A PARTICIPAÇÃO DOS TRABALHADORES NA GESTÃO DA EMPRESA É UMA EXIGÊNCIA DA NATUREZA HUMANA?
(continuação)
(8) N. da R. — Objetivos bons em si. Mas que de nenhum modo colidem com a afirmação de que um capitalismo escoimado de abusos é compatível com a doutrina da Igreja.
(9) N. da R. — Expressão da qual se tem usado e abusado. Quando existiu um Cristianismo não adulto? O Cristianismo dos mártires, dos cruzados, da Contra-Reforma, de Anchieta e Nobrega, não o era?
(10) N. da R. — A afirmação de que a empresa pertencente a um só dono é injusta em si colide com a doutrina enunciada por Pio XII na Radiomensagem ao «Katholikentag» de Viena, de 14 de setembro de 1952 («Discorsi e Radiomessaggi», vol. XIV, p. 814).
AURÉLIO CAMPOS: Muito obrigado ao deputado Paulo de Tarso. De acordo com o esquema do nosso programa, vamos conceder a cada um dos circunstantes, dos nossos ilustres convidados, cinco minutos, para a exposição de mais ideias em torno da tese, podendo conceder, ou não, apartes, seguindo um remedo de regime parlamentar, digamos assim. Prof. Plinio... Prof. Plinio com a palavra.
PCO: Nas palavras do Deputado Paulo de Tarso a respeito do capitalismo, me parece importante fazer uma distinção: dizer que se quer o bem do pobre, dizer que se quer a redenção do pobre, dizer que se quer conferir o direito de voto, que se quer alfabetizar, me parece que são afirmações que não têm nenhuma relação direta com o problema capitalismo e socialismo.
Com efeito, o regime capitalista é aquele regime em que o capital concorre com um elemento próprio para a produção, ao lado do trabalho; o regime capitalista é aquele em que se atribui uma parte do lucro (11) ao capital e se atribui uma parte do lucro ao trabalho.
Parece-me absolutamente evidente que esse regime, desde que atribua partes proporcionadas de lucros a cada uma das entidades, a cada um dos elementos que concorrem para a produção, é um regime legitimo.
E tanto é legítimo que nós temos aqui esta afirmação de Pio XI a respeito da legitimidade intrínseca do capitalismo: «Nosso Predecessor, de feliz memória, em sua Encíclica se referia principalmente àquele sistema em que, ordinariamente, uns contribuem com o capital, e outros com o trabalho, para o comum exercício da economia, qual ele próprio definiu na frase lapidar: «nada vale o capital sem o trabalho nem o trabalho sem o capital». Foi essa a espécie de economia que Leão XIII procurou, com todas as veras, regular segundo as normas da justiça. De onde se segue que, de per si, não é condenável. E, realmente, de sua natureza não é viciosa. Se viola a reta ordem quando o capital escraviza os operários, a classe proletária, para que os negócios e todo o regime econômico estejam nas suas mãos e revertam em vantagem própria, sem se importar com a dignidade humana dos operários, com a função social da economia e com a própria justiça social e o bem comum».
Aí está feita a distinção entre os inconvenientes e os erros do capitalismo, de um lado, a legitimidade do regime, de outro lado. Ora, esta distinção não é uma distinção acadêmica. Ela figura com insistência nos documentos pontifícios.
(11) N. da R. – Isto é, do produto da empresa, como é fácil ver no contexto.
PT: V. Excia. me permite um aparte?
PCO: Pois não.
PT: Apenas para dizer a V. Excia. que o mesmo Papa Pio XI se refere à economia capitalista dizendo que ela se tornou “horrendamente dura, cruel e atroz”. O que importa ao povo, Professor, não é tanto o saber como se pode, abstratamente, configurar o capitalismo (12), mas é saber que, concretamente, na vida de cada dia, ele é horrendamente duro, cruel e atroz, segundo o mesmo Pio XI afirmou.
(12) N. da R. — Mais uma vez, recuo diante da consideração do problema em seus termos essenciais, e insistência sobre o acidental e ocasional.
PCO: Se V. Excia. concorda na afirmação de que, em tese, o regime capitalista é legítimo... (ambos falam ao mesmo tempo) ...o povo, uma porção de vezes, tem ouvido falar que esse regime tem se prestado a abusos, e a Igreja de tal maneira se tem pronunciado contra esses abusos, que o povo não pode ter dúvidas a esse respeito. Mas importa ao povo saber que ele deve corrigir os abusos mas não deve condenar o regime em si, que o regime em si é justo, para que o povo mesmo saiba regular a situação, assim como o Papa procurou regulá-la também. Nós não podemos dizer que os pontos de moral, os pontos de doutrina católica têm interesse meramente acadêmico. Eles regem, Deputado Paulo de Tarso, a opinião pública. E a opinião pública se governa por princípios.
PT: Professor, a opinião de Pio XI aí está: “horrendamente duro, cruel e atroz”.
PCO: Pois não. Mas não em si, Deputado...
PT: Mas como existe historicamente.
PCO: Não, como existe concretamente. E, realmente, as coisas como existem concretamente devem ser corrigidas pelo gênio superior da civilização cristã. Mas não devem ser abolidas. Porque o que está, exatamente, na índole da Igreja é salvar tudo quanto pode ser salvo e não destruir inconsideradamente aquilo que existe.
De mais a mais, Deputado Paulo de Tarso (uma vez que eu estou com a palavra nos meus dez minutos), V. Excia. me permita que acrescente o seguinte: o regime capitalista, no que se diferencia, concretamente, do regime da propriedade privada?
PT: V. Excia. está perguntando a mim, ou está se perguntando?
PCO: Não, eu estou me perguntando, mas terei prazer em ouvir a sua resposta depois.
Eu pergunto, então, no que é que o regime capitalista se diferencia da propriedade privada? V. Excia. me permita que lhe diga que li vários pronunciamentos seus pelos jornais, pelas revistas, a respeito do assunto capitalismo, e esta é uma questão que me ficou no fundo do espírito. Porque V. Excia. fala com frequência a respeito do capitalismo, mas eu gostaria de saber o que seria o regime de propriedade privada que não tivesse uma certa característica de capitalismo, nas condições atuais da economia. Assim, falar contra o capitalismo como sendo duro, como sendo atroz, etc., etc. — e ele o é, per accidens, infelizmente, e todos aqueles que lutam contra essas atrocidades têm toda a minha solidariedade — assim, falar contra esse regime mas não ressalvar a propriedade privada dos bens de produção...
PT: Mas, Professor...
PCO: ...isso me parece...
PT: Mas, Professor, os que divergem do capitalismo não divergem da propriedade privada; não divergem da propriedade privada em absoluto.
PCO: Em matéria de meios de produção?
PT: Os meios de produção, quando instrumentos de trabalho, devem ser propriedade privada.
PCO: O que V. Excia. chama «instrumento de trabalho», no caso?...
PT: O sr. quer ver... (ambos falam ao mesmo tempo) ...O que nós não queremos é que o bem de produção seja instrumento de opressão.
PCO: V. Excia. me permita; V. Excia. me permita concluir, porque eu estou com a palavra. O regime capitalista pode ser considerado aquele em que por algum lado, ao menos em seu aspecto industrial, o capital, representado pela máquina, pertence a alguém. que não é aquele que trabalha. Agora, isto é uma coisa que eu considero legítima; eu considero que as afirmações de que a participação dos operários nos lucros, na direção da empresa, etc., é obrigatória, eu considero isso uma coisa contrária à doutrina católica.
Por exemplo, a afirmação que eu li num documento de V. Excia., e eu gostaria que V. Excia. me ratificasse isso para saber se é verdade ou não: V. Excia. considera que devem ser expropriados os bens das sociedades anônimas, para nelas se estabelecer obrigatoriamente a participação dos operários nos lucros e na direção da empresa?... Eu considero isto contrário à doutrina católica.
O que eu digo é uma coisa muito diferente: é que a participação pode ser algo de desejável, algo de estimável, digno de ser promovido, pois não. Mas ir ao ponto de desapropriar indústrias, de desapropriar conjuntos econômicos, só porque são sociedades anônimas e para que nelas se estabeleça a participação dos lucros compulsoriamente?... Eu não vejo, Deputado Paulo de Tarso, onde é que isso pode ter caído das Encíclicas.
AURELIO CAMPOS: Professor... O Deputado Paulo de Tarso tem cinco minutos, podendo apartear o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.
PT: V. Excia., ao me acusar, divergiu, a meu ver, de um texto da própria Encíclica «Mater et Magistra», que eu passo a ler: «É de notar por último que o exercício da responsabilidade por parte dos empregados dos organismos produtivos, não só corresponde às exigências legítimas próprias da natureza humana — próprias da natureza humana — mas está também de harmonia com o progresso histórico em matéria econômica, social e política».
A mesma Encíclica mostra que a empresa deve tender, para a comunidade, e que o contrato de salário deve ser mitigado pelo contrato de sociedade.
PCO: Mas o que se chama aqui «comunidade» não é participação nos lucros.
PT: Não, eu estou dizendo outra coisa... (ambos falam ao mesmo tempo) ...Eu estou com a palavra. V. Excia. me permita. V. Excia. me perguntou onde encontrei o direito natural do operário à participação na responsabilidade da empresa. É o item 90 da Encíclica, tradução da Vozes...
PCO: Não foi a pergunta!
PT: ... da Encíclica «Mater et Magistra»
PCO: Não foi. Eu falei contra a obrigatoriedade só, (ambos falam ao mesmo tempo).
PT: V. Excia. me permita, Professor. É exigência própria da natureza. Se é exigência própria da natureza, decorre da natureza, é um direito natural porque decorre da natureza (13).
Mas eu gostaria de tomar uma definição de capitalismo isenta, desapaixonada, de um técnico: François Perrou. Definiu o capitalismo como sistema econômico que tem na empresa privada a sua instituição principal e, como finalidade, o lucro da empresa. Então, todo o sistema econômico funciona para que a empresa dê lucro. Se a empresa der lucro, tudo funciona regularmente, porque o livre jogo das leis econômicas acabará promovendo a prosperidade de toda a comunidade. Ora, o que vemos no Brasil, por exemplo, é que os lucros das empresas estão aumentando e o povo está aguardando que o livre jogo das leis econômicas promova a sua prosperidade.
Eu li, hoje ainda, um trabalho do Sr. Celso Furtado, no qual ele demonstra que o salário real na indústria e na agricultura não aumentou nos últimos anos no Brasil. O que aumentou foi o salário nominal. Na verdade, o capitalismo é o sistema que funciona para o empresário (14), quando nós, cristãos, devemos desejar a economia para o homem, a economia do gênero humano.
V. Excia. concorda comigo na tese de São Tomás de que os bens foram destinados pela Providência a todos os homens, e não apenas aos capitalistas, não apenas aos privilegiados, não apenas aos empresários.
(13) N. da R. — Se a participação na gestão fosse uma exigência da natureza humana, seria obrigatória. Ora, segundo afirmou Pio XII (Radiomensagem ao «Katholikentag» de Viena, de 14 de setembro de 1952 — «Discorsi e Radiomessaggi», vol. XIV, p. 314), não o é.
O tópico da Encíclica «Mater et Magistra» citado acima pelo Sr. Paulo de Tarso, na tradução da Editora Vozes, tem a seguinte redação na edição oficial da «Acta Apostolicae Sedis» (vol. 53, p. 424):
«Commemorandum denique est, quae graviora usque munera in variis societatibus bonis gignendis hodie opificibus deferri optantur, ea non solum cum hominis natura apte componi, sed etiam cum oeconomicis, socialibus ac civilibus progredentis aetatis rationibus omnino congruere».
A tradução correta é esta (cf. «Catolicismo», n.° 129, de setembro de 1961):
«Finalmente, é preciso recordar que se deseja hoje em dia, em várias empresas produtoras, associar os operários a responsabilidades até das maiores, e isto não apenas concorda plenamente com a natureza humana, mas é inteiramente conforme à evolução econômica, social e política».
Isto posto, vê-se que o texto da Editora Vozes vai muito além do que afirma o Papa. Uma coisa é estar conforme o direito natural, outra é ser exigido pelo direito natural. As três formas de governo, monarquia, aristocracia e democracia, por exemplo, são conformes ao direito natural. Constitui entretanto um erro afirmar que qualquer delas é exigida pelo direito natural.
(14) N. da R. — Capitalismo é o sistema em que parte do produto da empresa toca aos que trabalham, e parte aos proprietários dos instrumentos de produção. O Deputado Paulo de Tarso confunde sempre este conceito com o do mau capitalismo.
PCO: Sem dúvida.
PT: Nesse sentido eu sou mais a favor da propriedade privada do que aqueles que defendem a propriedade privada apenas para o capitalista. Porque o que eu quero não é acabar com a propriedade privada, mas fazer com que todos sejam proprietários (15), Professor, todos, porque todos têm direito.
(15) N. da R. — Se se trata de acabar com o regime capitalista para que todos sejam proprietários, a consequência é que os operários devem necessariamente ser coproprietários de todas as empresas. Ora, tal copropriedade, lícita e até desejável em certos casos, não pode ser considerada obrigatória em nome da doutrina católica, como ensinou Pio XII (Radiomensagem ao «Katholikentag» de Viena, de 14 de setembro de 1952 — «Discorsi e Radiomessaggi», vol. XIV, p. 314).
PCO: V. Excia. quer acabar com o capitalismo para instituir o que?
PT: Para instituir uma ordem social cristã justa.
PCO: Quer dizer qual?
PT: Perfeitamente. V. Excia. veio ao encontro do meu pensamento. A tese fundamental é esta: a destinação providencial dos bens materiais. Todos os bens foram criados, por Deus, para todos os homens, sem exceção, todos os homens... (e V. Excia., no seu livro, diverge dessa afirmação, afirmando que muitos trabalhadores...)
PCO: Não, não, isso não é verdade, isso não é o que eu digo, Excia. Estou com meu, livro aqui. Em que pagina é? Faça-me o favor...
PT: Ah! pois não! Vou ler. É pagina... 114.
PCO: Pois não. O que é que está aí?
PT: «Por fim cumpre lembrar que nas condições concretas da vida terrena não só haverá sempre pessoas que, sem terem qualquer propriedade – sem terem qualquer propriedade — precisarão viver exclusivamente do seu trabalho, como outras que necessitarão da caridade para subsistir». Esta tese é que eu considero contrária à essência da mensagem, Professor.
PCO: Então, o Sr. diz que haverá uma ocasião em que a caridade cristã não terá mais com que se exercer? O que é a palavra do Evangelho: «Pauperes semper habetis vobiscum»?
PT: Ah! mas não miseráveis. A miséria distingue-se da pobreza porque... (ambos falam ao mesmo tempo).
PCO: Mas «pauper», «pobre», não é aquele a quem falta alguma coisa?
PT: E quando a Encíclica «Mater et Magistra» sustenta que o direito ao uso dos bens materiais, que o direito ao uso dos bens materiais – (recusando um aparte:) V. Excia. me permita, porque estou com a palavra — é o mais importante de todos os direitos econômicos, superior, inclusive, à propriedade privada?
PCO: É evidente, e está afirmado em meu livro mil vezes.
PT: Não, no livro de V. Excia. não vi isto com essa clareza...
PCO: Ah! perdão!!... V. Excia. me permita dizer... (ambos falam ao mesmo. tempo).
PT: V. Excia. me permita, porque eu estou com a palavra. A Encíclica sustenta que o direito ao uso dos bens materiais é o mais importante de todos os direitos econômicos, superior, inclusive, à propriedade privada. Isso significa que na ordem social pela qual eu luto... Eu luto por uma ordem social justa, única na qual pode haver a paz, que é o fruto da justiça. A justiça é dar a cada um o que é seu. Nós podemos discutir interminavelmente sobre o «seu» de cada um; mas sabemos que cada um tem direito aos bens necessários e convenientes à vida humana (16). E por que todos não têm bens necessários? Porque muitos têm supérfluo. Não existe direito natural ao supérfluo. Existe direito natural ao necessário para matar a fome...
(16) N. da R. — Mas isto é bem diverso de que afirmar que cada homem em particular tem o direito estrito de ser proprietário de algo.
PCO: O que V. Excia. considera como bem supérfluo?
PT: Aqueles que não têm ligação com as necessidades primárias da pessoa humana (17).
(17) N. da R. — O necessário para o homem pode não se cingir apenas às suas necessidades primárias enquanto homem, mas estar também condicionado à posição social que ele ocupa. Ensinou-o Leão XIII: «Ninguém certamente é obrigado a aliviar o próximo privando-se do seu necessário ou do de sua família; nem mesmo a nada suprimir do que as conveniências ou a decência impõem à sua pessoa: «Ninguém, com efeito, deve viver de um modo que não convenha ao seu estado» (São Tomás, Suma Teológica, IIa. IIae., q. 32, a. 6, c.)» — Encíclica Rerum Novarum», de 15 de maio de 1891. — Editora Vozes Ltda., p. 18).
PCO: Primárias só não, mas... (ambos falam ao mesmo tempo).
PT: Os bens supérfluos existem, estão aí e são a causa da miséria. A miséria não está no plano da Providência. Deus não criou o homem para viver na miséria. Porque...
PCO: V. Excia. diz que a causa da miséria está na concentração dos bens? Isto mudado, a miséria cessaria?...
PT: A miséria é a privação de bens necessários para que o homem possa viver como homem. O direito do rico às suas cinco casas de campo não é o mesmo direito do pobre ao seu barracão. O direito do rico ao seu iate não é o mesmo direito do operário à sua bicicleta; — porque um é o necessário e conveniente, e outro é o supérfluo. Existe a miséria, Professor, porque existe o supérfluo, e a revolução cristã deve lutar por uma ordem social justa, procurando vencer a miséria, que pode ser vencida sobretudo nesta hora histórica, em que tanto se desenvolveu a técnica e a ciência, que podem ser colocadas a serviço dessa luta contra a miséria, e não a serviço do armamentismo, ou a serviço de outras finalidades menos humanas.
AURÉLIO CAMPOS: Continuemos o debate. Cinco minutos ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, que poderá conceder, ou não, os apartes solicitados pelo seu oponente.
PCO: Antes de tudo, me parece necessário ressaltar uma coisa: é que não se está aqui fazendo, de minha parte, uma defesa dos direitos dos ricos contra os pobres. Não existe esta dissociação fundamental dos interesses, dos direitos dos ricos e dos pobres, compreendidas as coisas dentro do pensamento, da doutrina católica. E por que? O que a doutrina católica estabelece é que deve haver ricos e pobres, desde que se entenda por pobre aquele que tem as condições suficientes para viver digna e seguramente consigo e com sua família, mas que não tem outra coisa além disso. A existência de alguns mais ricos significa apenas a harmonia e a complementação do corpo social. E, reiteradamente, nos documentos pontifícios vêm a afirmação de que, por isso, as classes sociais e as classes econômicas não estão necessariamente em luta entre si, mas devem viver numa cooperação harmônica. O que, contudo, no momento se pleiteia não é, absolutamente, o statu quo para o pobre. Isto seria um verdadeiro absurdo, e não creio que haja uma só pessoa de bom senso, para não falar numa pessoa de bom coração, que pleiteie um statu quo para massas inteiras que estão imersas na miséria. Mas, uma coisa é pleitear esse statu quo que ninguém pleiteia, outra coisa é chegar ao extremo de desejar uma transformação que não tome em consideração os direitos naturais de todo o corpo social, a necessidade de haver classes diferenciadas, a necessidade de haver diferenças até de fortunas, como elemento para a harmonia da vida social. E assim, fazendo essas afirmações, eu não estou tomando a defesa de uns contra outros, mas estou fazendo a afirmação da necessidade de que todo o corpo social prospere na harmonia, que se procure desenvolver ambas as classes sociais, e não se procure jogar uma classe social contra a outra. Eu devo dizer, a este respeito, que vi uma afirmação do Sr. Deputado Paulo de Tarso de que nós, hoje em dia, podemos considerar que o socialismo (e vamos passar para o socialismo, Deputado, que é o elemento principal de nossa discussão de hoje à noite), que o socialismo é compatível com a doutrina católica.
PT: V. Excia. leu isto em que jornal?
PCO: Ah! em vários lugares. Inclusive V. Excia. pediu que fosse dado o título de Partido Socialista Cristão, em carta à direção do PDC [Partido Democrata Cristão] brasileiro.
PT: Mas uma coisa é pleitear uma terminologia para a doutrina social cristã; e outra coisa é afirmar-se a compatibilidade do socialismo materialista com o Cristianismo (ambos falam ao mesmo tempo).
PCO: V. Excia. introduziu em sua resposta a palavra «materialista». Eu pergunto se há um socialismo não materialista. E se esse socialismo não materialista é compatível com a doutrina católica. Eu digo que não.
PT: V. Excia. quer que eu responda agora, ou que responda depois?
PCO: V. Excia., por favor, responda depois, para eu poder acabar meu pensamento agora. Eu digo o seguinte: que passar dessas invectivas contra abusos reais do capitalismo, para favorecer a afirmação de que a doutrina socialista é compatível com o Cristianismo, me parece um absurdo.
O Sr. Deputado. Paulo de Tarso afirma que ao materialismo socialista ele não apoia. Eu sei bem. Mas o Papa Pio XI declara que há uma incompatibilidade completa entre socialismo e Catolicismo, inclusive quanto à palavra «socialismo». E esse trecho...
PT: A expressão contra a palavra não está na Encíclica «Quadragesimo Anno» e V. Excia. sabe disso (18).
(18) N. da R. — A Encíclica «Quadragesimo Anno» de Pio XI diz textualmente: «Socialismo religioso, socialismo cristão exprimem conceitos contraditórios; ninguém pode, ao mesmo tempo, ser bom católico e usar com veracidade o nome de socialista» (A.A.S., vol. 23, p. 216).
PCO: Não, eu não sei. Eu tenho aqui a Encíclica... (ambos falam. ao mesmo tempo).
PT: ...está se referindo ao seu clima histórico.
PCO: Não, ele não diz isto. Ele diz, simplesmente, que socialismo e Catolicismo são termos que se excluem.
PT: E1e afirmava numa época em que só havia o socialismo materialista.
PCO: Não, é o contrário. Ele fala precisamente a respeito do socialismo e mostra que o socialismo evoluiu muito e tomou matizes tais, que em muitos de seus aspectos até poderia parecer compatível com a doutrina católica. E ele diz assim expressamente. Ele diz que o socialismo, nesses seus aspectos mais brandos, «tende para as verdades que a civilização cristã sempre solenemente ensinou...»
PT: V. Excia. poderia dar uma enfasezinha neste pedaço, Professor, por gentileza?
PCO: Ah! com muito gosto.
PT: Faça o favor.
PCO: O socialismo, em seus aspectos mais brandos — agora começam as aspas — «tende...»
PT: «Tende, tende»...
PCO: «...para as verdades que a civilização cristã sempre solenemente ensinou...»
PT: Muito obrigado a V. Excia.
PCO: «...e delas, em certa maneira, se aproxima, porquanto é inegável que suas reivindicações concordam muitíssimas vezes...»
PT: Ah! «Muitíssimas»...
PCO: «...com as reclamações dos católicos que trabalham na reforma social».
PT: Minha memória não está falhando.
PCO: Agora ele acrescenta: «Tão justos desejos e reivindicações em nada se opõe às verdades cristãs»; mas, ele diz adiante que os termos socialismo e Catolicismo são termos absolutamente contrários. Ele diz que o socialismo concebe a sociedade de um modo completamente avesso às verdades cristãs. Concebe a sociedade: não é filosofia só, é a sociedade. Como pode haver um socialismo cristão, não vejo.
AURÉLIO CAMPOS: Agora o Deputado Paulo de Tarso tem cinco minutos, podendo conceder os apartes solicitados pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira.
PT: A ocorrência histórica de socialismos materialistas não deve impedir a existência de uma ordem social cristã que, a meu ver, pode chamar-se socialismo cristão. Mas é um problema de terminologia...
PCO: ...muito importante.
PT: V. Excia. me permita. Depois da Encíclica «Mater et Magistra»...
PCO: E eu lamento que, exatamente, uma terminologia errada vá viciando completamente o sentido da Encíclica.
PT: E qual é a opinião de V. Excia. sobre socialização?
PCO: Minha opinião sobre socialização começa por aí que é um vocábulo que não está na Encíclica «Mater et Magistra».
PT: Aí V. Excia. está enganado.
PCO: Ah! não. V. Excia. quer se dar ao trabalho de ver aqui...
PT: . V. Excia. vai me dar licença, senão meu tempo vai se escoar.
PCO: Pois não...
PT: Eu tenho aqui a tradução da Editora Vozes com imprimatur por comissão especial do Sr. Bispo de Petrópolis.
PCO: E eu tenho a «Acta Apostolicae Sedis».
PT: Tenho a tradução da «Mater et Magistra» da Ação Católica Brasileira.
PCO: Tenho a edição oficial. V. Excia. quer examinar?
PT: Agora, o que V. Excia. quer ignorar é que o Cardeal Tardini, Secretário de Estado de Sua Santidade João XXIII, enviou uma carta à Semana Social da França, de Grenoble, sustentando o termo «socialização» e usando expressões que estão decalcadas na Encíclica. V. Excia. acha que a Ação Católica foi leviana ao usar a expressão «socialização»?
PCO: Não, é evidente.
PT: V. Excia. acha que o Bispo de Petrópolis não devia ter dado o imprimatur? V. Excia. acha que o Cardeal Tardini usou de uma expressão que não devia usar? (O Prof. Plinio Corrêa de Oliveira pede licença para um aparte). V. Excia. me permita. V. Excia. vai ter cinco minutos para falar depois.
Inclusive a expressão «socialização» já estava em Pio XII como sinônimo de...
PCO: ...e em vários documentos. Isto é conhecido por qualquer estudante de documentos pontifícios. V. Excia. pensa que eu não conheço isto? que não estou a par desses documentos? Faça-me o favor!
PT: O que eu quero é que.... (falam ao mesmo tempo) o que eu quero dizer, Professor, é o seguinte: a posição é que é importante.
PCO: Posição do que?
PT: Nós temos que construir uma ordem social cristã sob o primado da justiça, que seja capaz de vencer a miséria, e que...
PCO: Isto todos sabem e com isto estou de pleno acordo.
PT: Não, não. V. Excia. acha que o lucro deve ser da empresa privada...
PCO: Não disse isso.
PT: ...do empresário.
PCO: Só da empresa, não. Que a empresa deve ter uma parte do lucro, mas que, evidentemente, também o operário deve ter um salário proporcionado...
PT: Salário é outra coisa.
PCO: Ah!
PT: Mas o operário deve participar do lucro, ou não? (Falam ao mesmo tempo).
PCO: Eu acho que em certos casos é desejável, mas não se impõe em rigor de justiça.
PT: E a participação na gestão?
PCO: Idem.
PT: E a participação na propriedade?
PCO: Perfeitamente; a mesma coisa.
PT: Bom, como a Encíclica «Mater et Magistra» diz que nós devemos tender para a comunidade...
PCO: Pio XII...
PT: Mas V. Excia. sabe que o Papa João XXIII fala que nós devemos tender para a comunidade, que a empresa deve tender para a comunidade.
PCO: Mas comunidade não é isso. Como V. Excia. prova que comunidade seja isso? Communitas é o grupo intermediário...
PT: Comunidade, Professor, é uma associação de pessoas, na qual... na qual os direitos das pessoas são defendidos.
PCO: Não, comunidade não é isso.
PT: A meu ver é isso. Professor, a meu ver, o ponto focal... V. Excia. me permita, eu vou concluir. A meu ver, o ponto focal das nossas divergências é o seguinte: eu acho que as coisas foram criadas por Deus para o homem, e não para o grupo, ou para o empresário, ou para o Estado, como quer o comunismo.
PCO: Isto eu também acho.
PT: ....e acho que devemos realizar uma revolução cristã contra o privilégio, contra o supérfluo, que está na base das iniquidade, das atrocidades e das crueldades da atual estrutura social.
PCO: V. Excia. quer me dizer o que entende por supérfluo? V. Excia. acha que é preciso dividir todos os bens por igual entre todos?
PT: Não, eu não sustentei isto; o que eu acho é que os homens... (ambos falam ao mesmo tempo). Eu vou definir: os homens têm diferenças, pelo simples fato de serem homens; mas têm também uma igualdade fundamental que vem da sua natureza humana...
PCO: Sim, perfeitamente.
PT: Essa igualdade existe, em todos, mas não como V. Excia. diz no livro, que muitos não vão ser proprietários nunca, que muitos vão ter que depender da caridade, não!... E, aliás, Leão XIII...
PCO: Vão ter que depender pela miséria das coisas. Como a doença: não desejo que haja doenças, mas doenças haverá até o fim do mundo.
PT: V. Excia. me permita. Olhe como esse trecho de Pio XI vem a calhar sobre este ponto: «Com tal estado de coisas facilmente se resignavam (estava descrevendo o século XIX), se resignavam os que, nadando em riquezas, o supunham efeito inevitável das leis econômicas. E por isso, que se deixasse a caridade com o cuidado de socorrer os miseráveis, como se a caridade houvesse de cobrir essas violações à justiça, que os legisladores toleravam...» (ambos falam ao mesmo tempo) ... eu acho que é uma exigência da justiça.
PCO: Perfeitamente!
PT: O pobre, o miserável, aquele que está no submundo de hoje, que vem sendo perpetuado pela estrutura «atroz, cruel, horrenda», de Pio XI, este deve ter direito ao mínimo indispensável para viver humanamente, não por caridade, como se pensava na Idade Média (19), mas por justiça.
(19) N. da R. — O velho preconceito anticlerical do século XIX em relação à Idade Média, da qual Leão XIII entretanto disse: «Tempo houve em que a filosofia do Evangelho governava os Estados. Nessa época, a influência da sabedoria cristã e a sua virtude divina penetravam as leis, as instituições, os costumes dos povos, todas as categorias e todas as relações da sociedade civil. Então a Religião instituída por Jesus Cristo, solidamente estabelecida no grau de dignidade que lhe é devido, em toda parte era florescente, graças ao favor dos príncipes e à proteção legítima dos magistrados. Então o Sacerdócio e o Império estavam ligados entre si por uma feliz concórdia e pela permuta amistosa de bons ofícios. Organizada assim, a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, frutos cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artificio algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer» (Encíclica «Immortale Dei», de 1º de novembro de 1885. — Editora Vozes Ltda., p. 15).
PCO: V. Excia. não respondeu à minha pergunta: o que é o supérfluo? Eu quero saber o que é o supérfluo. O que é o supérfluo?
PT: O supérfluo é aquilo que não está ligado às necessidades do homem, e portanto não é nem bem necessário, nem bem conveniente... É tudo aquilo que...
PCO: Então (ambos falam ao mesmo tempo)... pode-se dividir tudo por igual, no momento? Ou não?
PT: Não, não; eu acho que deve haver uma igualdade fundamental e todos os homens devem ter...
PCO: Então, o que vem a ser esse supérfluo? Há uma igualdade fundamental e, depois, há uma desigualdade fundamental. Onde se detém essas desigualdades (20) ?
(20) N. da R. — Como se verá, a resposta esquiva inteiramente essa pergunta incisiva.
PT: V. Excia. quer que eu de o supérfluo? O supérfluo é a empresa fora da escala humana, é a sociedade anônima brutal que, pela acumulação de capitais, pela composição de várias empresas numa só, de tal maneira se engrandece que sai da escala humana. E eu digo que o direito dessas sociedades a seu patrimônio não é de direito natural (21).
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(21) N. da R. — Uma das mais graves afirmações do Deputado Paulo de Tarso. Chamamos simplesmente a atenção do leitor para ela, porque dispensa comentários.
PCO: Por que?
PT: Porque a sociedade não tem natureza humana, não tem natureza humana...
PCO: Oh! V. Excia. dizer que a sociedade não tem natureza humana!.. E por que não tem?
PT: Não, não tem. Nem nome tem.
PCO: Como não tem?
PT: Direito natural é o que decorre da natureza humana... (falam ao mesmo tempo).
PCO: E V. Excia. conhece algum tratadista católico — tenha a bondade de me citar — que diga que a sociedade anônima não tem direito à propriedade? (ambos talam ao mesmo tempo).
PT: ...O homem tem direito à comida, pelo fato de ser homem. Sociedade anônima não sente fome, sociedade anônima não sente fome, a não ser a fome do lucro.
PCO: Esta é uma afirmação...
PT: Eu distingo a natureza humana, Professor, das empresas anônimas, de capitais. Berdiaeff dizia que o capitalismo transformou as relações entre os homens em relações entre coisas. V. Excia. sabe que a sociedade anônima não é uma sociedade de pessoas; a sociedade anônima é a sociedade de alguns poucos que procuram misturar capitalismo com Cristianismo para perpetuar seus privilégios. Mas, felizmente, o Cristianismo acordou para a divergência fundamental entre capitalismo e Cristianismo, assim como já havia acordado para a divergência entre Cristianismo e comunismo. Nós precisamos superar os dois, em nome de uma linha afirmativa e criadora.
AURÉLIO CAMPOS: Muito obrigado aos ilustres oponentes deste nosso Grande Júri. E devo lembrar aos Srs. telespectadores que, dentro de alguns instantes, Carlos Spera, com a nossa reportagem volante, irá fazer a consulta à opinião pública.
Eu peço ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira que, sem aceitar apartes, numa síntese, termine o seu pensamento dentro do tempo de dois minutos, para encerrar a sua participarão.
PCO: Termino, com muito prazer, dizendo o seguinte: que a sociedade anônima não é, necessariamente, imensa; não é, necessariamente, Moloch; que há sociedades anônimas Molochs, que há sociedades anônimas inumanas, quem não o sabe? Mas há sociedades anônimas que não o são. E eu acho extremamente perigoso para um país quando legisladores, quando homens de responsabilidade começam a não admitir mais a distinção entre aquilo que é mau per accidens e aquilo que é mau em si; a eliminar toda sociedade anônima, declarar que uma sociedade anônima (às vezes de capital reduzido, em que um espólio se transformou para melhor gerir os seus interesses) deve terminar e que perde seu direito natural porque se transforma de uma comunidade de pessoas numa suposta comunidade de coisas.
Depois, a afirmação do Sr. Deputado Paulo de Tarso de que a sociedade anônima não é uma sociedade de pessoas! A sociedade anônima, sobretudo quando tem títulos nominais, é uma sociedade anônima de pessoas. Ela é anônima apenas porque não tem nomes individuais; mas os nomes de seus acionistas estão publicados em catálogos, estão publicados por toda parte. Eu não sei, verdadeiramente, como se pode afirmar dessa maneira que a sociedade anônima não tem direito natural, com a postergação de tudo quanto se afirma em matéria de doutrina católica!
Eu gostaria de encerrar esta parte relativa ao socialismo, lendo este trecho da «Quadragesimo Anno», que eu tirei diretamente da «Acta Apostolicae Sedis» (a qual «Acta Apostolicae Sedis» está aqui), quer dizer, é do órgão oficial do Vaticano. Diz ela: «Já que o socialismo, como todos os erros, comporta algo de verdade — o que os Sumos Pontífices jamais negaram — no entanto funda a doutrina sobre a sociedade humana, que lhe é peculiar, em fundamento que destoa do verdadeiro Cristianismo. Socialismo religioso, socialismo cristão exprimem conceitos contraditórios; ninguém pode, ao mesmo tempo, ser bom católico e usar com veracidade o nome de socialista».
V. Excia. diz, Sr. Deputado Paulo de Tarso, que os católicos acordaram. Acordaram para entender bem que é preciso adotar com todo o calor as reivindicações operarias, que é preciso fazer face aos abusos do capitalismo, mas salvando os princípios fundamentais da civilização cristã, em vez de dar as mãos, por confusão de linguagem, por confusão de rótulos que seja, àquele que é o pior dos inimigos da Religião Católica, em nossos dias, que é, precisamente, o socialismo.
AURÉLIO CAMPOS: Muito obrigado ao Prof. Plinio Corrêa de Oliveira. Três minutos ao Deputado Paulo de Tarso para apresentar suas conclusões, antes que se pronuncie o Grande Júri, num lugar qualquer da cidade.
PT: Eu não defenderia nunca o comunismo, que é o ateísmo filosófico; e não defenderia nunca o capitalismo, não defenderia nunca o capitalismo, que é o ateísmo pratico, militante. O que me importa não é saber o que é o capitalismo abstrato (22); o que me importa é saber que o capitalismo é causa da miséria que aí está, é causa da injustiça que aí está, o capitalismo levou – porque resume todo o resultado do sistema econômico na prosperidade do empresário – levou a classe média a se proletarizar, o proletário a passar para o nível de miséria, e os miseráveis a um submundo que cada vez aumenta mais pelo subemprego, pela impossibilidade de trabalhar, e pela impossibilidade de ver respeitado um mínimo de dignidade da pessoa humana.
D. José Távora disse, em Recife, que a doutrina social cristã nunca poderia concordar com a sociedade dividida em dois compartimentos estanques: um, dos ricos, que, cada vez mais aumentam a acumulação de riquezas nas suas mãos, e o outro, o dos que estão na miséria, o dos que não têm o mínimo indispensável para viver humanamente. Dizer a um miserável que ele é livre, é rir da miséria dele; dizer ao faminto que ele é livre, é menosprezar o sofrimento dele, porque o faminto é o escravo da fome.
(22) N. da R. — Ainda uma vez, evita o Deputado Paulo de Tarso entrar no âmago do problema: como querer pronunciar-se sobre a liceidade do capitalismo em face da doutrina católica, sem se importar com os aspectos teóricos da questão?
PCO: A liberdade é para ser escravo como na Rússia.
PT: Eu não defendi a Rússia. Defendem a Rússia aqueles que mantêm uma estrutura iníqua que é o caldo de cultura do comunismo.
PCO: A sua posição sobre o socialismo favorece a Rússia.
PT: O comunismo vive das iniquidades do capitalismo.
PCO: Tenha... (falam ao mesmo tempo).
PT: V. Excia. não pode apartear. Eu nunca pensei que eu ia recomendar prudência a V. Excia. neste debate. Eu concluo dizendo o seguinte: que a injustiça, que aí está, a miséria que aí está, na verdade existem porque não existe justiça na distribuição das coisas que Deus criou para o homem. E termino dizendo o seguinte: a liberdade que nós desejamos para toda pessoa humana é uma vitória sobre o egoísmo. E não o egoísmo exato, absolutizado, cada indivíduo preocupado apenas com a sua prosperidade, como o liberalismo ensinava: que cada um devia ter inclusive a sua moral independente.
Nós temos uma vocação comunitária; nós não podemos chegar a Deus sem passar pelo nosso próximo, sem passar pelo proletário. A história da Igreja é a história da transcendência, que é o caminho para Deus, é a história da imanência, que é o amor do próximo.
Eu termino dizendo o seguinte: que todos esses miseráveis que aí estão nos vão julgar. E quando Cristo, na paresia do Juízo Final, disser: «Eu tive fome e não Me destes de comer, Eu tive sede e não Me destes de beber», nós vamos perguntar: mas quando ocorreu isto? E Ele vai dizer: cada vez que a estrutura perpetuou a miséria, a fome, a iniquidade, e os cristãos se omitiram, era a Mim que estava sendo feita a injustiça.
AURÉLIO CAMPOS: Muito obrigado ao Deputado Paulo de Tarso.
O repórter Carlos Spera passou, então, a tomar os votos do povo que assistia o programa na rua.