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O CANADÁ FRANCÊS E SUA GRANDE MISSÃO HISTÓRICA

F. F. A.

Os primeiros franceses que chegaram ao Canadá tiveram que enfrentar, além da natureza agreste, dos rigores do clima e da ferocidade e desconfiança dos índios, a incompreensão da metrópole, que não soube reconhecer os serviços que esses desbravadores prestavam à pátria. Sua coragem, esforço e tenacidade conseguiram, no entanto, vencer todos esses obstáculos, e surgiu a Nova França, promessa de uma grande nação que transplantaria para o continente americano as gloriosas tradições da filha primogênita da Igreja.

Com os colonizadores vieram os missionários — muitos dos quais morreram mártires — para incutir no povo que se formava os ensinamentos da Igreja. Entre eles merece destaque Mons. de Montmorency-Laval, primeiro Bispo de Québec, incansável apóstolo a quem se deve, em grande parte, a fé sólida que preservou mais tarde o Canadá francês, conquistado pela Inglaterra, de perder sua Religião e, com ela, a cultura que recebera da França.

As colônias britânicas vizinhas dificultavam o desenvolvimento da Nova França, criando-lhe toda sorte de embaraços e procurando todos os pretextos para invadi-la, o que a obrigava a uma constante vigilância armada. A Inglaterra não via com bons olhos a formação de um grande país católico próximo a suas colônias, e prestava todo o apoio a essa política de hostilidade. A França, porém, recusava a Québec os auxílios que seriam necessários para enfrentar com êxito tais adversários.

A guerra dos Sete Anos pôs termo a essa situação. A Inglaterra invadiu a colônia francesa, que teve de capitular ante a superioridade de forças do inimigo, depois de heroica resistência. Pelo Tratado de Paris, firmado em 1765, a França renunciou definitivamente ao território conquistado pela Inglaterra. Com a leviandade que o caracterizava, Voltaire teve a sua costumeira frase de espírito, dizendo que a Franca entregara "algumas jeiras de neve" e continuaria feliz sem Québec.

Desde então a Inglaterra tentou subjugar a sua nova conquista. As leis inglesas substituíram as francesas, os católicos foram perseguidos, foi-lhes proibido exercer cargos públicos sem renegar a sua fé, e a cultura britânica, eivada de protestantismo, tudo fez para tomar o lugar da francesa. Os franco-canadenses resistiram valentemente a essa política de absorção, até que, em 1791, a Inglaterra renunciou a ela, criando duas províncias autônomas: uma francesa, a de Québec, e outra inglesa, a de Ontário.

De 1791 a 1840 essa situação se manteve. A 23 de julho de 1840, porém, as duas províncias foram de novo reunidas, e finalmente, em 1867, o Canadá foi transformado numa confederação de províncias independentes, tendo Ottawa por capital. Em 1926 foi-lhe conferido o estatuto de Domínio.

Atualmente, as duas províncias canadenses mais prósperas e populosas são Québec e Ontario. É pequena a diferença de população entre elas, e a primeira, com seus cinco milhões de habitantes, é o centro de irradiação da cultura francesa em toda a América.

A Província de Québec sempre defendeu os direitos que lhe são assegurados pela Constituição de 1867, e tem resistido a todas as tentativas feitas "pelo governo central no sentido de cercear sua autonomia por meio de interpretações da lei que regula a união das várias províncias. Ultimamente, o progresso do socialismo no Canadá, com sua tendência centralizadora e unificadora, veio agravar o problema. Vendo a inutilidade de seus bons propósitos de colaboração leal dentro da atual confederação, Québec deseja maior autonomia, pois assim poderá conservar melhor as suas tradições católicas e assumir mais plenamente sua função histórica de herdeira, na América, do espírito francês.

As aspirações de maior autonomia do Canadá francês não podem deixar de ser olhadas com simpatia pelos católicos. Livre dos obstáculos inerentes à sua união com as províncias protestantes, poderá ele restaurar na América, juntamente com os países oriundos de Portugal e da Espanha, essa Cristandade que gerou a civilização ocidental, hoje tão ameaçada pelo perigo comunista e sem a qual este não poderá ser definitivamente vencido. Mas, para que essa missão possa ser cumprida, é necessário que esses países se imbuam do espírito que animou os nossos maiores, espírito que é fruto da fé, da ortodoxia, do amor de Deus que faz realizar grandes feitos para a sua maior gloria.

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A Revolução agiu no mais profundo da alma humana e produziu esse homem contraditório, característico do mundo moderno, que se debate em crises sucessivas e é incapaz de superá-las, porque não quer ou não sabe arrancar de sua alma os germes de corrupção nela depositados. Infelizmente, o processo revolucionário atingiu certos meios católicos, e o esquecimento a que eles relegam os ensinamentos pontifícios trouxe-lhes um enfraquecimento da doutrina, principal responsável pelos numerosos erros de apostolado, já tantas vezes denunciados e condenados, mas que sempre ressurgem, dado o dinamismo próprio da Revolução.

Claro está que a America Latina, para realizar o ideal da Cristandade, deve se opor a essa marcha revolucionaria, combatendo-a resolutamente em todos os seus aspectos e matizes, e proclamando bem alto a doutrina da Igreja em toda a sua pureza.

É, pois, com prazer que assinalamos aos nossos leitores a existência em Montreal da revista Tradition et Progrès, que conta com a colaboração de uma equipe brilhante de intelectuais canadenses de grande valor, dirigida pelo Sr. Albert Roy. Inteiramente dedicada a essa missão contra-revolucionaria, Tradition et Progrès divulga os ensinamentos da Igreja sem nenhuma concessão às tendências de nosso mundo neopagão. É obvio que essa orientação não podia deixar de provocar as iras das forças revolucionarias, as quais assestaram contra a revista as suas conhecidas baterias. O Sr. Albert Roy a elas responde no editorial do número 3 de 1960: "Com o próximo número, escreve ele, Tradition et Progrès inaugurará seu quarto ano de existência. É uma performance bastante rara para uma revista de idéias no Canadá francês; devemos reconhecer que a vida não nos correu fácil: a conspiração do silêncio e a desonestidade intelectual dos meios bem-pensantes dificultaram incontestavelmente a nossa difusão. Entretanto, com o auxílio dos nossos leitores e amigos, nossa tiragem não cessou de aumentar e Tradition et Progrès não cessou de se aperfeiçoar. É um esforço que continuaremos".

Apesar das oposições, a revista não se desviou do ideal primitivo e combate com denodo, apontando o erro onde quer que ele se manifeste. Assim, no artigo "A quinta-coluna" (vol. 3, n.° 4, p. 10 e segs.) põe em evidência, documentadamente e citando fatos, os absurdos a que conduziram o esquerdismo, o progressismo e o laicismo em certos ambientes católicos. São, estes, três aspectos diferentes de um mesmo mal: "as características de um são inseparáveis das características dos outros dois a ponto de serem equivalentes". Vamos reproduzir para conhecimento dos nossos leitores apenas um dos fatos citados:

“... quando de seu recente congresso em Montreal, o subcomitê do manifesto da central da AJC (movimento de formação nacional e social da juventude católica franco-canadense) proclamava : "7.°) A AJC, oriunda da ACJC, de origem e inspiração confessional católica, e consciente da evolução sociológica do ambiente franco-canadense, até então homogêneo do ponto de vista das adesões religiosas, mas que recebeu novas contribuições, crê oportuno acolher fraternalmente nas suas fileiras todos os canadenses de expressão e de cultura francesa, desde que não professem o ateísmo nem o agnosticismo, pedindo a seus membros que se entendam sobre três pontos: a) desenvolvimento de uma vida espiritual autêntica; b) interesse pelo movimento ecumênico; c) interesse pelo movimento cristão de expansão missionária".

"Quem, senão os progressistas, teria jamais pensado em desviar assim a AJC para poder receber os não católicos do Canadá francês, que constituem menos de dois décimos por cento da população? De que movimento cristão de expansão missionária se trata: do proselitismo das testemunhas de Jeová entre nós, ou da concorrência protestante a nossos missionários na América Latina?"

E, acrescentaríamos nós, não será em fórmulas vagas como é, neste contexto, a referência a "vida espiritual autêntica", que a América reconhecerá a cultura francesa que exerceu tanta influência na sua formação intelectual, e que tem como característica proverbial a clareza da expressão.

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O laicismo, outrora apanágio dos adversários da Igreja, também se infiltrou sutilmente em meios católicos, proclamando, às vezes inconscientemente, a completa separação entre a Igreja e a vida cultural, social e política. Ele é exposto e comentado num discurso pronunciado por Sua Eminência o Cardeal Paul Emile Léger, Arcebispo de Montreal, e reproduzido por Tradition et Progrès (ibid., p. 19 e segs.).

Depois de declarar que não vai tratar do laicismo dos não católicos, expõe Sua Eminência claramente em que consiste esse erro e aponta as suas consequências, que exprimem um completo desconhecimento dos verdadeiros interesses da Igreja no que toca à formação dos católicos

"Na vida de todos os dias, alguns se desinteressam dos grandes problemas da Igreja como se se tratasse dos problemas de uma sociedade estrangeira com sede central em Roma! As perseguições religiosas são uma necessidade histórica, a carência das vocações não é um mal tão grave como se diz, a imoralidade pública é uma situação de fato que nunca se poderá mudar, etc., etc.

"A Religião, em suma, tem limites. A atividade profana escapa totalmente à sua influência e a vida social não tem que levá-la, em conta. Pode-se reservar a Religião para alguns setores mais íntimos da vida privada enquanto se trata da ordem estritamente sobrenatural e da salvação pessoal".

Em seguida, mostrando o absurdo de tais afirmações, o egrégio Purpurado relembra esta verdade hoje tão esquecida: "Não há setor da nossa vida pessoal e social, não há recôndito do nosso universo criado que escape à missão divina da Igreja. Tudo deve ser santificado pela Igreja".

Colaborador assíduo de Tradition et Progrès, o Sr. Paul Bouchard, professor de Geografia Econômica na Universidade de Laval, conhece profundamente os problemas da América Latina e vê com tristeza o nosso continente trabalhado ativamente por duas propagandas vigorosas: a do protestantismo e a do comunismo, ambas empenhadas em destruir a obra da colonização ibérica que formou ás nações americanas católicas.

Nos artigos "A Religião na América Latina" (revista cit., vol. 3, n.° 3, p. 18 e segs.) e "A luta pela América Latina" (vol. 4, n.° 3, p. 3 e segs.), aponta o Sr. Paul Bouchard esses dois perigos e lamenta a política norte-americana em relação aos outros países deste continente, mostrando que a principal causa do frequente malogro dela está em não considerarem os EUA que "a civilização na América Latina é mais antiga que em qualquer outra parte do Novo Mundo e foi infinitamente mais brilhante na época colonial. A América Latina, é preciso relembrá-lo a nossos vizinhos, não é a Ásia nem a África. É um continente latino e católico que a anarquia religiosa dos Estados Unidos deveria deixar em paz. Porque as forças dissolventes que corroem atualmente as nações hispânicas não provêm todas da Rússia. Infelizmente, elas procedem também dos Estados Unidos. Umas, conscientes e organizadas, minam a paz social dos povos latinos, enquanto as outras, incoerentes e inconscientes, solapam a integridade espiritual de uma Cristandade que elas ameaçam mergulhar na discórdia nacional ou nas querelas teológicas bizantinas das seitas norte-americanas".

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Veem os leitores, pelo apanhado que fizemos, que Tradition et Progrès é uma revista excelente e que o caminho que ela aponta ao Canadá francês é o que o levará certamente a cumprir a missão que lhe é própria na América Latina. Diz bem a Redação referindo-se à quinta-coluna progressista-esquerdista-laicista:

"Essa aberração do século toma dimensões e contornos inquietantes. As advertências dos Prelados e dos apóstolos sociais conseguirão deter a contaminação dos espíritos e dos corações? A Contra-Revolução vencerá a Revolução, essa chaga modernista magistralmente descrita por Plinio Corrêa de Oliveira? Disso depende a sorte da civilização cristã e ocidental, e mais ainda a sorte do Canadá francês em sua integridade religiosa e nacional" (artigo "A quinta-coluna" citado).


AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES

Indumentária, hierarquia e igualitarismo

Plinio Corrêa de Oliveira

O leitor já ouviu falar, sem dúvida, do Museu Grévin, de Paris. Ele se tornou mundialmente famoso como atração popular, por suas figuras de cera que, modeladas e vestidas com admirável fidelidade, apresentam ao público os principais personagens antigos e modernos, da França e do mundo.

Entre outros vultos históricos, assim evocados no Museu Grévin, figuram, no famoso encontro que tiveram no "camp du Drap d’Or", o Rei Henrique VIII da Inglaterra e o Rei Francisco I da França ( século XVI ).

Ora, um dos grandes alfaiates de Paris teve a singular idéia de vestir com uma roupa por ele produzida a figura representando Henrique VIII, e de se servir da cena assim apresentada, para efeito de propaganda.

Pode-se discutir o bom-gosto da idéia. Mas é incontestável que, sendo o objetivo da propaganda moderna atrair a todo custo — e até por meio de cacofonias ou contrastes chocantes — a atenção do infeliz "homem da rua", a foto desta página, pelo que tem de violentamente dissonante entre as figuras que a compõem, é verdadeiramente propagandistica.

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A nós, não nos interessa a propaganda, mas a discrepância. Do que provém ela? O que significa?

Uma primeira resposta que aflora naturalmente ao espírito é simples: a diferença dos tempos explica a dos trajes e das atitudes.

Mas essa resposta é por demais simples. Se o grupo fosse constituído por Francisco I e um monarca do século XVIII, a dissonância seria muito e muito menor do que entre a figura representando um monarca do século XVIII e este "Henrique VIII" vestido exatamente como algum Rei da Suécia ou de alhures, de nossos dias.

Nos duzentos anos que vão do século XVI ao século XVIII, as diferenças impostas pelo tempo pesam muito menos do que nos duzentos anos que medeiam entre o século XVIII e o século XX. Logo, não é apenas o mero e simples fato do transcurso de dois séculos que explica a antítese violenta entre as impressões causadas pelas duas figuras do clichê. Um fato novo interveio. É o triunfo, na indumentária, da Revolução.

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Em que sentido? A partir do século XIX o traje masculino se foi modificando de maneira a acentuar sempre mais a igualdade entre os homens. Enquanto outrora se admitia como postulado de bom senso que o vestuário é um complemento da fisionomia e da atitude do homem, uma expressão adequada de sua personalidade, e portanto de sua categoria e de sua função, um meio que o ajuda a exercer na sociedade uma influência condizente com essas circunstâncias, a partir do século XIX — exceção feita dos clérigos e dos militares — o traje se tornou burguês. E ninguém teve mais o direito de se vestir senão à burguesa. Foi esta uma das muitas tiranias impostas pelo igualitarismo vitorioso, O vestuário burguês ainda existe hoje, embora cada vez mais despojado de seus valores ornamentais. E é este contraste entre a condição burguesa e a de Rei, que se manifesta de modo tão chocante na foto que hoje reproduzimos.

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A Revolução, como todas as formas de deterioração e decadência, está sujeita a uma lei de algum modo parecida à aceleração inerente à queda dos corpos. Nos últimos 20 anos, ela progrediu mais do que nos 50 ou 75 anos anteriores. Enquanto, no afã de nivelar, se manifesta sempre mais em certas pessoas uma tendência para suprimir o fardão dos diplomatas, o uniforme militar, a beca do professor, a toga do magistrado, e até a batina, o traje civil se vai "play-boyzando" e se degradando a um nível e a um estilo que não têm mais qualificativo em linguagem civilizada. Qual será, dentro de 20 anos, o contraste entre um "play-boy" de hoje e um burguês de então? Sob alguns pontos de vista, maior que o contraste entre um burguês atual e um monarca de há 400 anos atrás!

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Quer isto dizer que achamos que os homens se deveriam vestir hoje copiando os trajes do século XVI? A esta pergunta infantil respondemos: não. Mas queremos que saibam respeitar na escolha de seus trajes o princípio de que estes devem refletir a justa diversidade das condições e categorias existentes em toda sociedade bem ordenada, em lugar de tender a um igualitarismo e a uma monotonia antinaturais.