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A tormentosa questão dos Padres-operários acaba de ser resolvida pelo Santo Oficio, com sabedoria, força e suavidade. Essa solução foi aprovada por Sua Santidade o Papa João XXIII, gloriosamente reinante. Os inconvenientes dessa forma de apostolado, para os quais nossa folha mais de uma vez alertou o senso católico de seus leitores, ficam postos em evidência, com profundidade de vistas admirável, pelo documento do Santo Oficio que temos hoje a satisfação de publicar. — No clichê, reprodução das pags. 4 e 5 de nosso n.° 49, de abril de 1954, onde mais particularmente nos ocupamos do assunto.

O trabalho em Fábrica é incompatível com a vida e as obrigações sacerdotais

A Suprema Sagrada Congregação do Santo Oficio comunicou recentemente ao Emmo. Cardeal Feltin importantes decisões relativas ao controvertido apostolado dos "Padres-operários".

Foram elas elaboradas após o estudo do relatório sobre as atividades da "Mission Ouvrière", enviado pelo Arcebispo de Paris ao Santo Padre.

As resoluções tomadas pela Santa Sé acham-se expressas em carta dirigida àquele Purpurado pelo Emmo. Cardeal Pizzardo, Secretário do Santo Oficio, em data de 3 de julho último.

Traduzimo-la do texto publicado pelo quotidiano parisiense "Le Monde", no seu número de 15 de setembro:

O relatório que Vossa Eminência me encaminhou, sobre o apostolado operário na França, e em particular sobre os "Padres do trabalho", foi objeto de atento estudo por parte do Santo Oficio.

Este Supremo Sagrado Dicasterio já tomara conhecimento, com satisfação, da constituição pela Assembléia dos Cardeais e Arcebispos da França, reunida em março de 1957 sob a presidência de Vossa Eminência, da "Mission Ouvrière", encarregada de "coordenar todos os esforços apostólicos orientados para o mundo operário, e em particular a ação dos leigos militantes da J. O. C. e da A. C. 0.". E agora rejubila-se ao saber que dezenove setores missionários já foram estabelecidos em catorze Dioceses, sob a direção efetiva de um delegado do Ordinário.

Entretanto, a nota enviada por Vossa Eminência solicita que os Sacerdotes, selecionados por seu Bispo, bem preparados, sustentados por uma vida sacerdotal autêntica e unidos ao Clero paroquial, possam trabalhar nas fábricas em tempo integral e não mais durante apenas três horas por dia.

Depois de ouvido o parecer de todos os Consultores, os Eminentíssimos Padres desta Suprema Sagrada Congregação examinaram atentamente a importante e delicada questão dos "Padres do trabalho". Eis as conclusões a que chegaram nas assembléias plenárias de 10 e 24 de junho de 1959:

1.°) A Santa Sé compartilha da convicção dos Bispos da França acerca da necessidade de um apostolado intenso e eficaz nos meios operários, para reconduzi-los à fé e à pratica da vida cristã, de que desgraçadamente se afastaram.

Ela felicita os Bispos franceses por seu zelo pastoral e pelos grandes esforços que fizeram e fazem ainda para resolver o grave problema da evangelização dos meios operários.

Está convencida de que, com a graça de Deus, os Sacerdotes que se dedicam a este apostolado saberão despertar no fundo da alma dos trabalhadores franceses a aspiração cristã arraigada pela longa tradição católica de seu país. Aliás, é bem difícil considerar como, totalmente descristianizadas massas de homens dentre os quais um grande número ainda recebeu o caráter sagrado e indelével do Batismo.

2.°) A Santa Sé julga que, para evangelizar os meios operários, não é indispensável enviar Sacerdotes como operários nos ambientes de trabalho, e que não é possível sacrificar a concepção tradicional do Sacerdócio a essa finalidade, a que no entanto a Igreja se atém como a uma de suas missões mais caras.

Com efeito, é essencialmente para exercer funções sacras que o Sacerdote é ordenado: oferecer a Deus o Santo Sacrifício da Missa e a oração pública da Igreja, distribuir aos fiéis os Sacramentos e a palavra de Deus. Todas as outras atividades do Padre devem ser ordenadas de algum modo a essas funções, ou delas hão de decorrer como consequências práticas, e tudo o que é incompatível com elas deve ser excluído da vida do Sacerdote.

É bem verdade que o Sacerdote, como os Apóstolos, é testemunha (cf. At. 1, 8), mas para atestar a ressurreição de Cristo (cf. At. 1, C) e, portanto, sua missão divina e redentora. Ora, é acima de tudo pela palavra que ele deve dar testemunho, e não pelo trabalho manual executado entre os trabalhadores, como se fosse um deles.

3.°) Ademais, a Santa Sé julga, que o trabalho em fábrica ou canteiro é incompatível com a vida e as obrigações sacerdotais.

De fato, nos dias de trabalho seria quase impossível ao Sacerdote cumprir todos os deveres de oração que a Igreja exige dele diariamente: celebração da Santa Missa, recitação integral do breviário, oração mental, visita ao Santíssimo Sacramento e terço.

E mesmo se alguns o conseguissem, não deixaria de ser verdade que consagrariam ao trabalho manual um tempo que deveria ser empregado no ministério sacerdotal ou nos estudos sacros (cf. can. 129): os Apóstolos não instituíram o Diaconato precisamente para liberar-se das tarefas temporais, e para ocupar-se da oração e da pregação (cf. At. 6, 2 e 4)

De outro lado, o trabalho em fábrica ou mesmo em empresas menos importantes expõe pouco a pouco o Sacerdote a sofrer a influência do meio. O "Padre do trabalho" não se acha apenas mergulhado num ambiente materializado, nefasto para sua vida espiritual e até frequentemente perigoso para sua castidade, mas é também levado, como que sem querer, a pensar como seus camaradas de trabalho no domínio sindical e social e a tomar parte em suas reivindicações: temível engrenagem que rapidamente conduz a participar da luta de classes. Ora, isto é inadmissível para um Sacerdote.

Estas as razões que determinaram os Eminentíssimos Cardeais do Santo Oficio a decidir a cessação do trabalho dos Padres como operários ou empregados nas fábricas e outras empresas, ou como marítimos nos barcos de pesca ou de transporte, e a substituição dos "Padres do trabalho" por grupos de Sacerdotes e leigos especialmente consagrados ao apostolado em meios operários.

Na audiência de 11 de junho de 1959, o Santo Padre dignou-se aprovar estas decisões, e, ao receber Vossa Eminência no mesmo dia, participou-lhe o seu pensamento a este respeito. Depois de ler o relatório que Lhe foi apresentado por Vossa Eminência, Sua Santidade julgou dever confirmar os decretos do Santo Oficio de 10 e 24 de junho.

Compete agora aos Bispos da França preparar as diversas formas que o apostolado poderá tomar nos meios operários.

Na trilha do Papa Pio XI eles não cessaram de relembrar aos operários cristãos sua "nobilíssima missão": "Sob a direção de seus Bispos e Sacerdotes, são eles que devem reconduzir à Igreja e a Deus as multidões imensas de seus irmãos de trabalho que, exasperados por não terem sido compreendidos e tratados com o respeito que lhes era devido, afastaram-se de Deus" (Encíclica "Divini Redemptoris").

Nestes dois anos, sob o impulso dos Cardeais e Arcebispos da França, a "Mission Ouvrière" logrou coordenar este apostolado leigo com o ministério do Clero paroquial e dos Assistentes da Ação Católica.

A Santa Sé solicita aos Bispos da França que considerem se não é agora chegado o momento de acrescentar a essas excelentes iniciativas a criação de um ou mais Institutos Seculares compostos de membros Sacerdotes e de membros leigos.

Estes últimos poderão trabalhar nas fábricas sem outro limite de tempo além do exigido por sua vida espiritual e sua saúde: membros de uma instituição da Igreja, serão portadores de um testemunho particularmente qualificado.

Nesta nova forma de missão operaria os Sacerdotes terão um papel importante e eficaz. A seus confrades leigos darão instrução religiosa e formação espiritual profundas e adaptadas a seu estado de vida e à sua condição operaria.

Far-lhes-ão conhecer sempre melhor a doutrina social da Igreja, em especial no que diz respeito aos problemas do trabalho. Guiá-los-ão em sua ação cotidiana junto de seus companheiros de trabalho, aconselhá-los-ão em seus problemas e os sustentarão nas dificuldades.

Graças aos contactos tomados por esses membros leigos do Instituto Secular, poderão começar a exercer o ministério sacerdotal junto dos operários, fora da fábrica, e junto das famílias e crianças. Seus conhecimentos, aprofundados e alimentados pelo estudo da doutrina social da Igreja, lhes permitirão aconselhar os trabalhadores em matéria sindical e em tantas outras questões de ordem temporal, às quais darão a verdadeira solução cristã. Enfim, e sobretudo, no clima de confiança criado por esses contactos, poderão, pouco a pouco, abrir-lhes as almas à verdade sobrenatural e conduzi-los à pratica da vida cristã.

A Santa Sé solicita a Vossa Eminência que queira estudar esta nova forma de apostolado, que parece responder às exigências particulares da evangelização das massas operarias: o Instituto Secular, tal como o concebeu o Papa Pio XII em sua Constituição Apostólica "Provida Mater Ecclesia", não é perfeitamente adaptado, em sua natureza e nos seus métodos, às necessidades do apostolado operário?

Não é preciso dizer que a substituição dos "Padres do trabalho" por novas instituições deverá verificar-se gradualmente, com toda à prudência necessária, a fim de evitar toda mudança improvisada e generalizada, ou perturbações perigosas no apostolado junto aos operários. Os Ordinários saberão com certeza valer-se de todas as ocasiões oportunas para retirá-los do trabalho, ocupando-os em outros ministérios entre os operários.

Quanto aos Sacerdotes que trabalham no mar, não deverão assinar novos contratos, e quando de sua volta à terra rescindirão os que haviam firmado.

Rogo a Vossa Eminência pôr-se em contacto com Sua Eminência o Cardeal Liénart, a quem envio uma cópia desta carta, em sua qualidade de Presidente da Assembléia dos Cardeais e Arcebispos da França, e peço a Vossa Eminência, como Presidente da "Mission Ouvrière", que queira comunicar estas decisões aos Arcebispos e Bispos, assim como aos Superiores Religiosos, que tiverem "prêtres au travail" de sua Diocese ou de seu Instituto.

A Santa Sé sabe que impõe aos "Padres do trabalho" um real sacrifício ao pedir-lhes que renunciem à sua atividade operaria. Mas sabe também que pode contar com sua filial submissão a decisões que foram tomadas no interesse deles e de seu apostolado no meio dos trabalhadores. Tenham confiança na fecundidade de sua obediência para sua vida sacerdotal e seu ministério, e saibam que o Santo Padre os cerca de muito benévola solicitude".


VERDADES ESQUECIDAS

NADA MAIS CONSTRUTIVO DO QUE O “NON LICET”

JOÃO PP XXIII

Da exortação dirigida, no dia 29 de agosto p.p., festa da Degolação de São João Batista, aos fiéis reunidos na Sala das Audiências Gerais de Castel Gandolfo, — segundo o resumo publicado pelo "Osservatore Romano" (edição em francês, de 11 de setembro último):

A vida cristã não consiste simplesmente em louvar o Senhor e honrá-Lo por manifestações externas: ela exige que se cumpra tudo o que está prescrito nos dez Mandamentos, que repetem — com quanta clareza e eficácia! — a lei natural impressa no coração de todo homem. Trata-se de dizer "não" ao mal, em todas as suas formas, e é precisamente por ter proclamado um desses "non licet" que a cabeça de João foi cortada e levada numa bandeja. Mas ela resplandece por todos os séculos, mesmo nesta terra, na gloria de inúmeras catedrais, igrejas e monumentos.

Na vida quotidiana, ouve-se muitas vezes repetir: bem poderia a Igreja ser mais indulgente, admitir algum ligeiro compromisso... Isso nunca. O Papa pode ser bom, longânime quanto se quiser, mas, em face de tristes realidades, de miseráveis inobservâncias, sua atitude será inabalavelmente firme, clara, irredutível, respeitosamente submissa à verdade.