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Adorabunt eum omnes reges terrae.

Et omnes gentes servient ei

CUNHA ALVARENGA

Ao iniciar-se o Ano Novo, celebram os povos cristãos a festa da Epifania, que marca a entrada solene do Filho de Deus na sociedade dos homens. Manifesta-Se ao mundo o Esperado das Nações. Representada pelos Reis Magos e pelos pastores, prostra-se aos pés do Deus Menino a humanidade sofredora que por séculos se achava presa com os grilhões do pecado, sujeita ao totalitarismo pagão que como uma abóbada de chumbo pesava sobre quase todo o orbe.

Vem o Divino Infante restabelecer na terra não somente a ordem sobrenatural perturbada entre os homens pela Queda, mas a própria ordem natural viciada pelo pecado. Deus e Homem verdadeiro, no qual todas as coisas hão de ser restauradas (cf. Ef. 1, 10), é o Redentor o testemunho vivo da nova aliança entre o Céu e a terra.

É lição da História que o abandono da ordem sobrenatural acarreta inexoravelmente a conturbação da ordem natural. Pois o que é a lei natural senão mera decorrência da lei eterna promulgada por Deus ao estabelecer a ordem, a harmonia a hierarquia entre os seres visíveis e invisíveis que formam o universo criado? Com efeito, os erros religiosos, políticos e sociais que flagelam a humanidade através dos séculos, via de regra se originam da quebra dessa harmonia entre a ordem natural e a ordem sobrenatural, de que é modelo consumado e perfeito a união da natureza divina e da natureza humana realizada na Pessoa dAquele que nasceu de Maria Virgem no presépio de Belém.

A FALTA DE ORIGINALIDADE DO DEMÔNIO

Nos milhares de anos de sua atuação sobre a terra, a Serpente antiga, para destruir cujas obras o Filho de Deus veio ao mundo (cf. 1 Jo. 3, 8), acabou por perder a originalidade e repetir-se em suas incidias e manhas. Ora inspira o materialismo, negador do espírito, ora fomenta um falso espiritualismo que despreza ou nega a matéria, ora estabelece a confusão do espírito e da matéria, gerando essa monstruosidade que é o panteísmo, no qual se achava mergulhada quase toda a humanidade por ocasião do advento do Redentor.

A ação do demônio para perder os povos costuma culminar nesse mesmo erro, — no panteísmo materialista, ou deificação da matéria eterna e incriada, que flagelava o Ocidente romano, e no panteísmo idealista, deificação da alma do Cosmos, que toma como única realidade as forças espirituais dominava os povos pagãos do Oriente.

É o panteísmo a arma predileta do anjo das trevas, por satisfazer de modo profundo o ódio surdo e implacável que ele vota a essa harmonia entre a natureza criada e a natureza incriada, que tem sua culminância na união hipostática. E através das idades esse erro religioso do panteísmo, ou da confusão da ordem natural com a ordem sobrenatural, tem como sequela no campo político e social o flagelo do comunismo, do socialismo, da servidão totalitária, para a qual são tangidos de modo inexorável aqueles que se rebelam contra a ordem estabelecida por Deus na criação. Já nos ocupamos do tema por mais de uma vez, como em «Maniqueísmo: marco inicial do mundo moderno» e «Gnose: germe da paralisia do mundo ocidental» («Catolicismo», nos 53 e 56, de maio e agosto de 1955).

A POLÍTICA AUTODESTRUIDORA DA GNOSE

Voltando hoje ao assunto, queremos, neste limiar do ano de 1962, dar uma aplicação prática dessas verdades à realidade candente de nossos dias, quando a figura do Leviatã totalitário se desenha cada vez mais nítida no horizonte, como terrível ameaça que pesa sobre todo o mundo.

Uma das características do panteísmo gnóstico, inspirador do comunismo e do socialismo hodiernos, vem a ser a tendência a se situarem seus sequazes na região dos sonhos, na obstinada negação da contundente realidade, que a tanto equivale o repúdio dos dados que nos são oferecidos pela Revelação e pela lei natural.

Temos afirmado que a política das forças gnósticas que comandam a Revolução universal é autodestruidora, pois que as medidas por ela destinadas a estabelecer a paz agravam e multiplicam os distúrbios que conduzem à guerra. Do mesmo modo, a política seguida por certos agentes da Revolução no apregoado afã de combater o comunismo e o socialismo, tem levado os povos, por tortuosos e obscuros caminhos, para esse mesmo socialismo e para esse mesmo comunismo.

Tivemos o exemplo histórico recente do fascismo e do nazismo, absorventes movimentos político-sociais que, sob pretexto de combate ao comunismo e ao capitalismo liberal, levaram o povo italiano e o povo alemão à mais ignóbil servidão do socialismo do Estado, do coletivismo totalitário. Por esse jogo dialético de direita totalitária versus esquerda, a Revolução vai dominando áreas cada vez maiores do mundo cristão, sem praticamente encontrar resistência capaz de deter sua marcha, visto que as molas íntimas que propulsionam tais movimentos permanecem desconhecidas. E não perceberemos qual a razão do êxito dessa obra de envolvimento da sociedade humana nas teias da servidão socialista, se não nos capacitarmos do fato de ser ela mero episódio do grande drama da Revolução universal, cujas causas, amplitude e métodos de ação foram magistralmente explanados pelo Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu nunca assas citado ensaio «Revolução e Contra-Revolução» («Catolicismo», n° 100, abril de 1959).

CAUSAS DO PROGRESSO DO COMUNISMO

Como fenômeno isolado, o comunismo hodierno não se explica. Vamos compreendê-lo devidamente considerando as variadas ramificações da Revolução, e sobretudo as insuspeitadas convencias e cumplicidades da parte de setores da vida política, econômica e social do mundo moderno que, de certo modo, fazem com que a luta contra esse encarniçado inimigo do gênero humano se transforme numa guerra de cegos contra videntes. E além dos cegos verdadeiros, por embotamento da inteligência e da vontade, há os falsos cegos, os cegos que não querem ver, ou, pior ainda, os videntes que se fingem de cegos para mistificar as camadas da opinião pública que poderiam reagir de modo desfavorável aos desígnios dessa subversão universal, no caso de um jogo demasiadamente aberto e claro.

Se bem analisarmos as causas principais do progresso do comunismo no mundo inteiro, desde o advento do regime soviético após a primeira guerra mundial, veremos que seus avanços são devidos mais à política suicida dos responsáveis pelos destinos dos povos livres, do que à pugnacidade dos líderes vermelhos. Essa paralisia do Ocidente é palpável sobretudo depois da segunda guerra mundial. Todos sabem que a Alemanha nacional-socialista só se atreveu a fazer desabar sobre a humanidade esse tremendo conflito armado quando sentiu um de seus mais importantes flancos garantido pelo pacto Molotov-Ribbentrop. Mas, como acontece nas alianças entre bandidos, as tropas hitleristas se voltam contra seus aliados da véspera. O eixo Roma-Berlim é derrotado sobretudo pela decisiva ajuda norte-americana, e o mundo estarrecido vê sentarem-se entre os juízes, em Nuremberg, para o julgamento dos criminosos de guerra, alguns sinistros representantes desse mesmo governo comunista que nas florestas de Kattyn havia ordenado o massacre da fina flor do exército polonês, o primeiro a enfrentar as hordas de Hitler. Mais ainda: como despojos de guerra, cedem os chefes aliados à Rússia soviética a Polônia, por cuja integridade como nação livre a França e a Inglaterra haviam pegado em armas no início do conflito. Seguem também a mesma triste sina todos os países do Leste europeu, contidos atrás do que passou a ser a cortina de ferro. Na Ásia toda a imensidão da China continental e da Manchúria, bem como a Coréia do Norte, são entregues, de mãos atadas, a esse mesmo despotismo soviético.

A CEGUEIRA DA DIPLOMACIA OCIDENTAL

Naquele momento em que o poderio bélico das nações ocidentais era incomparavelmente superior ao da Rússia soviética, marcadamente pela posse do segredo da energia nuclear ainda não revelado aos comunistas, desconheceriam os líderes políticos do mundo livre o destino que estava reservado aos povos que eles tão fria e calculadamente abandonavam ao poder discricionário do Kremlin?

Que dizer da proeminência dada à Rússia soviética na Organização das Nações Unidas, através do direito de veto reservado às grandes potencias? Que dizer da atuação desse organismo internacional que, por exemplo, na mesma ocasião em que se aliava à Rússia comunista para dar mão forte ao aventureiro Nasser no caso de Suez, contra os legítimos interesses do Ocidente, fechava os ouvidos aos apelos dramáticos do povo húngaro, que se via brutalmente esmagado pelos tanques soviéticos, ao mostrar ao mundo seu indisfarçável desejo de se libertar da opressão vermelha?

Ora, o princípio de uma falsa autodeterminação dos povos, que segundo a ONU só parece vigorar para implantação do comunismo, não pode servir de pretexto para nos fazer indiferentes à sorte de nossos irmãos que, na Rússia soviética e

(continua)