para a objetividade. E negando a tal esforço estético o nome de arte, vamos ao encontro de uma aspiração dos próprios mentores dessa ala da Revolução. «Cumpre acabar com a beleza, com a honrada arte, último resultado da lógica», diz o surrealista André Breton. Pois «a arte é uma estupidez» (apud art. citado).
Ora, levantar a bandeira do esteticismo, esvaziando-o de qualquer conteúdo moral, equivale a tentar destruir a correspondência que há entre a beleza, a verdade e o bem. Deus é a Suma Verdade, o Sumo Bem e a Suma Beleza. Indo contra a própria Divindade, vai a Revolução contra a origem de toda a beleza, de toda a verdade, de todo o bem que existe na criação.
A primeira etapa do processo revolucionário no setor estético consistiu em procurar separar a beleza da verdade e do bem. A beleza, reduzida à arte pela arte, seria indiferente à verdade e à mentira, ao bem e ao mal, ao moral e ao imoral. Mas as consequências vieram fatais e inexoráveis. Esse esteticismo que tenta prescindir da verdade o do bem e que se revolta contra o mundo objetivo, dele procurando isolar-se, devia, por força, cair no reino das trevas, da degradação, do caos. Resvalou nessa insensata busca de uma nova realidade, estranha à harmonia da criação divina, para o cativeiro do espírito do mal.
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Não se reduzem apenas à fisiofobia e à misofisia as formas de loucura ou de possessão diabólica que avassalam extensas camadas da sociedade contemporânea. Diz com muito acerto o Sr. Agostinho Veloso que outra negação mais fundamental se alastra entre os homens. É o misoteismo, a aversão à Divindade. Eis mais um demônio que somente será expulso pelo jejum e pela oração. Mortifiquemo-nos e oremos e travemos o bom combate, certos de que a Santíssima Virgem esmagará, afinal, a cabeça do dragão infernal. O grande retorno através do reino de Maria, eis a graça que pedimos a Deus para a humanidade sofredora.
VERDADES ESQUECIDAS
A VIRGEM CHOROU SOBRE O MUNDO CONTEMPORÃNEO
O otimismo e a superficialidade do homem contemporâneo levam-no a esquecer frequentemente a extensão da apostasia de nossos dias. Por isso, de bom grado ele ouvida que a Santa Mãe de Deus, mais de uma vez, se manifestou nos Tempos Contemporâneos em atitude de pranto, a admoestar maternalmente os homens. La Salette e Siracusa constituem fatos memoráveis, que a Igreja de nenhum modo equipara a dogmas nem a verdade de fé, mas a que os católicos piedosos não recusam seu assentimento. – No cliché, imagem de Nossa Senhora de La Salette no próprio local das aparições.