A NOVÍSSIMA ARMA DA ESTRATEGIA SOVIÉTICA
(continuação)
fosse um perfeito gentleman, afável, honesto e simpático.
Porque o primeiro-ministro soviético não seria, ele também, um comunista assim? Haveria razões para tal hipótese. O noticiário publicado por ocasião do desaparecimento de Stalin insinuava que a era sangrenta do comunismo se encerrara com a morte trágica e misteriosa do famoso ditador. Depois dele, teria havido uma luta confusa entre partidários da violência e da brandura. A queda de Malenkov ( violência ) teria sido na Revolução russa o que foi a liquidação dos restos do jacobinismo ( violência ) durante a Revolução Francesa.
Agora, K. ( brandura ) estaria dando à Revolução soviética uma feição menos desgrenhada, hirsuta e suja. Ele representaria a fase bonapartista que certamente nos parece um tanto rude, mas que em comparação com o Terror foi uma era idílica de paz e suavidade.
Alguns vislumbres de tudo isso poderiam ser talvez mencionados. Uma tal ou qual reabertura do culto na Rússia, a tentativa de conciliação entre o Episcopado polonês e o governo Gomulka pareciam demonstrar a possibilidade de uma liberdade religiosa restrita, mas preciosa, em regime comunista.
É verdade que o caso húngaro, com todo o despotismo e o furor anti-religioso que demonstrou, parecia desmentir esses vislumbres. Pois seria impossível explicar tanta ferocidade em gente tão branda. Acresce que vislumbres são em última análise conjeturas fundadas em tênues aparências, que não podem servir de base para nenhuma política séria.
O que é mais, esses vislumbres são contraditórios e, em alguma medida, até absurdos.
Com efeito, um dado permanece inalterado no panorama russo. K. e seus companheiros continuam explícita e categoricamente comunistas, com toda a carga de ateísmo que o fato comporta. Uma moral sem Deus não tem consistência. Acresce que, como é sabido, o comunismo repudia toda moral como um preconceito burguês. Para ele, até os piores meios são lícitos para chegar à abolição de todos os cultos, à supressão de todos os Estados, à extinção da família e da propriedade e à implantação da ditadura do proletariado no mundo inteiro. E entre esses meios, um dos que têm sido mais usados é a mentira.
Se tal é o escopo necessário, congênito e natural do comunismo, é impossível não suspeitar — e com que abundância de razões — que todos esses vislumbres não passam de uma imensa comédia para entorpecer a reação do Ocidente, tornando-o imprevidente e adormecendo-o para melhor lhe desferir o grande golpe final.
Mas isto que um observador atento, refletindo em seu gabinete de trabalho, pode ver, é pouco acessível ao grande público. Que meios pode haver, para exigir tanta lógica da parte de uma opinião pública exausta, imersa na confusão e traumatizada por tantas causas de apreensão?
Nas épocas de decadência as massas crêem facilmente nos mistificadores que lhes apresentam como realidade mentiras que elas desejariam que fossem verdades.
Ademais, nos setores de opinião mais diretamente interessados em desmentir essas ilusões, há muito tempo uma propaganda insidiosa vem minando em boa parte as certezas e as energias que são o pressuposto de toda resistência. De um lado, as famosas tendências de colaboração entre comunistas e não comunistas tomaram um caráter doentio em muitos homens que o Emmno. Cardeal Ottaviani chamou "pequenos comunistas de sacristia" (). De outro lado, toda uma literatura "social" muito disseminada na melhor burguesia tem insistido tão unilateralmente sobre os incontestáveis e censuráveis excessos do regime capitalista, que acabou dando a muitos proprietários um como que complexo de culpa em face das exigências comunistas.
Perdoem-nos os leitores se empregamos aqui a bela e nobre palavra "social" de maneira tão genérica e abusiva. Bem como se usamos a expressão de execrável sabor freudiano "complexo de culpa". É o único modo de fazer sentir certas realidades.
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Como se vê, toda uma longa ofensiva psicológica precedera a viagem de K. Tomando esta como elemento de análise, percebe-se que cada um dos gestos, cada uma das palavras do ditador teve por efeito levar ao máximo esta propaganda.
É o que passaremos a mostrar.
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K. quis se fazer ver como um homem rude e simples, ao mesmo tempo bonachão se bem tratado, e perigoso se abordado de maneira pouco psicológica. Mantendo-se declaradamente marxista e fazendo até propaganda ostensiva e provocante de seu regime, procurou ele esvaziar de todo conteúdo ideológico a linha divisória entre Oriente e Ocidente, apresentando a grande divergência como se ela girasse apenas em torno da abundância e do baixo custo da produção. E por fim quis fazer supor que na Rússia a vida dos particulares é juridicamente segura e tranquila como nos regimes ocidentais.
Em suma, a visita de Kruchev foi um grande show destinado a completar a desmobilização psicológica do Ocidente que há tantos anos vem sendo cuidadosamente preparada.
Um homem prevenido vale por dois, diz o velho provérbio. Mas se esse homem, além de desprevenido, está confiante em seu adversário, se sobre ele baixa uma bruma de confusão em que se sente desnorteado, extenuado e amedrontado, então este infeliz não vale nem por meio homem. Em suas mãos até as melhores armas e os maiores tesouros não passarão de inócuos brinquedos.
Vendo tantos países, tantos povos, tantas cidades que, em medida maior ou menor, se estão deixando enlear por essa manobra, parece-nos que um imenso lamento se desprende de todos eles. É o lamento do fraco que procura iludir-se, mas que chora no segredo do seu coração, porque não consegue crer em sua própria mentira. As palavras da Liturgia nos vêm então à mente: "Tribulationes civitatum audivimus, quas passae sunt, et defecimus: timor et hebetudo mentis cecidit super nos, et super liberos nostros" ( responsório do 3° noturno do 3° dom. de set. — brev. rom. ).
Porque pôr em evidência verdade tão brutalmente cruel? Qual o sentido construtivo de uma análise tão pavorosamente sombria?
À maneira de resposta o texto sagrado continua: "Domine, miserere! Peccavimus cum patribus nostris, injuste egimus, iniquitatem fecimus. Domine, miserere!" ( ibid. ).
"A Rússia espalhará os seus erros" se o mundo se mantiver indiferente à mensagem de Fátima. Disse-o Nossa Senhora. Se pelo menos agora soubermos reconhecer nossas faltas e emendar-nos, ainda será tempo.
É o sentido profundo deste artigo.
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Analisemos agora o show de Nikita Kruchev. Antes de tudo, o homem bonachão. Desembarcando risonho, apesar de certa gravidade do semblante de Eisenhower, K. riu e timbrou em fazer rir, durante toda a sua estadia, como um bom companheiro gorducho e inofensivo. É, como dissemos, a nova face da propaganda comunista. Foram tantas as demonstrações nesse sentido, que escolhemos apenas alguns exemplos entre os despachos publicados pela imprensa diária.
No banquete oferecido pelo prefeito de Nova York, o ditador alcançou um "êxito estrondoso", porque "conseguiu derrubar as barreiras da diferença de idiomas, mantendo a assistência sempre rindo e aplaudindo". Tudo "era dito com tanta personalidade, gestos habilidosos e sorrisos simpáticos, que o público ficou profundamente impressionado". Citamos o correspondente de um grande matutino paulistano.
Nem todas as brincadeiras foram de bom gosto. Assim, quando K. subia ao 35° andar do Hotel Waldorf-Astoria, o elevador se deteve, por um defeito da máquina, no 30° pavimento. K. subiu então cinco andares a pé. E, como o embaixador Cabot Lodge, que o acompanhava, se manifestasse cansado, Kruchev comentou: é um típico exemplo do mau funcionamento do sistema capitalista.
Visitando a estação experimental de agronomia de Beltsville, nos arredores de Washington, o líder vermelho se defrontou com um professor, homem bastante magro, e lhe deu uma cotovelada amigável, comentando: "Eu poderia competir com você".
Almoçando em São Francisco com os dirigentes sindicais da A.F.L.-C.I.O., deu uma demonstração de "cancan" tão anatômica e vulgar, que em lugar de divertir até chocou seus comensais.
Ainda em São Francisco, reduziu a disputa entre Ocidente e Oriente ao caso de uma garça e uma galinhola, cada uma das quais não podia- compreender porque a outra habitava respectivamente no pântano e no bosque.
Viajando de trem entre São Francisco e Los Angeles, aproveitou todas as paradas para descer na estação e apertar a mão dos populares que encontrava na plataforma. O mesmo fez com todas as pessoas que encontrou no Hotel Plaza em São Francisco.
Em Des Moines, resumiu o problema da coexistência ao seguinte: "Os porcos soviéticos e os porcos americanos podem e sabem coexistir pacificamente. Porque não imitá-los?"
No jantar que lhe ofereceu o Presidente Eisenhower, o casal Kruchev apareceu em traje de passeio, enquanto o chefe do executivo norte-americano e sua esposa vestiam-se a rigor. K. teve assim uma atitude grosseira, que, entretanto, repercutiu em certos ambientes como manifestação de uma simplicidade cheia de condescendência e bondade.
Enquanto comia na companhia de Cabot Lodge, Nikita, que se revelou um grande apreciador de cachorro-quente, disse ao diplomata: "Capitalista, come o teu cachorro-quente".
Estas e outras atitudes fizeram os norte-americanos rir longamente a respeito de K. E, como se sabe, quem ri se distende.
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O ianque médio não acredita que um homem autenticamente bondoso possa ser ao mesmo tempo um adversário militante da religião. Tolera de muito bom grado o indiferentismo, não compreende o anticlericalismo ou o ateísmo agressivo. Ainda nesse ponto K. mostrou a nova face propagandística do marxismo, referindo-se a Deus, a Jesus Cristo e à Bíblia, em termos de uma neutralidade ambígua, diversa sob alguns aspectos da sanha anti-religiosa do comunismo staliniano. Correspondeu a isto uma certa pretensão moralística desse fogoso expoente de uma doutrina que prega o amor livre. Em Los Angeles, verberou severamente o "cancan". Viajando com sua esposa, que evidentemente não tem pretensões de beleza nem elegância, K. se fazia ver no papel de pai de família conservadora e pacata, e a Sra. Krucheva contrastava com tantas esposas e mães que, no Ocidente, ostentam atitudes mais próprias a um país que admitisse o amor livre.
Uma fotografia da Sra. Krucheva considerando em um museu uma imagem da Mãe de Deus dava certa impressão ( sempre a técnica dos vislumbres: a visitante foi fotografada de costas ) de simpatia e até de piedoso recolhimento.
Num banquete, K. declarou: "Queremos construir uma sociedade semelhante à preconizada por Cristo. Se vocês estudarem as nossas aspirações, verão que já adotamos muitos preceitos de Cristo, tais como o de amar ao próximo".
Em visita a um fazendeiro, Kruchev disse-lhe: "Deus vos ajudou muito, dando-vos uma boa terra. Mas não julgueis que sois os únicos aos quais ele ajuda. Nós nos desenvolvemos mais rapidamente, e assim julgamos que ele está de nosso lado".
E, assim, os observadores contaram mais de quarenta ocasiões em que o ditador soviético citou o nome de Deus.
Em que espírito foram feitas tais citações? Sem nenhum sentido de afirmação religiosa. O que faz lembrar o 2° Mandamento: "Não tomar o santo nome de Deus em vão".
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De vários modos, K. exprimiu o aborrecimento que lhe causavam as questões ideológicas. Chegou mesmo a dizer que tinha mais facilidade de contacto com os plutocratas consagrados aos negócios, do que com pessoas de outras camadas sociais que vêem problemas doutrinários como obstáculos à normalização das relações entre o Oriente e o Ocidente. Foi frisante a diferença entre a ternura dos contactos de Kruchev com os capitalistas e o incidente violento que se produziu, durante um almoço, entre ele e os grandes líderes sindicais. É que estes últimos, em lugar de falarem de compra, venda ou câmbio, situaram a conversa num terreno que, sem ser propriamente filosófico, tem certo caráter doutrinário: se o dirigismo é mais propício do que a livre-empresa para a produtividade do trabalho operário. A conversa degenerou em atrito sério. Foi talvez o mais sério dos que houve com K. nos Estados Unidos.
A imagem dos dois porcos, que há pouco citamos, bem exprime o materialismo cru do visitante vermelho, o que aliás está na mais inteira consonância com a doutrina comunista. Obstinando-se em situar só neste terreno os problemas da hora, K. tenta eliminar, como superadas, todas as resistências ideológicas que possa encontrar. Ficando tudo reduzido ao que os alemães chamam uma "margen frage", uma questão de estômago, se se puser a alternativa entre uma guerra tremendamente ruinosa ou uma capitulação ante o comunismo, é claro que será preferível capitular. É para esta ignomínia que o astuto tirano vai assim preparando a mentalidade do Ocidente.
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Mas, ao mesmo tempo em que fingia desprezar os problemas ideológicos, foram sem conta as ocasiões em que K. propôs um intenso intercâmbio cultural com os norte-americanos. Para os espíritos ingênuos, desde que houvesse reciprocidade nessa osmose cultural, daí só poderiam resultar vantagens. O comunismo é errado, logo não há risco de que os ianques o aceitem. Os valores afirmados pelo Ocidente são verdadeiros, logo tudo leva a crer que os russos os aceitarão.
Mas isto não é senão a quinta-essência do liberalismo, que abstrai do pecado original, e imagina o homem sempre infenso ao erro e propenso à verdade. K. sabe muito bem quantas possibilidades de êxito têm as doutrinas subversivas. De outro lado, pode calcular quantos fermentos deletérios já estão encaminhando para o comunismo a cultura do Ocidente. Por fim, ele não tem nenhum propósito sério de permitir aos norte-americanos uma difusão cultural eficiente e em larga escala em terras soviéticas. Assim, o que as relações com a Rússia têm de pior, isto é, a contaminação ideológica, vai sendo preparada de modo sempre mais eficiente.
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Parecido com um urso a tantos títulos, maciço, de olhos vivos, sabendo ser meigo, e até dançar jovialmente, K. também mostrou ter, como o urso, súbitos e terríveis furores. Brigou quando lhe falaram da Hungria, quando lhe falaram da liberdade de pensamento na Rússia, e em outras ocasiões ainda. Ameaçou até de interromper a sua visita e voltar a Moscou. Como dissemos, fazia isto parte do jogo. Quanto mais nosso pobre Ocidente, aviltado pelo neopaganismo e intoxicado pela mania de gozar a vida, tiver medo de K.—fera, tanto mais será propenso a acreditar no mito de K.—bonacheirão.
E, assim, essa visita, por si só, derrubou mais barreiras e abriu mais campo para as manobras com que o comunismo prepara o golpe supremo, do que anos inteiros de diplomacia fria e à distância.
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Não queremos faltar com a consideração devida ao Presidente Eisenhower. Compreendemos que ele tenha querido tratar com o primeiro-ministro soviético. É-nos entretanto inconcebível que ele tenha proporcionado a K. oportunidade tão excelente para esse imenso show. Não sabe o Presidente que não foi propriamente com um representante da nação russa que ele tratou, mas com o chefe de uma gang que tiraniza a Rússia e constitui o maior bando de celerados já conhecido na história? Admitimos que a acolhida a Kruchev tivesse uma certa nota de formalismo diplomático. Mas recebê-lo com a cortesia com que se acolheria um chefe de Estado de mãos limpas, que não tivesse atentado contra todas as leis divinas e humanas, não é positivamente equiparar a verdade ao erro, e ao bem o mal?
Sua Eminência o Cardeal Francis Spellman, Arcebispo de Nova York, falando na Academia do Serviço de Guarda-Costas, em New London, Connecticut, teve essa frase: "É lamentável que o governo tenha decidido acolher com honrarias e recepções, sabotadores que podem trazer em sua bagagem propaganda mais mortífera do que explosivos". É precisamente este o ponto em que mais viva se torna nossa estranheza.
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Terminada a sua visita aos Estados tinidos, K., que a aproveitara para propor demagogicamente a abolição de todos os exércitos, foi participar dos festejos comemorativos do décimo aniversário do regime comunista na China. O fausto das comemorações, a exibição de força a que elas deram ocasião, a presença dos vencidos para aclamar no desfile de escravos o vencedor ( Panchem Lama, capitalistas "regenerados", um "pelotão" de freiras católicas, provavelmente cismáticas ), o fato de que neste mesmo momento a República Popular Chinesa acaba de triturar o Tibet, agride o Laos, e ameaça a Índia, ao passo que a influência soviética se vai tornando sempre mais clara no desventurado Iraque, tudo enfim concorreu para dar a esse grande encontro mundial do comunismo o caráter de uma ameaça terrível, feita ao orbe inteiro.
Das comemorações participava Kruchev, frio, impassível, discretíssimo, segundo o gosto chinês.
É que o palco era outro, e por isso outra era a apresentação do ator...
(1) Ver "Videre Petrum" in "II Quotidiano" de Roma, de 25-I-59 – tradução in "Catolicismo", no. 103 de julho de 1959.
A CONQUISTA DO MÉXICO PARA A IGREJA (II)
“LEMBREI-ME DE QUE SOMOS CRISTÃOS, E ENCHI-ME DE CONFIANÇA”
Orlando Fedeli
Cortés e seus 450 soldados espanhóis se aproximavam de Tenochtitlan, a capital do México; o próprio imperador asteca veio dar-lhes as boas-vindas. Chegou carregado numa liteira, no meio de um cortejo magnífico. Alto, pele clara e cabelos negros, Moctezuma estava ricamente trajado e usava coroa e sapatos de ouro.
Quando desceu da liteira, índios acorreram e desenrolaram tapetes a seus pés, enquanto a multidão prostrava-se para adorá-lo.
Cortés apeou-se e tentou abraçá-lo, mas foi impedido pelos pagãos para que não profanasse a sagrada pessoa do imperador. Com imensa surpresa os astecas viram seu soberano saudar o estrangeiro com o maior respeito, como se este fosse seu superior, e entregar-lhe um rico presente, retribuído com um colar de vidro.
Só então os espanhóis entraram na capital, com música e bandeiras desfraldadas. Como comenta o membro da expedição que já citamos, Berma Dias, Deus é que lhes deu ânimo e forças para penetrarem em Tenochtitlan: cidade lacustre, bastaria cortar as pontes que a ligavam às margens para aprisionar os europeus.
Foram estes alojados num grande palácio que pertencera ao pai de Moctezuma.
Moctezuma, liberal “avant la lettre"
Logo na primeira entrevista com Cortés, o imperador cometeu um erro político imenso que muito favoreceu a conquista. Contou que, séculos atrás, viera do oceano um homem branco, chamado Quetzalcoatl. Governara os astecas e lhes ensinara muitas coisas úteis. Dissera-lhes que haviam um só Deus e condenara os sacrifícios humanos. O povo acabara por expulsá-lo, mas ele, ao partir através do oceano, profetizara que um dia outros brancos reinariam no México. Moctezuma acreditava que Cortés fosse descendente de Quetzalcoatl, e por isto não tinha desejado recebê-lo. Agora, imprudentemente, confessava reconhecê-lo como tal, e portanto como representante do verdadeiro rei do país.
O capitão espanhol declarou que de fato assim era, acrescentando que Carlos V o enviara para converter o príncipe asteca à fé cristã, e desse modo salvar-lhe a alma e o povo; já nesta primeira conversa o imperador prometeu não mais comer carne humana, coisa que até então fazia diariamente.
No encontro seguinte, Cortés insistiu em que seu interlocutor aceitasse o Cristianismo. Moctezuma, como um liberal moderno, com quem muito se parece no modo de agir, ou melhor, de pensar e ceder, respondeu que não gostava de falar de religião: o Deus de Cortés era bom, os deuses astecas o eram também; para que discutir?
Noutra ocasião, o espanhol quis visitar a cidade e seu "teocali" principal. O imperador o acompanhou, pois temia um incidente do seu povo com os estrangeiros. Chegando ao topo da grande pirâmide, perguntou a Cortés se estava cansado e, surpreso, ouviu a resposta de que os europeus nunca se cansavam. O Conquistador queria pedir que esse templo fosse entregue ao culto católico, e o teria feito se o Capelão Olmedo, prudentemente, não o tivesse dissuadido. Contudo, quando viu os ídolos, a pedra do sacrifício, os corações humanos que lá estavam, não se conteve e disse ao imperador que seus ídolos eram demônios. Moctezuma, ressentido, lamentou tê-lo levado até lá.
Sobre o grande "teocali", a imagem da Virgem
A empresa não deveria correr sempre tão facilmente. Certo dia chegou ao quartel de Cortés uma notícia terrível: tinha havido um combate em Vera Cruz. Várias espanhóis tinham morrido; outro, aprisionado, fora sacrificado aos ídolos e sua cabeça fora levada como troféu até o México. O encanto estava rompido; os estrangeiros já não eram considerados deuses. Via-se que podiam morrer como os demais homens. A expedição estava presa no país que invadira: se tentasse sair, os índios veriam que estava amedrontada e atacariam logo; se ficasse, preparar-se-iam melhor para esmagá-la.
A situação era de causar medo aos mais valentes, e ninguém via solução possível. Cortés resolveu então dar mais um golpe de audácia: prender Moctezuma.
Seus homens passaram a noite rezando para que Deus permitisse o êxito da empresa e os salvasse.
Pela manhã, o comandante, com cinco oficiais, dirigiu-se ao palácio imperial. Alguns soldados também foram para lá, como que a passeio, enquanto a tropa ficava no quartel pronta para a luta.
Moctezuma fingiu nada saber do ocorrido em Vera Cruz, e negou sua responsabilidade no caso quando Cortés se queixou da morte de seus homens. Chegou até a dar ordens para prender os culpados. Qual não foi seu espanto quando o Conquistador lhe apresentou um ultimato: por amor à paz, queria que ele se recolhesse ao quartel dos brancos para lá ficar preso como refém; caso contrário, seria morto. Moctezuma protestou irado e repeliu como desonra tal situação. Um oficial espanhol, vendo a discussão prolongar, interrompeu-a dizendo: "Para que palavras? Ou vens conosco voluntariamente ou te matamos". O asteca empalideceu. Começou por oferecer seus filhos como reféns; repelida essa proposta, cedeu de todo. Os espanhóis atravessaram as ruas cercando com cuidado o prisioneiro, que aliás não pensava em fugir e até, acovardado, afirmava a seus súditos que ia livremente visitar seus "hospedes". O perigo imediato fora conjurado; mais ainda, a situação melhorara imensamente com a detenção do imperador.
Cortés exigiu que se prendessem e queimassem os chefes que haviam ordenado a chacina de Vera Cruz. Acendeu-se uma grande fogueira, alimentada com flechas recolhidas em toda a capital. Durante o suplício dos caciques, Moctezuma foi acorrentado, pois ficara provada sua responsabilidade na morte dos cristãos. Ele julgava que também ia ser queimado, porém Cortés o soltou. Satisfeitíssimo, pôs-se a abraçar seu inimigo, que lhe esfriou logo o entusiasmo exigindo que o imperador e os principais astecas prestassem vassalagem a Carlos V. Depois de muita relutância, Moctezuma leu em praça pública, diante de todo o povo, sua submissão ao Rei da Espanha. Como prova de lealdade, ofereceu ao estrangeiro que o prendera um tesouro imenso.
Cortés, como bom católico, pediu mais: queria que se entregasse a grande pirâmide para o culto do Deus verdadeiro, pois não era justo que Este tivesse um altar escondido enquanto os ídolos eram venerados em público.
O asteca, estupefato ante tamanha exigência, protestou que o povo se revoltaria, rogou a Cortés que evitasse a luta que seu pedido ia provocar; afinal chamou os sacerdotes e obrigou-os a satisfazer o desejo do Conquistador.
O grande "teocali" de Tenochtitlan foi purificado, e em sua parte mais alta ergueu-se um altar a Nossa Senhora, onde se celebrou o Santo Sacrifício da Missa.
A Igreja vencia, Maria Santíssima esmagava, por meio de Cortés e de seus homens, o culto diabólico que há séculos dominava o México.
Um adversário (e um reforço) inesperado
Todas estas humilhações iam irritando profundamente os astecas e a revolta tornava-se cada vez mais iminente e perigosa.
Foi então que chegou ao México uma expedição enviada pelo governador Velasques para prender Cortés como rebelde (como vimos, partira ele de Cuba sem licença de seu chefe). Essa expedição constava de oito navios, novecentos homens, oitenta cavalos e muita artilharia. Seu comandante, Narvaez, pediu o auxílio de Moctezuma; Vera Cruz caiu em seu poder e parte da guarnição aderiu ao vencedor.
Cortés, sem hesitar, deixou 150 homens na cidade do México, sob o comando de Alvarado, e partiu com o restante da tropa, cerca de 250 soldados, para enfrentar o inesperado adversário. Tentou evitar a luta oferecendo um acordo, mas Narvaez, certo da vitória, respondeu que comeria as orelhas do traidor. Contudo, seus soldados não alimentavam o mesmo ódio. O Padre Olmedo lhes falara das fabulosas riquezas já conquistadas, e todos esperavam participar delas. Cortés atacou à noite. Chovia. A surpresa do ataque e o ímpeto de suas tropas deram-lhe a vitória. Narvaez foi aprisionado e seus soldados aderiram facilmente ao Conquistador, que pôde assim voltar ao México com mais de mil homens, quase uma centena de cavaleiros e cerca de dois mil índios.
Morreu sem gloria e impenitente
O reforço era mais que necessário, pois em Tenochtitlan a revolta finalmente eclodira. Depois da partida de Cortés, os caciques haviam reunido muitos soldados, a pretexto de festejar o deus da guerra. Alvarado não se deixara surpreender e atacara-os de improviso, matando muitos chefes. A luta se desencadeara, e só se interrompera por intervenção de Moctezuma. Os índios cercaram então o quartel dos cristãos, para reduzi-los pela fome. Quando Cortés chegou, permitiram sua entrada na cidade; depois cortaram as pontes e o combate recomeçou com violência. Os índios, em desespero, chegavam a enfrentar os canhões sem se importarem com as enormes brechas que estes abriam em suas fileiras. Pedras e flechas caiam como granizo sobre os espanhóis. Casas próximas ao seu quartel foram incendiadas. Tambores enormes, no alto dos "teocalis", atroavam continuamente chamando os guerreiros para a luta. No segundo dia de combate, Cortés fez colocar os canhões em bateria e os disparou à queima-roupa sobre a multidão que se aproximava; em seguida, a cavalaria fez uma sortida. A mortandade foi imensa, mas pouco adiantou, pois que o número de astecas lhes permitia reconstituir facilmente suas fileiras, e poderiam dar mil homens pela vida de um branco. Cortés foi obrigado, no fim do dia, a abandonar tudo o que conquistara ao redor do quartel. Alguns soldados aprisionados foram levados para o alto da pirâmide e ali sacrificados aos deuses.
Compreendendo que não podiam continuar lutando assim, no terceiro dia os sitiados obrigaram Moctezuma a falar a seus súditos. Depois de certa resistência ele concordou, e do alto do quartel espanhol dirigiu a palavra aos astecas, que ao vê-lo fizeram silêncio completo.
Seu discurso foi covarde: "Porque encontro meu povo em armas contra o palácio de meus pais? É porque acreditais que eu, vosso soberano, sou prisioneiro e desejais libertar-me? Estais enganados: não sou prisioneiro, os estrangeiros são meus hospedes; estou entre eles por livre vontade e posso deixá-los quando quiser. Viestes para expulsá-los da cidade? Não é preciso, pois querem ir embora, se lhes permitirdes sair. Assim, pois, voltai para vossas casas, deponde as armas. Mostrai-me a obediência a que tenho direito. Os brancos partirão e tudo voltará a correr bem dentro dos muros de Tenochtitlan".
Um clamor enorme se levantou e os índios começaram a vaiar o imperador. Pedras foram lançadas contra ele, que, atingido, caiu por terra. Os espanhóis recolheram-no, cuidaram de seu ferimento, mas quando voltou a si e lembrou-se do que sucedera, ele arrancou os curativos e num silencio triste e desesperado aguardou a morte. Recusou o batismo apesar de todas as instancias de Cortés. Foi a única coisa em que não cedeu. Homem fraco e sem
A luta na capital do México vista por um artista da época («Lienzo de Tlaxcala»): 1°) espanhóis e tlascaltecas sitiados no palácio do pai de Moctezuma; 2°) o assalto ao grande “teocali”; 3°) do alto das casas, pedras e flechas caiam como granizo sobre os invasores; 4°) estes tentam se retirar atravessando o canal; 5°) preparando a retomada da capital, Cortés domina as cidades vizinhas; 6°) um bergantim em ação contra os barcos astecas; 7°) Cortés recebe com todas as honras o imperador derrotado.
(continua)