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DIOCESE DE CAMPOS - EDITAL

A IGREJA E A INVASÃO DE TERRAS NO ESTADO DO RIO

† Antonio, Bispo de Campos

Havendo a imprensa diária de nosso Estado e de outras unidades da Federação noticiado com insistência que o Exmo. Sr. Governador Dr. Celso Peçanha determinara à polícia que cruzasse os braços ante indébitas invasões de terras, já realizadas e a se realizar no Estado do Rio por parte de colonos sublevados, causou o fato profunda estranheza e viva apreensão na população ordeira desta Diocese, à qual se afigurava abandonada pelo Estado a propriedade privada, que é um dos princípios básicos da prosperidade pública e da civilização crista.

Tais notícias causaram particular perplexidade aos proprietários de imóveis rurais, que se viam postos ante a perspectiva de exercer por suas próprias mãos a legítima defesa de seus patrimônios ameaçados.

Para obviar a essa situação aflitiva, houvemos por bem dirigir ao DD. Chefe do Executivo Fluminense a carta abaixo:

"Campos, 18 de outubro de 1961

"Excelentíssimo Senhor "Doutor Celso Peçanha "DD. Governador do Estado do Rio

"Excelentíssimo Senhor

"Apresentando a Vossa Excelência meus mais cordiais e atenciosos cumprimentos, venho pedir sua atenção para um assunto sobre o qual só me animei a escrever-lhe depois de madura e prolongada reflexão.

"Diretamente, diz ele respeito à administração civil. Mas, envolve graves aspectos morais e, a este título, não pode deixar indiferente a Igreja. Embora o fato, de que vou tratar, tenha ocorrido fora da Diocese de Campos, é de um alcance tal que, de um momento para outro, poderá reproduzir-se na Diocese, e, assim, permita-me, Sr. Governador, que, num espírito de amistosa cooperação, e no desejo de prevenir antes que remediar, diga a Vossa Excelência reservadamente o que sobre o assunto penso.

"Toda a imprensa tem noticiado que, no Município de Tinguá, colonos invadiram e se apoderaram de várias fazendas pertencentes a particulares. E acrescenta que, segundo instruções emanadas do Governo do Estado, a polícia deveria cruzar os braços nas questões de terras, só intervindo em caso de briga ou morte.

"Essa diretriz, a ser verdadeira, constituiria estímulo para que o mesmo fato se viesse a repetir em outras zonas do Estado. Ela representaria algo de inédito e importantíssimo na história do Brasil, pois seria esta a primeira vez que o poder público renunciaria à tutela do direito de propriedade no que diz respeito a bens imóveis rurais, pelo menos. Mas, como o instituto da propriedade privada é um só, quer se trate de bens moveis ou imóveis, se o Estado se julga no direito de abandonar à sua sorte a propriedade imobiliária rural, afirma implicitamente o direito de fazer o mesmo com a propriedade imobiliária urbana, industrial e comercial, bem como com a propriedade de bens moveis. Não afirmo, é claro, que este seja o desígnio de Vossa Excelência. Mas, os fatos, ensina-o a História, têm uma lógica e um dinamismo que transcendem as intenções momentâneas deste ou daquele governo. O passo assim atribuído ao governo de Vossa Excelência abriria, inevitavelmente, caminho para ulteriores atitudes, em sentido sempre mais avançado, no Estado do Rio, ou, pela força do exemplo, em outras unidades da Federação.

"Bem vejo, Sr. Governador, que o intuito mais imediato do ato atribuído a Vossa Excelência está no desejo de socorrer trabalhadores rurais mal remunerados. Esse desejo, em si mesmo, não pode deixar de atrair a simpatia de um Bispo da Igreja, que, pela própria natureza de suas funções, é o protetor nato dos fracos e necessitados.

"Não só agradeço tudo quanto Vossa Excelência faça neste sentido, como lhe ofereço, de bom grado, toda a minha cooperação de Bispo.

"O modo, porém, pelo qual o zelo pelos pobres se estaria manifestando no caso concreto, não pode, de modo algum, merecer o aplauso do Bispo de Campos. Pois, em nome da Igreja, que é, por missão divina, a mantenedora da ordem moral, não posso aprovar que em nosso País, onde duas terças partes do território nacional pertencem a esse gigantesco latifundiário, que é o poder público, em lugar de se encaminharem para o aproveitamento dessa imensa reserva abandonada os trabalhadores mal pagos, o Estado autorize, por sua inação, atentados contra o instituto da propriedade privada. Com efeito, Sr. Governador, o direito de propriedade, oriundo da natureza, não pode ser supresso pelo Estado. Pelo contrário, compete a este empenhar todos os meios para garantir, em sua integridade, aquele direito.

"É certo que a propriedade privada tem uma função social. Porém, quando essa função não é exercida convenientemente, o poder público pode urgir que o seja por meio de leis adequadas. Digo leis adequadas, porque as leis que, sob pretexto de exigirem o exercício da função social da propriedade, chegassem a debilitá-la ou até suprimi-la, exorbitariam, ipso facto, de seu campo de ação. E, ao suprimir a propriedade, prejudicariam igualmente ricos e pobres, pois, segundo a doutrina da Igreja, a propriedade privada é condição necessária para o bem-estar espiritual e material de todas as classes sociais.

"Entretanto, o que não encontra acolhida na doutrina católica é o princípio de que o Estado

(continua)