“Estudios Teologicos y Filosoficos”
Paulo Corrêa de Brito Filho
“Catolicismo" se rejubila toda vez que aparecem outras publicações católicas consagradas à mesma tarefa em que nos empenhamos, de um sólido esclarecimento doutrinário. Tarefa cuja suma importância é desnecessário frisar, à vista da atual confusão de idéias.
Animados de tais sentimentos, queremos fazer algumas breves considerações sobre o primeiro número (janeiro-abril de 1959) de uma revista de alto nível intelectual, lançada pelos Revmos. Padres Dominicanos da Província de Buenos Aires: "Estudios Teologicos y Filosoficos".
Essa publicação representa uma vigorosa afirmação do genuíno pensamento de São Tomás, tanto no plano teológico, quanto no filosófico, e vem beneficiar a cultura não somente da nação irmã, mas de toda a América Latina.
Lemos na apresentação da revista: "A fidelidade à Verdade católica é algo consubstancial em nosso povo; afirmamo-lo apesar da ação deletéria da cultura oficial. Nosso povo é católico, tanto pela origem remota — a colonização e a conquista hispânica, como por sua origem próxima — o caudal imigratório, que tem sido e é católico. Na hora atual é esse um Catolicismo ameaçado e deve defender-se; por isso o papel dos intelectuais católicos é de primeira importância. Devemos conservar intacto o amor pela verdade, a fidelidade aos valores da Revelação: Veritas liberabit vos".
Essas palavras, mutatis mutandis, não poderiam ser aplicadas com igual justeza à situação brasileira, como à de qualquer país latino-americano?
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Todos os artigos da revista são de grande densidade intelectual, que bem atesta o valor do seu corpo de redatores e colaboradores. Por outro lado — e isto é ainda mais importante — o leitor percebe em cada página a segurança dos princípios. Nos mais diversos assuntos teológicos e filosóficos abordados, como os dons do Espírito Santo, o conhecimento intelectivo, a lógica, sente-se a continua presença do Doutor Angélico. Dentre as excelentes colaborações publicadas nesse primeiro número, merece especial menção o trabalho do Revmo. Frei Domingos Renaudière de Paulis, O. P., sobre a "Fé e os Dons". É uma crítica original e procedente da sentença do Cardeal Caietano, sobre os atos secundários da fé teologal.
Este célebre comentador de São Tomás sustenta que o próprio crer ou assentir sobrenatural procede, com uma perfeição já consumada, da virtude da fé, não podendo ser aperfeiçoado pelos dons intelectuais. Admite, então, a existência de atos secundários na própria estrutura da fé sobrenatural, os quais possuiriam um início de perfeição que se consumaria nos dons do Espírito Santo.
Essa distinção é desconhecida em São Tomás. De fato, embora ele distinga explicitamente o ato de fé e o ato dos dons intelectuais, não os separa como atos paralelos sem unidade orgânica. Pois, no Doutor Comum, ao ato de fé corresponde apenas o assentimento sobrenatural às verdades reveladas, e o aperfeiçoamento desse ato, na linha da eficácia intelectual, compete aos dons da inteligência e sabedoria. Não existe, portanto, segundo São Tomás, um ato de fé secundário cuja incoação pertença à fé e a consumação aos dons intelectuais. Todo ato de fé atinge sua perfeição mediante a ação dos dons do Espírito Santo.
Não há negar que a concepção do Angélico dá unidade e organicidade à atividade da alma elevada pela misericórdia divina com as virtudes e dons sobrenaturais. Ao passo que a interpretação de Caietano introduz, como muito bem comenta o articulista, um "doloroso desmembramento" da fé e dos dons, que marcou na história da teologia mística o início de um "peregrinar sem rumo".
Esse artigo é, sem dúvida, uma preciosa contribuição aos estudos teológicos da atualidade.
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Uma secção da revista —"Notas e Comentários" — apresenta-nos substanciosa colaboração sob o título "Deus e a liberdade religiosa", além de uma pertinente crítica à recente obra do Revmo. Pe. J. Daniélou, S. J., "Théologie du Judéo-Christianisme".
Por fim, temos uma crônica da IV Semana de Filosofia Tomista, promovida em outubro de 1958 pela Comunidade Dominicana de Buenos Aires e pela Sociedade Tomista Argentina de Filosofia.
Seis conferencias foram pronunciadas nesse certame, versando o tema geral — "Conhecimento e apetição", e a densidade delas pode-se claramente perceber através das sínteses que a crônica oferece aos leitores.
No ato de abertura da Semana, o Secretario da Sociedade Tomista Argentina de Filosofia, Revmo. Pe. Dr. Julio Meinvielle, um dos mais insignes pensadores argentinos, proferiu oração da qual destacamos as seguintes palavras: "Aqui entre nós, tem dominado um tomismo que nos vem de João de São Tomás, via Maritain e Garrigou-Lagrange. E agora torna-se necessário beber o tomismo diretamente no próprio São Tomás. Esta é uma mente tão preclara, tão excepcional na história do pensamento humano, que não admite fáceis intérpretes". Sabia advertência que vale também para o Brasil, onde, infelizmente, vulgarizadores (para não dizer deturpadores) da obra do Angélico encontram tanta voga junto a espíritos superficiais...
O artigo sobre a fé e os dons, acima referido, é uma prova palpável de que a fidelidade ao genuíno São Tomás, longe de entravar o progresso das ciências teológica e filosófica, representa a única trilha segura para tal desenvolvimento e para se atingir, de fato, a verdade.
ESCREVEM OS LEITORES
Exmo. Revmo. Sr. D. Julio Mattioli, O. S. M., DD. Bispo titular de Lacedemonia e Prelado do Acre e Purus, Rio Branco (Terr. do Acre): "Queira aceitar a pequena importância de uma assinatura de Benfeitor, como prova de minha admiração pela brilhante e intrépida revista Catolicismo.
E, com a minha benção, os votos também de que possa crescer dia a dia mais".
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Revdo. Clérigo Expedito de Moura Castro, Seminário Maior "San Jeronimo", La Paz (Bolívia): Com grato prazer escrevo as minhas melhores impressões, para uma melhor difusão deste ótimo jornal.
Recebi já três números do Catolicismo; li-os e admirei-os; não quero absolutamente exagerar em dizer que é um dos melhores jornais que temos em nossas bravas terras brasileiras, por estar caprichosamente amoldado à nossa mentalidade. Depois de lido e relido, também pelos meus colegas bolivianos, mando-o a uma senhora brasileira, residente nesta capital, a fim de que aproveite deste nobre mestre apologético da nossa fé. Assim este formidável jornal vai se introduzindo de lar em lar,...
Apresento-lhes os meus melhores augúrios para o êxito do mesmo".
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D. Lygia Porto, Ipameri (Est. Goiás): "Há dois, anos sou leitora assídua do Catolicismo e cada vez admiro e prendo-me mais à sua leitura, e, assim sendo, comentei a respeito com um parente, o qual logo pediu-me um exemplar para ler.
Leu, gostou e deu-me o dinheiro da assinatura para que o enviasse,..."
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Sr. José Pedro de Noronha Dias, Campos: “... o nosso mensário Catolicismo, orgulho dos católicos da nossa Campos".
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Sr. Luiz Mauricio Gomes Morgado, Sorocaba (Est. São Paulo): "Li o jornal Catolicismo..., fiquei profundamente admirado com o esplendor da lógica e linguagem com que são tratados os assuntos religiosos; sem ser jornalista, teólogo ou filósofo, posso dizer, com o pouco conhecimento que tenho, que apesar de ser leitor assíduo da imprensa católica, pouco ou nenhum jornal li, que tivesse tratado de assuntos tão importantes, com a linguagem e conhecimento que o caracterizam".
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Sr. Vauderlindo de Matos, Montes Claros (Est. Minas Gerais): "Lendo eu, pela primeira vez, este mensário, sendo suas explicações muito importantes, gostaria de assiná-lo durante pelo menos um ano... Estudo no Colégio Diocesano Nossa Senhora Aparecida, em Montes Claros".
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Sr. Itagyba Motta, Belo Horizonte (Est. Minas Gerais): "Tenho recebido normalmente Catolicismo e torna-se inútil e dispensável, sobre tão brilhante órgão, qualquer comentário".
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Sr. Alvaro Henriques de Carvalho, Rio de Janeiro (D. Federal): "Em cada leitura de Catolicismo colho ensinamentos sãos e prazer intelectual".
AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES
"Se Oriente e Ocidente se unirem fora da Igreja, só produzirão monstros"
Plinio Corrêa de Oliveira
A perspectiva da realização do próximo Concílio Ecumênico, a tensão das relações sino-hindus, os ecos da recente visita de Kruchev aos Estados Unidos, mil outras circunstâncias enfim, põem em relevo cada vez maior o problema dos intercâmbios culturais, políticos e econômicos entre o Ocidente e o Oriente.
No campo da cultura, há um princípio fundamental a lembrar. As diversidades entre os povos são um bem. Elas correspondem, no plano humano, às imensas e harmoniosas diversidades com que Deus enriqueceu o universo, diversidades estas que constituem precisamente um dos maiores encantos da criação. Assim, as relações entre o Ocidente e o Oriente não devem visar uma insípida e banal uniformização. Elas supõem, pelo contrário, que o Ocidente continue bem Ocidente, e o Oriente bem Oriente. Trata-se, isto sim de estabelecer um convívio harmônico entre um e outro, o que certamente se pode obter mostrando quanto as diversidades legítimas levam os povos a se completarem reciprocamente, realizando aquela unidade que é outra grande nota da perfeição do universo segundo os planos da Providência.
Nosso primeiro clichê é uma prova palpável disto. Apresenta ela uma das obras de arte mais grandiosas e características do Oriente: o templo de Angkor Vat, na Cambodgia, que data da primeira metade do século XII. Ele se compõe essencialmente de uma pirâmide adornada de cinco cúpulas. A do centro tem a altura de 65 metros, aproximadamente a das torres da Catedral de Notre-Dame de Paris. A área ocupada pelo monumento é de cerca de 80 hectares. Se o edifício fala muito à imaginação, e a este título representa muito bem o gênio oriental, ele também se distingue por uma simetria que o torna muito grato ao gosto ocidental. De algum modo pode-se dizer que é uma obra de arte em que as melhores qualidades de uma e de outra parte do mundo se encontram, e na qual se evidencia como as características de alma de todos os povos cultos, longe de levar à incompreensão e à guerra, são susceptíveis de se harmonizarem de modo esplêndido e profundo.
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Mas se isto é verdade em relação ao Oriente e ao Ocidente autênticos, essa verdade não pode ser admitida sem algumas restrições. A paz é a tranquilidade da ordem. E a verdadeira ordem humana não pode ser plena nem durável longe de Nosso Senhor Jesus Cristo.
Certamente, o Oriente e o Ocidente são diversos e afins quanto a suas qualidades. Mas o fruto das relações ente um e outro, postos longe de Cristo e contra Ele, só pode ser a incompreensão, o alheamento mútuo, e por fim a luta. E por isto as verdadeiras esperanças de paz repousam em Nosso Senhor Jesus Cristo. Em discurso recentemente pronunciado ante o terceiro congresso nacional dos estudantes católicos da Índia, Sua Eminência o Cardeal Valeriano Gracias citou neste sentido as esplêndidas palavras do pensador John Wu: "O verdadeiro Oriente e o verdadeiro Ocidente só podem ser procurados em Jesus Cristo. Se o Oriente não encontrar o Ocidente em Cristo, jamais encontrara nem amará o Ocidente. Se o Ocidente não encontrar o Oriente em Jesus Cristo, jamais encontrará nem amará o Oriente. Se o Oriente se ocidentalizar, fora de Cristo, tornar-se-á pior do que o Ocidente. Se este se orientalizar fora de Cristo, tornar-se-á pior do que aquele. Se o Oriente e o Ocidente se unirem fora da verdadeira Igreja, em um momento de entusiasmo, tal união não durará, e só produzirá monstros. O Oriente e o Ocidente só se amarão, verdadeiramente, unidos a Cristo e amando a Cristo" ( apud "Missions Etrangères", Paris, junho 1959 ).
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Em Samarkand, na Rússia, Nehru e sua filha, Sra. Indira Gandhi, visitam um monumento cujo pórtico, finamente decorado, exprime autenticamente o gosto da civilização maometana. Mas há um violento contraste entre os personagens e o ambiente em que se encontram. Nehru, inimigo da cultura maometana, sua filha em traje hindu, mas trazendo na mão uma máquina fotográfica, e a respectiva caixa a tiracolo, por detrás uns acompanhantes - turistas, funcionários, detetives, seria difícil qualificá-los - em indumentária ocidental. Não há aí encontro harmonioso entre culturas diversas, mas estridência, discrepância, contradição. Por que?
Mesclas como essa são frequentes em todos os lugares onde há turistas, e nos quais se reúnem os restos das mais diversas e até antagônicas civilizações, sob a ação niveladora e estandardizadora do cosmopolitismo. Todas as diversidades afiguram-se então anacrônicas e inautenticas, e a única solução parece ser a absorção de todos em uma monstruosa fusão de povos, raças e tradições, para a formação da república universal construída com o material de demolição de todas as Pátrias.