O PRESIDENTE KENNEDY AFIRMOU QUE TODOS OS POVOS TEM O DIREITO DE ESCOLHER, POR ELEIÇÕES LIVRES, ENTRE O REGIME COMUNISTA E QUALQUER OUTRO
(continuação)
União Soviética estivesse meramente procurando proteger seus interesses nacionais, proteger sua segurança nacional, e permitisse que outros países vivessem de acordo com a sua vontade — viver em paz — então acredito que os problemas que agora causam tanta tensão desapareceriam”.
E pouco depois insiste:
“Se a União Soviética olhasse unicamente por seu interesse nacional, para proporcionar uma vida melhor ao seu povo, em condições de paz, acho que não haveria nada que pudesse perturbar as relações entre a União Soviética e os Estados Unidos”.
Ora, como admitir sem a máxima candura, sem a mais inteira amnésia do que seja o comunismo, que possa este renunciar séria e duravelmente à conquista do mundo?
E ainda que a URSS assumisse neste sentido os compromissos mais formais, como crer que ela se sentisse obrigada a respeitá-los?
3 — O repórter comunista teve a audácia de fazer a seguinte afirmação:
“Quando os bolchevistas, liderados por V. I. Lenine, subiram ao poder, todo o mundo capitalista gritou que eram conspiradores e que não havia liberdade na Rússia; todavia, em 44 anos, nosso país se tornou uma grande potência”.
Nesta ocasião, por que deixou o Presidente passar sem protesto uma asserção tão insolente? Sem o concurso dos aliados, a Rússia jamais teria vencido a guerra contra a Alemanha de Hitler. Nem sequer teria podido resistir só por si à penetração da parte dos exércitos nazistas que o tirano alemão destinara à conquista de Moscou. Todos os fatos o provam. Ademais, pouco antes da segunda guerra mundial as tropas russas foram vergonhosamente derrotadas pela Finlândia. O que de mais concludente?
Acresce que, se a Rússia dominou a Europa Central e pôde estender o comunismo por toda a China, isto não se deve de nenhum modo à força do regime soviético mas à ingenuidade “chamberlainesca”, imensa, inconcebível, de homens como Roosevelt e Marshall.
Porque deixar passar pois, sem protesto, essa insolência que é além do mais uma impostura?
4 — O Sr. Kennedy afirmou que todos os povos têm o direito de escolher, por eleições livres, entre o regime comunista e qualquer outro. Eis suas palavras:
“Como já indiquei permita-me dizer que, se os povos desses países fizerem uma escolha livre, e mostrarem que preferem o sistema comunista, socialista ou qualquer outro, então os Estados Unidos e o povo dos Estados Unidos aceitarão isso. Daí, eu ter dado o exemplo da Guiana Inglesa. ( ... ) Existem muitas mudanças, como já afirmei, no mundo inteiro; povos que desejam viver de forma diferente. Isso é o que também nós desejamos. Se tiverem uma oportunidade de fazer uma escolha e escolherem apoiar o comunismo, aceitaremos isso. Ao que objetamos é à tentativa de impor pela força o comunismo, ou uma situação em que, uma vez que um povo tenha caído sob o comunismo, os comunistas não lhe dêem uma oportunidade justa de fazer outra escolha.
“Tínhamos a impressão de que o Acordo de Yalta e o Acordo de Potsdam previam a livre escolha para os povos da Europa Oriental. Em nossa opinião, eles não têm atualmente o direito de uma livre escolha. V. Sa. poderá argumentar que eles podem querer viver sob o comunismo, mas, se não quiserem, não têm a oportunidade de mudar.
“Acreditamos que, se a União Soviética — sem tentar impor o sistema comunista — permitir aos povos do mundo viver como desejarem viver, as relações entre a União Soviética e os Estados Unidos serão então bem satisfatórias e nossos dois povos, que ora vivem em perigo, poderão viver em paz e com um nível de vida grandemente melhorado. Acho que possuímos oportunidades econômicas tão vastas, agora, em nossos dois países, que deveríamos considerar como viver juntos, e não tentar impor nossas vontades um ao outro, ou a qualquer parte”.
Ora, isto importa precisamente em afirmar o princípio de Rousseau, inúmeras vezes condenado pelos Papas, de que o povo é soberano e por isto é livre de aceitar ou de transgredir a Lei de Deus.
A ser aceito este princípio, os judeus teriam tido todo o direito de preferir Barrabás a Jesus Cristo, e de pedir a morte do Filho de Deus. Pilatos não teria sido um juiz fraco e ignóbil, mas um executor fiel — e despido de preconceitos romanos colonialistas — da vontade do povo judaico, soberano como todo povo!
5 — Por fim, que enorme erro tático na afirmação deste grave erro doutrinário. O repórter comunista pôs em dúvida cinicamente o que é uma eleição livre:
“Uma pessoa pode considerar livres certas eleições, enquanto outra as consideraria não democráticas. Por exemplo, em vários países da América Latina grandes mudanças revolucionárias se estão verificando. Durante muito tempo, os Estados Unidos consideraram Trujillo como tendo sido democraticamente eleito. O mesmo vem sendo dito a respeito do regime do Xá da Pérsia. Mas deixemos de argumentações e passemos à pergunta seguinte”.
E o entrevistado, sentindo talvez o terreno viscoso que pisava, nada respondeu.
6 - Por fim, uma observação genérica. Quanto tem a Santa Sé feito no plano da oração e da ação, em favor da Igreja do Silêncio? Quem lê a entrevista do Sr. Kennedy, tão enfática no afirmar o direito do comunista Jagan de fazer o que bem entender na Guiana Inglesa, não pode deixar de se sentir confrangido, notando sua atitude tímida em relação às nações oprimidas da Europa Central, cujos habitantes católicos recobrariam a santa liberdade de ser fiéis a Cristo, tão logo as desocupasse a Rússia. Quando muito, aqui e ali, se nota na entrevista alguma alusão muito velada, alguma afirmação explícita mas brandíssima, baseada, não na proclamação dos direitos de Jesus Cristo, mas no princípio condenado da soberania popular. Quanto à exigência da liberdade religiosa para os Católicos na Rússia, nem uma palavra.
Mas, dirá talvez alguém, esta é a orientação que o povo norte-americano quer. Pomo-lo em dúvida. Em todo caso, admitamos que o povo assim o deseje. Se o Presidente Kennedy não tiver outra saída, renuncie ao poder. É duro? Talvez. Mas, para não afirmar princípios errôneos, é do feitio do verdadeiro católico consentir em fazer coisas duras. Basta ler as Atas dos Mártires... ou os fastos estupendos da Igreja do Silêncio.
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A entrevista do Sr. Kennedy nos faz pensar em um documento saído a lume por assim dizer em outro extremo do continente.
Todo o Brasil sabe que o Exmo. Revmo. Sr. D. Vicente Scherer, Arcebispo de Porto Alegre, denunciou “a presença e a ação de comunistas militantes na administração estadual e em outros setores” do Rio Grande do Sul, bem como acusou que “elementos do governo (gaúcho), ao menos aparentemente, favorecem ( ... ) movimentos de agitação que cada vez mais assumem a forma de uma verdadeira mobilização subversiva de caráter comunista, a exemplo do que ocorreu na China e em outros lugares, para a conquista do poder”.
A atitude de S. Excia. Revma. despertou gerais aplausos no País. Eis entretanto o pronunciamento dos presidentes do Diretório Central de Estudantes e de seis Centros Acadêmicos da Pontifícia Universidade Católica de Porto Alegre (transcrevemo-lo na íntegra do órgão católico daquela cidade, o “Jornal do Dia”, de 17 de outubro passado):
“Com relação aos problemas que envolvem a opinião pública do Rio Grande do Sul, face às ultimas declarações de Sua Excelência Reverendíssima, e que culminaram com a formação de uma Comissão pelo Estado no sentido de averiguar a “infiltração comunista” no Governo e na classe universitária, vêm os alunos da PUC, representados pelo Diretório Central de Estudantes, a público manifestar o seguinte:
“Preliminarmente — que não procede esta orientação tomada pelo Estado no sentido de verificar a infiltração comunista no Governo e na classe estudantil, por isso que a lei constitucional assegura a liberdade de pensamento, que se constitui na essência do regime democrático, oferecendo, assim, oportunidade a que todos os indivíduos livres se manifestem por essa ou aquela ideologia;
“que é sabido, notório e público, que movimentos de ordem comunista, aproveitando-se das oportunidades de mal-estar social, procuram incutir, como última esperança, suas idéias à massa popular não só do Rio Grande do Sul mas de todo o Brasil;
“que porém, não se compreende a coibição desta expansão ideológica apenas, fundamentando-se na presunção de que esta se encaminha para a subversão da ordem social, em ação nociva ao regime democrático, sem que se esteja cometendo um ato discricionário;
“que, por isso mesmo, preliminarmente, somos pela dissolução dessa Comissão, embasados nas razões antes expostas, e na convicção de que esta maneira de proceder-se, além de não condizer com nossos foros democráticos, não resolveria os problemas que nos afligem e que por sua conseqüência estão a criar estas celeumas.
“O mérito – Cremos que os fatores que possibilitam, alarmantemente, a adesão às idéias comunistas, no Estado e em todo o Brasil, são conseqüências da pobreza e da miséria em que vive mergulhada a maioria do povo brasileiro, à mercê de um capitalismo caracterizado pela exploração do homem pelo homem, pelo absoluto descaso dos órgãos competentes, como é o caso do Congresso Nacional, que no seu conservadorismo abominante dorme o sono de pedra diante de todos estes problemas, jamais se preocupando em estudar, discutir e votar as reformas de base que o País, através do seu pauperismo, da sua doença, do seu analfabetismo, está a exigir e clamar.
“Não compreendemos a luta contra o imperialismo comunista sem a luta contra o imperialismo capitalista, nem admitimos a sua forma configurada pela subversão, no primeiro caso, e reação no segundo, mas sim pela ação efetiva e conjunta dos poderes constituídos e das classes privilegiadas, no sentido de uma distribuição social mais cristã, mais humana, menos aviltante ao espírito humano e injusta, como a que predomina em nossa pátria”.
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Ora, a essas deploráveis alegações cumpre preliminarmente objetar que a liberdade de pensamento afirmada pela Constituição não tem a amplitude imaginada pelo manifesto.
Mas, e é sobretudo isto que importa, a Lei de Deus está acima das leis dos homens. E nenhum católico pode dar sua aprovação a que uma lei – seja ela constitucional – confira liberdade aos comunistas para difundirem seus erros. É este um ponto pacífico da doutrina católica.
Ademais, não compreendemos porque o manifesto fala só de defesa da democracia. Porventura o único mal do comunismo está em seu caráter despótico? De tudo quanto ele nega, ataca e tenta destruir com a mais bárbara violência, é só a democracia que merece ser defendida? Não é a todo este imenso acervo de valores chamado civilização cristã, que cumpre defender? Mas, dir-se-ia talvez, democracia e civilização cristã são noções equivalentes. Nós o negamos. São Pio X ensinou precisamente o contrário, ao proclamar, na Carta Apostólica “Notre Charge Apostolique”, que a civilização cristã, segundo Leão XIII, é possível em qualquer das três formas de governo.
Para terminar, uma rápida observação. Não seria o caso de mencionar expressamente, como fatores da expansão comunista, a ignorância religiosa e a moderna corrupção dos costumes? Pio XII ensinou que a questão social, na qual a miséria e a injustiça têm uma inegável importância, entretanto deriva sobretudo de problemas religiosos e morais (cf. Discurso de 12-9-1948, por ocasião do 80º aniversário da Juventude Italiana da A.C. – “Discorsi e Radiomessaggi”, vol. X, p. 210).
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Outro sintoma recente, por fim, da desorientação dos católicos, está em que um militar ilustre, que sempre professou claramente sua fé, como o Marechal Juarez Távora, haja participado da Conferência internacional do Rearmamento Moral, realizada em Petrópolis, no mês de dezembro. Também a Confederação dos Círculos Operários, de inspiração católica, tomou parte na reunião. Segundo “O Estado de São Paulo” de 6 de dezembro passado, ali estiveram outros “líderes católicos de relevo” e outras “entidades de orientação católica”. Discursando na sessão de encerramento, o Marechal Juarez Távora afirmou que “o Rearmamento Moral é a revolução final que terá um resultado efetivo, pois desenvolve a natureza humana e cura o ódio”.
Ora, contra o Rearmamento Moral há vários pronunciamentos eclesiásticos, de valor (cf. “Catolicismo”, nos 21 e 131). É o que explica que o Bispado de Petrópolis tenha publicado uma nota prevenindo os fiéis a respeito dos erros do movimento, que tem por uma de suas bases o princípio errôneo de que “todas as religiões são boas”.
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Sirvam estas notas para que nossos leitores se preservem de tais erros, dos quais está todo impregnado nosso ambiente. E para que rezem e ofereçam sacrifícios a fim de que Nossa Senhora abençoe o Concílio para cabal dissipação da confusão e das trevas que se avolumam.
CALICEM DOMINI BIBERUNT
O ARCEBISPO EXCOMUNGA OS CHEFES DA PATARIA
Fernando Furquim de Almeira
O Arcebispo Guido da Velate comprara do Imperador Henrique III a sua nomeação para o sólio de Milão. Acusado de simonia durante o pontificado de São Leão IX, conseguira ser perdoado e de novo nomeado para o cargo, desta vez diretamente pelo Papa. Vendo que Santo Arialdo e Landulfo Cotta não se intimidavam com suas ameaças, e lembrando se do êxito que naquela ocasião tivera junto à Santa Sé, resolveu consultá la, apesar de todas as restrições que fazia à jurisdição de Roma sobre a sua arquidiocese. Pois sabia que só uma ordem do Vigário de Cristo poderia fazer calar os dois atletas do Senhor (como os apelidava o povo).
O Papa era Estêvão IX, que se chamara Frederico de Lorena antes de subir ao trono pontifício. Pertencia a uma das mais importantes famílias do Império, cuja influência seu irmão, Godofredo o Barbudo, Duque de Lorena, ainda aumentara casando se com Beatriz, viúva do Marquês Bonifácio da Toscana e mãe da célebre Condessa Matilde, que se imortalizaria pelo seu devotamento integral ao Papado durante a luta das investiduras. Completamente dedicado à reforma gregoriana, amigo íntimo do Arquidiácono Hildebrando (o futuro Gregório VII), Estêvão IX tomara como conselheiros todos os grandes líderes do movimento de reforma. Além de Hildebrando, os homens que ajudavam o Pontífice na luta aberta que mantinha contra a simonia e o nicolaísmo eram Estêvão, Cardeal de São Crisógono e monge de Cluny, Desidério, Abade de Monte Cassino, São Pedro Damião e Anselmo da Baggio, o fundador da Pataria.
Desejando resolver a questão surgida entre o Arcebispo e a Pataria sem recorrer a medidas extremas, Estêvão IX recomendou a Guido da Velate que reunisse os bispos da Lombardia num sínodo para tomar as providências mais convenientes contra os abusos que existiam em suas dioceses. O sínodo se realizou em Fonteto, na Novara. Nele o Arcebispo apoiou a parte má de seu clero e atacou violentamente Santo Arialdo e Landulfo Cotta, que não estavam presentes para se defenderem, terminando por excomungá los.
Ao ser conhecida em Milão essa violência, explodiram motins em toda a cidade. Os palácios dos nobres favoráveis a Guido foram atacados, o que os obrigou a se retirarem para suas casas de campo. Diante dessa agitação, Santo Arialdo e Landulfo Cotta resolveram consultar novamente Anselmo da Baggio, em Luca. O futuro Papa Alexandre II os aconselhou a irem pessoalmente a Roma a fim de expor ao Pontífice o que estava acontecendo na Lombardia. A notícia dessa viagem se difundiu rapidamente pela cidade de Milão, que imediatamente voltou à calma, tão certo estava o povo de que a causa defendida pelos pátaros era justa, e portanto levaria a melhor em Roma.
Ao partir, acompanhados pelo teólogo Oldeprando, os dois amigos estavam longe de imaginar o perigo que corriam. O Arcebispo, indignado, se achava disposto a evitar a viagem de qualquer modo, e mandara colocar no caminho homens armados, com ordem de interrompê la ainda que fosse necessário empregar a força. Apanhados de surpresa pelos sicários, Landulfo e Santo Arialdo se recusaram a voltar, e numa escaramuça que se seguiu o primeiro foi ferido, enquanto que o segundo logrou escapar e continuou a viagem sozinho.
Em Roma, Estêvão IX promoveu uma reunião de elementos da Cúria, na qual Santo Arialdo foi convidado a se explicar oralmente. 0 Cardeal Dionísio, amigo de Guido da Velate, tomou a defesa do Arcebispo de Milão, empenhando se em acalorada discussão com Arialdo. O Papa impôs silêncio a ambos, sem se manifestar sobre qual deles tinha razão, mas levantou a excomunhão dos chefes da Pataria e anunciou que enviaria a Milão legados pontifícios a fim de estudarem in loco a situação da Igreja na Lombardia.
Os enviados do Papa foram o Arquidiácono Hildebrando, São Pedro Damião e Anselmo da Baggio. Como a sua missão fosse exclusivamente a de verificar o estado em que se achava a arquidiocese, não tomaram nenhuma medida. Mas a causa do arcebispo era tão ingrata, que ninguém duvidava de que eles tinham concluído que a razão estava com Santo Arialdo. Os adversários deste último se incumbiram de tornar mais patente a própria derrota, acusando os legados de parcialidade e fazendo correr entre o povo que eles durante a noite recebiam secretamente os membros da Pataria, para obter falsas informações desfavoráveis ao clero e para exortá los a prosseguir na campanha responsável por toda a perturbação que existia na cidade.
A atividade da Pataria teve a partir de então um grande impulso. Ela descrevia Milão como o habitat natural de Simão Mago, o adversário de São Pedro de quem os traficantes de coisas sagradas herdaram o nome de simoníacos. Lembrava ao povo que este não podia aceitar como legítimos sacerdotes os que tinham comprado a sua ordenação, e o concitava a obrigar os clérigos a viverem bem. Os fiéis pediam constantemente a Santo Arialdo providências para que não lhes faltasse assistência espiritual, tão grande era a proporção de padres simoníacos. Impotente, o Santo lhes recomendava que rezassem e pedissem com confiança a Nosso Senhor que lhes enviasse bons pastores.
Um sacerdote comprara uma igreja a um cavaleiro que tinha o patronado dela. Mais tarde, arrependidos, resolveram ambos doá la a Santo Arialdo em reparação do pecado de simonia cometido. Essa igreja tornou se, desde então, a sede da Pataria, e ao seu lado foi construída uma casa para alojar os padres da associação, reunidos em comunidade.
Guido da Velate, tendo verificado que os pátaros contavam com o apoio da Santa Sé, não mais se atrevia a combatê los publicamente. Os nobres que o apoiavam também se mantinham reservados, contidos pelo receio de provocar as iras de Godofredo o Barbudo, certamente o mais poderoso senhor feudal italiano.
Em 1057, porém, a Pataria lançou um edito intimando os clérigos que viviam mal a abandonarem suas concubinas ou renunciarem a seu ofício. A parte boa do povo acolheu a iniciativa com entusiasmo, mas o mau clero viu que estaria perdido se não reagisse energicamente, e se não acabasse com essa incômoda situação destruindo definitivamente a Pataria. Em Milão não se falava de outra coisa, e a cidade se tornou palco de luta aberta entre os dois partidos. A morte de Estêvão IX agravou ainda mais a contenda, pois, percebendo quanto a vacância da Santa Sé lhes facilitava a ação, os adversários da Pataria redobraram de violência para aniquilá la antes que um novo Pontífice fosse eleito.
NOVA ET VETERA
“REFORMA AGRÁRIA” ABSURDO ECONÔMICO
É do conhecimento geral a intensa campanha que vem sendo feita no Brasil a favor da reforma agrária. A expressão tem assumido entre nós vários significados, podendo-se, contudo, estabelecer um certo denominador comum para a maioria deles. Em geral, por reforma agrária tem-se entendido um movimento expropriatório em larga escala, tendente a extinguir as grandes e medias propriedades rurais, fracionando em terras de pequena extensão.
Tal reforma é condenável do ponto de vista moral e jurídico, e desaconselhável em seu aspecto econômico.
Várias são as razões que desaconselham a implantação dessa reforma agrária no Brasil. Em primeiro lugar, existem aqui grandes extensões de terra que pertencem ao Poder Público, as quais poderiam ser utilizadas para a realização de vastos planos de colonização, sem que fosse preciso desapropriar terras de particulares. Depois, a estrutura agrária brasileira acusa grande dinamismo, adaptando-se às mutáveis condições da realidade concreta do País. Mesmo as grandes propriedades, tidas como tipicamente monocultoras, têm se transformado quando o impacto de condições novas o aconselha. Em terceiro lugar, as pequenas propriedades vêm-se multiplicando naturalmente entre nós, não sendo necessário promover a sua difusão compulsória por meio do Poder Público. Por fim, a produção agrícola nacional manifesta acentuada tendência à expansão, num claro desmentido aos que afirmam ser obsoleta a estrutura agrária do País.
Tudo indica que as condições concretas da economia nacional estão longe de exigir reformas violentas em nossa estrutura agrária, que seriam antes causa de profundos desequilíbrios no volume da produção rural. Examinemos, com o detalhe que um rodapé comporta, os quatro pontos indicados.
RELEMBRANDO UM ARGUMENTO
O primeiro deles foi largamente tratado em «Reforma Agrária — Questão de Consciência». Mostra-se naquele livro que, pelo recenseamento agrícola de 1950, a área das propriedades rurais brasileiras atingia a 232 milhões de hectares para uma superfície terrestre do País da ordem de 847 milhões de hectares. Isso significa que, do território nacional, apenas 27,4% estavam apropriados em 1950, restando uma imensa área a ser ocupada. Essa área, legalmente pertencente ao Estado, pode ter se reduzido no decênio que se seguiu a 1950, numa proporção que só se conhecerá quando forem publicados os resultados do censo de 1960. Mas ela certamente permanece considerável, e muito superior à parte apropriada. Tendo à sua disposição uma tão grande área, inteiramente desocupada, como pode o Estado pretender desapropriar terras de particulares para a realização de planos de colonização?
UMA PESQUISA INSUSPEITA
O segundo dos pontos de início assinalados deve merecer referência especial, pois está relacionado com um chavão muito conhecido. Trata-se da afirmação de que a grande propriedade gera a monocultura de exportação. Pois bem, uma pesquisa há pouco divulgada, realizada pela Secretaria da Agricultura do Estado de São Paulo, juntamente com a FAO (Organização de Alimentação e Agricultura, da ONU), a CEPAL (Comissão Econômica para a América Latina) e o Instituto Brasileiro do Café, mostrou que as fazendas cafeeiras — tidas como protótipos da grande propriedade monocultora — vêm passando no Estado de São Paulo por profundas transformações que revelam a capacidade de adaptação dos fazendeiros. Com efeito, verificou-se através desse levantamento que existe uma notável tendência para a introdução da policultura nessas fazendas. Assim é que apenas 16% da extensão das suas terras são atualmente dedicados à cultura do café, enquanto 52% o são às pastagens, 7% a culturas diversas, 8% são cultivados por parceiros e colonos e 17% são constituídos de terras não utilizadas, não aproveitáveis ou ocupadas com benfeitorias. O que ainda conserva a tais estabelecimentos o caráter de propriedades cafeeiras é o fato de que a rubiácea lhes fornece a metade da renda bruta. Realmente, 52% da renda bruta dessas fazendas provêm do café, 18% da pecuária de corte e de leite, 5% de outros animais, 7% da cana de açúcar, 5% do algodão, 5% do milho e 8% de outras culturas. Vê-se assim que a demagogia em torno do alegado caráter monocultor da produção cafeeira não tem fundamento na realidade.
Passemos ao terceiro aspecto que nos propusemos analisar. A atual estrutura agrária brasileira não tem impedido o aparecimento da pequena propriedade. Em todas as regiões em que a fertilidade do solo o permite, e quando existem nas proximidades mercados consumidores de importância, ou estes são facilmente acessíveis por boas estradas, naturalmente surgem pequenas propriedades, dedicadas primordialmente à produção de gêneros de primeira necessidade. Ora, se a estrutura agrária nacional não tem impedido a espontânea fragmentação dos grandes estabelecimentos rurais em outros, médios e pequenos, porque introduzir violentas reformas nessa estrutura, mediante leis de exceção que ferem o direito natural de propriedade?
Finalmente, uma palavra deve ser dita sobre o comportamento da produção rural brasileira, focalizando em especial a agricultura. Para o livro «Reforma Agrária — Questão de Consciência» tivemos a oportunidade de calcular um índice do volume dessa produção até 1959 (com dados provisórios para este último ano) a fim de verificar como vinha ela se comportando, pois se afirmava que a estrutura agrária a estava estrangulando. Atualizados esses índices com os resultados definitivos para 1959 e os preliminares para 1960, constata-se que nossa produção rural continua se desenvolvendo satisfatoriamente.
O volume de produção das culturas de exportação expandiu-se de forma mais acentuada, ainda que seus resultados sejam muito irregulares, com uma sucessão nítida de anos bons e maus. Assim é que o índice dessa produção, com base 100 em 1948, atingiu o nível de 277,6 em 1959 e de 259,3 em 1960. A tendência da produção de gêneros para consumo do mercado interno tem sido bem mais regular, e o índice respectivo, com base em 1948 = 100, atingiu os níveis de 153,9 e de 169,4 respectivamente em 1959 e em 1960. Isso significa que essa produção expandiu-se a uma taxa média compreendida entre 4,0 e 4,5% ao ano, no período de 1948 a 1960, taxa essa que supera a do crescimento da população brasileira e acompanha a expansão do mercado consumidor interno.
NÃO CONHECEM A REALIDADE?
Vê-se pelas considerações apresentadas como seria absurda a realização da reforma agrária expropriatória no Brasil. Por isso é que de seus tenazes propugnadores se pode dizer que, ou não conhecem a realidade, ou desejam subverter a ordem social, criando o caldo de cultura adequado à instauração do socialismo na Terra de Santa Cruz.