A CONQUISTA DO MÉXICO PARA A IGREJA
HOUVE, JAMAIS, HOMENS QUE EMPREENDESSEM TÃO OUSADA AVENTURA?
Orlando Fedeli
Em fins de 1519, no planalto do México, uma pequena tropa, com alguns cavalos e poucos canhões, avançava pela estrada que conduzia à capital dos astecas, Tenochtitlan.
Multidões de índios, bizarramente enfeitados, vinham curiosos examinar aqueles homens brancos que se atreviam a penetrar no coração do império de Moctezuma, num desafio inaudito. Olhavam intrigados e amedrontados suas armas e suas montarias. Olhavam irados aqueles que no caminho haviam derrubado os ídolos que tinham encontrado. Olhavam com ódio o pendão da cruz que eles erguiam. A tropa avançava admirando o cultivo esmerado dos campos, as numerosas aldeias, a riqueza das cidades, os templos ou «teocalis» terríveis que se erguiam do meio das águas. Bandeiras desfraldadas ao vento, estandarte erguido, tambores rufando, aquele pequeno grupo de homens empreendia uma das mais atrevidas e gloriosas conquistas da história.
Com eles vinha a civilização, a cultura, a grandeza da Espanha, a Fé. A Igreja Católica estabelecia-se em Tenochtitlan. Hernán Cortés entrava no México.
"Com a cruz venceremos, se formos Fiéis"
Hernan Cortés nasceu na cidade espanhola de Medellin, em 1485. Era de família nobre. Estudou dois anos em Salamanca, onde aprendeu latim e a fazer bons versos, mas não se deu bem com os estudos jurídicos: preferiu a carreira das armas.
Em 1504, chegou à America, destancando-se logo pelo seu valor, ao prestar serviços ao governador de Hispaniola, Ovando. Partiu em 1511 para Cuba com o governador Velasques, de quem se fez amigo. Tendo-se comprometido numa conspiração, foi preso e condenado à morte. O governador comutou a pena em prisão e o exilou para São Domingos. Na viagem, porém, Cortés lançou-se ao mar e conseguiu voltar a nado para Cuba. Preso do novo, Velasques, admirando sua coragem e decisão, quis dar-lhe uma oportunidade de redimir a falta cometida. Não só o indultou, como casou-o com uma parenta sua e lhe deu o comando de uma expedição que deveria explorar o continente, procurar uma passagem para o Pacífico e tratar da conversão dos índios.
A expedição era formada de dez navios e um bergantim; contava com 553 soldados, dezesseis cavalos, dez canhões, quatro colubrinas. Havia ainda cento e dez marujos. Os soldados dispunham quase que exclusivamente de armas brancas: apenas treze mosquetes e trinta e duas arbaletas.
A bandeira era uma cruz vermelha com o lema «Amigos, sigamos a cruz; com este sinal venceremos, se formos fiéis». São Pedro foi tomado como patrono da expedição.
Antes da partida, o comandante procurou incutir ânimo a seus soldados: «As coisas grandes, disse-lhes, não se realizam senão com grandes esforços; a gloria nunca foi o quinhão da preguiça. O Onipotente nunca abandonou a Espanha em suas lutas contra os infiéis, e nos amparará ainda quando estivermos rodeados por enxames de inimigos».
O próprio valor de Cortés, porém, lhe atraía, juntamente com a admiração e a dedicação de alguns, o ódio e inveja de outros. As vésperas do embarque, seus inimigos conseguiram convencer o governador a retirar-lhe o comando e prendê-lo. Prevenido do perigo, Cortés tomou uma resolução surpreendente: partir antes que Velasques chegasse e sem licença, de modo a conservar o comando. Os navios levantaram ferros. Iniciava-se assim a viagem que daria à Espanha um império, a Cortés fama e gloria, e à Igreja muitos filhos.
Perderam dois homens os cristãos; 800 os índios
A esquadra não se dirigiu diretamente ao México e sim ao golfo de Campeche. A 21 de abril de 1519, a tropa se preparou para o desembarque. Na praia, índios se aglomeravam e admiravam espantados os grandes veleiros desconhecidos. Os espanhóis logo perceberam que os pagãos pretendiam atacar. Cortés desejava evitar lutas sem motivo, e para isso enviou à terra, num bote, um certo Aguillar, que conhecia a língua dos índios por ter vivido muitos anos numa tribo, e que poderia talvez captar-lhes as boas graças. No entanto, foi repelido antes de chegar à terra. O desembarque, pois, somente se daria à força.
Os índios não esperaram que os espanhóis iniciassem o combate. Com suas canoas, aproximaram-se da esquadra dando gritos medonhos e lançando uma saraivada de pedras e flechas. O troar dos canhões e seus projeteis fizeram-nos voltar imediatamente para terra. Cortés desembarcou, repeliu um novo ataque e perseguiu o inimigo pela mata a dentro. Os nativos recolheram-se à sua cidade, Tabasco, mas o valoroso capitão não hesitou em assaltá-la. O combate foi violento, e os defensores fugiram deixando o reduto em poder dos cristãos.
À noite, o próprio comandante fez a ronda para certificar-se de que as sentinelas cumpriam seu dever. Ao amanhecer, nada se movia, tudo era silêncio em torno de Tabasco. Cortés, pressentindo uma cilada, mandou explorar os arredores, e logo lhe trouxeram a notícia de que quarenta mil índios vinham para o ataque. Calma e serenamente dispôs ele a tropa para a luta, e sua coragem entusiasmou os soldados. Colocou a artilharia e os infantes numa colina, enquanto ficava com a cavalaria num bosque.
Os índios não tardaram a surgir. Seu aspecto causava medo: tinham o corpo todo pintado; plumas e enfeites bárbaros na cabeça. Seus gritos se misturavam com a atroada de seus tambores.
Os canhões abriram brechas enormes em suas hostes, mas não conseguiram afastá-los. Levantaram muito pó para ocultar suas perdas e reiniciaram o ataque. A luta corpo a corpo se estabeleceu, e quando o número superior dos pagãos ameaçava os espanhóis, Cortés surgiu do bosque com a cavalaria. Sua carga foi fulminante. Os indígenas julgaram que fossem deuses e debandaram. O chefe espanhol proibiu que se matassem fugitivos, mas ordenou que fossem feitos prisioneiros.
O resultado da batalha foi impressionante: os cristãos perderam dois homens e tiveram setenta feridos; os índios tiveram oitocentos mortos.
Graças à sua coragem e habilidade, Cortés consolidou e aumentou seu prestigio diante da tropa.
No dia seguinte, mandou trazer os prisioneiros a sua presença.
Estavam estes certos de morrer. Porém, generosamente o comandante os libertou. Deram mostras de gratidão e de entusiasmo extraordinários, que cresceram ainda mais quando o vencedor lhes ofereceu presentes. Partiram alegres e, pouco depois, toda a tribo veio agradecer a Cortés e pedir sua aliança. Como prova de seus sentimentos, e segundo seu costume bárbaro, deram ao vencedor vinte donzelas. Entre elas havia a filha de um cacique de outras terras que estava prisioneira em Tabasco. Bela e inteligente, aprendeu logo o espanhol e foi batizada com o nome de Marina. Prestou grande auxílio na conquista do México, pois falava a língua dos astecas. Os habitantes de Tabasco converteram-se ao Cristianismo e derrubaram os ídolos.
Uma doença que só se cura com ouro...
Em seguida, a esquadra levantou ferros e partiu rumo a oeste, em demanda das terras astecas. Ali o desembarque foi pacifico. O império de Moctezuma era muito bem organizado; não tardou que o governador e o chefe militar da região viessem indagar dos brancos o que desejavam. Causou muita impressão nos europeus a riqueza dos enfeites usados pelos índios.
Cortés já tinha concebido todo um plano para poder ir até a capital do México, Tenochtitlan, sem luta. «Venho, disse, em nome de Carlos d'Áustria, grande e poderoso Imperador do Oriente, trazendo varias propostas ao Imperador Moctezuma. Contudo, a natureza dessas propostas me obriga a pedir o favor de uma entrevista particular com ele; desejo, pois, ser levado à presença do Imperador».
Parece que os mexicanos desconheciam as regras da etiqueta. Mostraram-se muito contrariados com o desejo dos estrangeiros. Com relutância concordaram em enviar um mensageiro a Tenochtitlan, para transmitir o pedido. Cortés retrucou que, com ou sem licença, iria até o México, pois era seu dever cumprir a ordem de Carlos V.
A energia do capitão assustou os índios, que se apressaram a lhe entregar os presentes riquíssimos que haviam trazido. Cortés os recebeu satisfeito, explicando que os espanhóis sofriam de uma doença do coração que só se curava com ouro. Retribuiu a gentileza de Moctezuma, mandando-lhe quinquilharias e uma cadeira muito rica.
O castelhano era tão hábil quanto valente. Percebendo alguns astecas a registrarem, por meio de desenhos, tudo quanto se fazia ou dizia, resolveu fornecer-lhes informes mais interessantes: fez uma pequena demonstração com a artilharia e com os cavalos. Alguns dos autóctones fugiram apavorados, outros lançaram-se ao chão pedindo clemência. Com dificuldade explicou-se-lhes que a batalha era simulada, mas ficaram tão impressionados, que passaram a chamar os soldados de «teules», isto é, deuses.
Ao cabo de uma semana, veio a resposta do soberano asteca. Seus enviados começaram por colocar aos pés dos brancos uma grande quantidade de presentes preciosos, num valor de cerca de 50.000 ducados. Só depois é que transmitiram a mensagem: Moctezuma recusava-se a receber os estrangeiros. Aceitava uma aliança com Carlos V, mas prevenia-os dos perigos de uma viagem à capital e aconselhava, como coisa mais segura, que voltassem para trás.
Cortés mostrou-se muito ofendido com a recusa e com a ameaça. Declarou que sua honra e a de seu Príncipe lhe proibiam voltar sem ter falado com o asteca. Quanto aos perigos aludidos, quem atravessara o Oceano não podia temê-los. Os índios, estupefatos pela audácia daquele homem que desafiava o imperador, resolveram enviar novo pedido a Moctezuma.
Nova recusa, novas ameaças veladas obrigaram o chefe branco a esclarecer sua finalidade:
«A Fé dos cristãos, disse, coloca entre seus primeiros deveres a instrução religiosa do próximo, e sua instrução nas verdades que dão a felicidade eterna; fui enviado pelo grande Imperador do Oriente, meu soberano, ao México, para tirar o senhor desse grande império e seu povo dos erros e mentiras da superstição e da idolatria; para chegar a tão feliz resultado, preciso conversar com o vosso imperador e sou obrigado a pedir de novo, insistentemente, uma entrevista indispensável».
O chefe da embaixada asteca ergueu-se furioso e prometeu empregar outros meios para fazer Cortés cumprir o desejo de Moctezuma. Retirou-se então com todos os seus homens. O campo espanhol ficou isolado: os astecas deixaram de trazer viveres para os estrangeiros e desapareceram. Entre os soldados começaram a surgir sinais de inquietação. Alguns pensavam já em voltar para Cuba. O grosso da tropa, todavia, era fiel ao comandante.
Antes de iniciar a marcha até o coração do império asteca, Cortés procurou legalizar sua situação. Partira sem licença do governador e poderia ser preso mais tarde como rebelde. A fim de ter uma autoridade mais firme e, ao mesmo tempo, livrar-se da dependência de Velasques, resolveu fundar uma colônia: Vila Rica de Vera Cruz. Nela estabeleceu uma Corte de Justiça e depôs toda a sua autoridade nas mãos dos juízes. Estes, reconhecidos, devolveram-lhe todas as prerrogativas a que renunciara.
O resto lhe foi dado por acréscimo
O rompimento das negociações com os mexicanos foi compensado pelo oferecimento de ajuda por parte do cacique de Cempoala. Sua tribo, de raça totonaque, fora subjugada pelos astecas, aos quais era obrigada a pagar grandes tributos e entregar muitos jovens para serem sacrificados aos ídolos.
Era justamente o auxílio de que necessitavam os cristãos. Cortés foi até Cempoala e soube conquistar imediatamente o coração do régulo ao lhe afirmar que fora enviado pelo grande D. Carlos para acabar com as injustiças, castigar os maus e fazer cessar os sacrifícios humanos. O cacique, entrevendo a próxima libertação de seu povo do jugo de Moctezuma, chorou de alegria e prometeu a aliança de outro chefe totonaque.
Os astecas perceberam o perigo que correriam se Cortés se aliasse aos povos oprimidos por eles, e enviaram seis oficiais de seu exército a Cempoala, exigindo que as tribos se retratassem de sua rebelião e entregassem vinte jovens para serem devoradas. O Conquistador persuadiu os seus aliados totonaques a que prendessem os enviados de Moctezuma. Eles não só o fizeram mas queriam ainda degolá-los, o que o espanhol não permitiu.
Desejava este, ardentemente, evitar uma luta com os astecas e por isto tentou agradá-los: mandou, à noite, libertar dois dos prisioneiros, e lhes pediu que assegurassem a Moctezuma que faria tudo para salvar os outros quatro. O imperador, que se aprestava para atacar, tornou a vacilar. Enviou novos presentes aos cristãos em sinal de agradecimento, mas repetiu a ordem de que se retirassem. Estavam, pois, reatadas as negociações. Cortés libertou imediatamente ou outros oficiais, afirmando-lhes lamentar o ocorrido, cuja culpa cabia a Moctezuma. Prendera-os porque os cristãos não podiam tolerar os sacrifícios humanos e eram obrigados por dever religioso a aboli-los por toda parte. Acrescentou que não partiria sem ver o soberano asteca e que para consegui-lo seus guerreiros não recuariam diante de perigo algum.
Cortés não dizia tais coisas apenas por política; tinha na verdade um zelo extraordinário pela justiça e pela Religião.
Sabendo que seus aliados totonaques iam sacrificar aos deuses alguns prisioneiros, foi até o templo exigir a libertação das vítimas sob ameaça de queimar e matar tudo e todos. Conseguido seu intento, exigiu ainda que os próprios sacerdotes destruíssem os ídolos. Os feiticeiros lançaram-se-lhe aos pés chorando e pedindo misericórdia. O capitão foi inflexível: ordenou aos soldados a derrubada dos deuses. Os sacerdotes bradaram que o povo defendesse suas divindades. Então Cortés, sem tremer, calmamente, ameaçou matar o cacique à primeira flecha atirada. Cessou, ai, toda resistência. As imagens diabólicas rolaram pelas escadarias do templo. Os totonaques esperavam uma vingança imediata de seus ídolos, porém eles ficaram no chão, inertes. Eram, pois, impotentes, e seus antigos adoradores queimaram-lhes os restos. As paredes do templo foram lavadas do sangue das vítimas e o edifício foi transformado em igreja. Os próprios feiticeiros acompanharam, com velas na mão, a procissão que conduziu a imagem da Virgem Santíssima até o alto do «teocali». Estes índios realizavam ao pé da letra o mandamento de São Remigio a Clovis: «Queima o que adoraste e adora o que queimaste».
A prudência humana mandava Cortés não irritar aliados tão preciosos. Se ele fechasse os olhos, que mal ocorreria? Por alguns índios sacrificados aos deuses, valeria a pena arriscar toda a expedição?
Mas a justiça e a caridade mandavam salvar aqueles homens e destruir os ídolos, acontecesse o que acontecesse. A quem procura o reino de Deus e sua justiça, tudo o mais será dado por acréscimo: todo O povo totonaque se converteu ao Catolicismo.
Cortés queima suas naus; agora, ou a morte ou a vitoria
Antes de iniciar a marcha para o México, e a fim de que seus soldados não tivessem outra alternativa senão a mor te ou a vitória, o herói espanhol tomou uma atitude destemida: destruiu a frota. Imprudência? Não, certeza da proteção dAquela que ele elevara tão alto em Cempoala. Loucura? Não, convicção de que Deus sustenta os que por Ele combatem.
Cortés recusou os grandes auxílios oferecidos pelos totonaques; aceitou apenas quatrocentos guerreiros e duzentos carregadores. Em Vera Cruz ficaram cinquenta homens, quase todos feridos, e dois cavalos.
Na viagem para o México deviam atravessar as montanhas do Tlascala, onde habitava um povo altivo e extremamente belicoso, que conseguira manter-se independente dos astecas. Uma aliança com eles seria utilíssima. Enviou-se pois a Tlascala uma embaixada pedindo livre passagem por seu território e auxilio contra Moctezuma.
O Conselho de Tlascala estava indeciso entre a paz com os brancos e a guerra. O cacique Xicotencatl acabou por arrastar seu povo para a luta. Passados oito dias, Cortés, não obtendo nenhuma resposta, prosseguiu em sua marcha; ainda não tinha avançado muito quando teve o caminho barrado por uma tropa de índios armados. Muitos deles foram mortos e o restante se salvou pela fuga.
No dia seguinte, apareceram alguns tlascaltecas com dois dos enviados de Cortés. Acusaram os otomies, tribo aliada de Tlascala, do ataque do dia anterior, mas não deram resposta ao pedido dos cristãos. Mais tarde, chegaram os demais embaixadores de Cortés: tinham conseguido fugir quando iam ser sacrificados aos deuses. Já não havia dúvidas sobre as intenções dos tlascaltecas. Só restava aguardar o momento do combate.
Este foi terrível, e os europeus somente se salvaram por um incidente providencial: os silvícolas, tendo morto um cavalo, arrancaram-lhe a cabeça e, satisfeitos com este troféu, abandonaram a luta quando estavam perto de vencê-la.
Cortés procurou ainda a paz, libertando vários prisioneiros e enviando novos pedidos de aliança. Xicotencatl maltratou os emissários, prometeu sacrificar todos os brancos a seus deuses, e estava tão certo da vitoria, que lhes mandou mantimentos, a fim de engordá-los para o festim.
Nova batalha foi travada. Desta vez os cristãos levaram a melhor, graças à superioridade de suas armas e à habilidade com que as manejavam. Os sacerdotes de Tlascala recomendaram a Xicotencatl que fizesse um ataque noturno, pois que assim os «teules», que eram filhos do Sol, não contariam com o auxílio deste deus. Cortés, entretanto, estava de sobreaviso e obteve novo triunfo. Os tlascaltecas desanimaram. Em todas essas lutas tinham perdido milhares de homens e não haviam conseguido matar sequer um branco. Seus anciãos apresentaram-se no campo europeu oferecendo vítimas aos deuses vencedores e pedindo perdão pela guerra. Cortés repreendeu-os energicamente por não terem aceito as primeiras ofertas de paz, e declarou que os perdoaria, sob a condição de que permanecessem neutros na luta entre os astecas e os espanhóis. Os anciãos partiram jubilosos e pouco depois O acampamento foi invadido por tlascaltecas que traziam víveres.
O próprio Xicotencatl, à frente de um grande cortejo, veio entregar-se ao vencedor. "Eu só, disse, sou responsável pelas hostilidades cometidas contra os espanhóis; mas me enganei: julgava que estes fossem aliados de Moctezuma, meu inimigo, o inimigo de minha pátria. Desejando expiar minha falta, e obter graça para meu povo inocente, venho colocar-me nas mãos do vencedor; que ele se pronuncie sobre minha sorte, estou resignado a suportar todas as consequências de meu erro, mas que dê a paz conforme os desejos de todo o povo. Tlascala espera em seus muros o chefe dos estrangeiros e seus soldados: aí, eles só encontrarão amigos».
Cortés, admirando tanta nobreza num selvagem, perdoou-o e prometeu-lhe ir a Tlascala. Chegaram, a essa altura, novos enviados de Moctezuma, trazendo mais presentes e proibindo o chefe branco de avançar. Na verdade, o imperador pretendia evitar uma aliança dos estrangeiros com os seus inimigos. Por isto a tropa cristã demorou para entrar em Tlascala. O povo desta última cidade concluiu que os «teules» iam aliar-se a Moctezuma e enviou-lhes o seu Conselho com rogos de que não se deixassem enganar, mas viessem até Tlascala.
Só então o comandante dos cristãos anuiu ao pedido. A entrada dos soldados na cidade foi um verdadeiro triunfo. Toda a população veio recebê-los com alegria. Alguns tocavam tambores e flautas, outros jogavam flores aos pés dos conquistadores, mais adiante ofereciam-lhes o fumo de ervas aromáticas. Os espanhóis exultavam de alegria com essa acolhida e aliança, que preludiava vitorias ainda maiores.
Porém, acima de qualquer vantagem, Cortés colocava os interesses da Religião. Pediu a alguns do Conselho de Tlascala que repudiassem suas divindades. Eles recusaram, dizendo ingenuamente que um só Deus não poderia cuidar de todas as necessidades do povo. O zeloso capitão, irritado, já queria derrubar os ídolos à força, quando o impediu o prudente Padre Olmedo, capelão da tropa. Seis mil tlascaltecas uniram-se a Cortés.
Seguindo o exemplo de São Fernando de Castela
Moctezuma mudou de tática e convidou os «teules» a se dirigirem à cidade de Cholula. Os tlascaltecas não queriam ir, prevendo uma cilada, mas Cortés, para não demonstrar medo, entrou em Cholula. A princípio tudo correu bem, até que começaram a faltar viveres. Dona Marina, por meio de uma cholulana sua amiga, descobriu uma conspiração para exterminar os europeus à traição. Tudo estava preparado: tinham-se acumulado pedras no alto das casas, as mulheres e crianças em sua maioria tinham sido retiradas, e guerreiros haviam-se concentrado na cidade.
Cortés prendeu os principais chefes cholulanos e, para causar terror aos índios e prevenir novas traições, imitando a tática usada por São Fernando de Castela em suas lutas contra os mouros, resolveu castigar severamente a cidade. Durante dois dias os vencedores saquearam-nas e dizimaram seus habitantes. Os astecas que tinham promovido a cilada se refugiaram numa torre, onde morreram queimados com exceção de um só, que se rendeu.
Cortés mandou, a seguir, libertar os líderes de Cholula e os responsabilizou pelo massacre. Obrigou-os a fazerem as pazes com os tlascaltecas, seus inimigos tradicionais.
O castigo dos cholulanos e o ódio aos astecas levaram muitas tribos dominadas por estes últimos a se entregarem ao Conquistador, que era recebido como verdadeiro libertador. De toda parte os caciques vinham oferecer-lhe auxilio. Tescoco, a maior cidade do Império, aderiu aos espanhóis.
Moctezuma havia feito uma derradeira tentativa de impedir o avanço dos cristãos, enviando-lhes desta vez seu próprio irmão com ameaças e presentes. Cortés repetira que não desistiria de ir a Tenochtilan qualquer que fosse o perigo. Além disso, quanto mais se aproximava, mais presentes recebia, coisa que naturalmente o incitava a prosseguir. Moctezuma então cedeu inteiramente, e convidou os estrangeiros a virem até a capital.
Uma pequena tropa de 450 soldados
Finalmente, avistaram os cristãos, do alto das montanhas, no meio de um lago, a cidade, misteriosa de Tenochtitlan. Seu aspecto fabuloso causou profunda impressão aos soldados. Ali estava com seus palácios, «teocalis» e pontes, México, meta de todo o seu esforço.
Bernal Diaz, membro da expedição, assim descreve os sentimentos dos europeus:
«Nossa admiração crescia, e falávamos uns com os outros dizendo que tudo aquilo se parecia com os palácios encantados do livro de Amadiz de Gaula, tão altos, soberbos e magníficos se elevavam sobre as águas os templos, as torres e os edifícios do governo, com sua arquitetura de pedra maciça; e alguns chegavam a afirmar que tudo não passava de sonho. O assombro crescia a cada hora, e não creio que antes desse tempo se tivessem descoberto terras que possuíssem tais magnificências. Não menor era o assombro dos mexicanos. A estrada não era bastante larga para conter a multidão que saía da cidade para ver-nos, e apenas podíamos mover-nos. Além disso, viam-se todas as torres e templos cheios de espectadores e todo o lago cheio de canoas, com curiosos que se maravilhavam de ver pessoas como nós e cavalos que nunca tinham visto. Quando contemplamos toda aquela admirável magnificência, não sabíamos o que dizer e duvidávamos se tudo o que víamos era real ou sonho. Aqui se deparava uma serie de grandes cidades em terra, ali se erguiam várias na água; uma grande multidão de embarcações vogava em torno de nós; de quando em quando parávamos numa ponte e diante de nós se estendia a grande cidade do México com todas as suas grandezas, e nós que isto víamos e cruzávamos entre as multidões inumeráveis éramos uma pequena tropa de quatrocentos e cinquenta homens e nossa cabeça estava ainda cheia das advertências dos tlascaltecas, sobre a astúcia dos astecas. E pergunto: houve jamais homens que empreendessem uma tão ousada aventura?»
Terminava, assim, a primeira parte da conquista do México. Ao relatá-la, pudemos ver até que ponto Cortés e seus homens estavam penetrados de espírito católico. Eles eram espanhóis do inicio do século XVI, nascidos quando a Idade Média não morrera de todo — principalmente na Espanha — e os novos modos de ser começavam a se afirmar. Manifestava-se neles um pouco daquela sede de prazer e riqueza que pôs fim aos chamados séculos de fé; mas, ao mesmo tempo, iluminavam-nos os últimos fulgores das virtudes que tinham feito a gloria da Cavalaria. E pela grandeza desses conquistadores, já com tantas lacunas, podemos avaliar a de seus antepassados medievais, filhos fiéis da Santa Igreja e da civilização cristã.
«Dedicação e Zelo, Caridade e Fortaleza»
Tendo ascendido ao sólio de São Pedro Sua Santidade o Papa João XXIII, desejou o Exmo. Revmo. Sr. Bispo Diocesano, D. Antonio de Castro Mayer, ofertar ao novo Pontífice sua Carta Pastoral sobre Problemas do Apostolado Moderno. Assim, enviou um exemplar de seu trabalho ao Santo Padre, acompanhando-o da seguinte carta:
"Beatíssimo Padre,
Humildemente prostrado aos pés de Vossa Santidade, imploro, súplice, que benignamente Vos digneis aceitar a oferta de um exemplar da Carta Pastoral que escrevi para a edificação do rebanho que me foi confiado pelo Vigário de Jesus Cristo.
Uma só coisa tive em vista ao escrevê-la: oferecer aos fiéis um comentário, adaptado à sua mente, da doutrina dos Romanos Pontífices sobre o apostolado hodierno.
Em espírito de filial piedade e irrestrita obediência, submeto agora, com a maior devoção, esse comentário ao augusto juízo de Vossa Santidade, pedindo confiantemente a Benção Apostólica para mim e minhas ovelhas.
De Vossa Santidade
servo humílimo,
† Antonio de Castro Mayer,
Bispo Diocesano de Campos.
Campos, 4 de julho de 1959".
Por meio da Nunciatura Apostólica, S. Excia. Revma. vem de receber do Exmo. Revmo. Mons. Angelo Dell'Acqua, Substituto da Secretaria de Estado, esta resposta que exprime o benévolo e paternal acolhimento do Santo Padre:
"Vaticano, 19 de agosto de 1959.
Exmo. Revmo. Senhor,
Com sincera alegria, comunico-vos que um exemplar de vossa Carta Pastoral chegou recentemente ao Augusto Pontífice, a quem o oferecestes com espírito e sentimentos de filho muito respeitoso.
O Beatíssimo Padre recebeu com benigno prazer este testemunho de fidelidade, e bem assim agradou-Se muito da carta, cheia de reverencia, que vinha anexa. Por essa carta, percebeu bem com quanta dedicação e zelo, com quanta caridade e fortaleza instruis e governais o rebanho a vós confiado.
Por isso, rogando instantemente a Deus Onipotente por vós e vossos trabalhos, para que Ele vos seja um auxilio continuamente presente, Sua Santidade, em penhor de paterna benevolência, os envia, a vós e aos vossos Sacerdotes e fiéis, de coração, a Benção Apostólica.
Ao vos comunicar estas coisas, alegro-me de me professar com a maior estima,
de Vossa Excelência
devotíssimo
† A. Dell'Acqua, Substituto".