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DOIS TEMAS ATUAIS NA PALAVRA DE UM GRANDE BISPO

F. F. A.

O Exmo. Revmo. Sr. D. José Mauricio da Rocha, Bispo de Bragança Paulista, cujos documentos pastorais constituem um valioso conjunto de ensinamentos doutrinários claros e substanciosos, bem como de observações penetrantes e corajosas sobre os dias que correm, enriqueceu esse acervo com mais duas Cartas Pastorais de inegável atualidade, que reuniu em um volume (a). A primeira delas exorta seus diocesanos a se prepararem para o II Concilio do Vaticano. A segunda apresenta a Encíclica "Mater et Magistra". Nelas, o eminente Prelado aborda questões das mais importantes que preocupam os fiéis nesta época de confusão, levando-lhes a palavra orientadora e serena do Pastor vigilante.

Tratando do II Concílio do Vaticano, lembra S. Excia. Revma. que será ele, neste século de progresso material vertiginoso, o maior de todos os acontecimentos, "em face de sua altíssima finalidade e amplitude". É necessário, portanto, prepararmo-nos do melhor modo possível para evento de tal magnitude, empregando todos os recursos humanos para bem aprender o seu significado, e sobretudo pedindo a Nosso Senhor Jesus Cristo que envie graças abundantes para que ele atinja plenamente seus objetivos providenciais.

Convoca S. Excia. Revma. todos os diocesanos para se prepararem convenientemente, através de movimentos, sessões de estudos, conferencias, pregações, e de todos os meios, enfim, que propiciem um maior conhecimento do Concilio. Ao mesmo tempo, pede-lhes que rezem pelo êxito deste, pois, como diz o Santo Padre, "sua força e eficácia virão de Nosso Redentor, que, falando benignamente a seus Apóstolos, lhes prometeu que rogaria ao Pai para que lhes desse outro Paráclito, o Espírito de verdade".

Na Pastoral em que apresenta a Encíclica "Mater et Magistra", o venerando Bispo de Bragança Paulista mostra, de início, a contradição do mundo, que ora nega à Igreja o direito de intervir em assuntos temporais, ora exige que Ela se pronuncie a respeito deles. "Não faltam, diz S. Excia. Revma., os que gritam para que a Igreja se confine em estreitezas, querendo ver os Bispos encerrados em seus palácios sem contato com o mundo, e os Sacerdotes apertados nas sacristias; como também não faltam os que se arrogam o direito de querer impor-Lhe fazer manifestações, quando Ela julga não dever fazê-las".

A Santa Sé intervém quando considera necessário, e sempre que o faz, como agora com a Encíclica "Mater et Magistra", sua doutrina, iluminando os homens, provoca um grande movimento de interesse, "um como que uníssono coro de louvores, testemunho inequívoco do alto critério da Igreja em focalizar problemas, ainda que não sejam de exclusiva esfera espiritual; e da sabedoria com que os põe".

Lembra, em seguida, o Exmo. Revmo. Sr. D. José Mauricio da Rocha que a Igreja não é contraria a todas e quaisquer reformas, e que é até a primeira a promovê-las quando indispensáveis. A Santa Sé tem mesmo chamado a atenção dos fiéis para a urgente necessidade da reforma do homem moderno, combatendo a crise moral que é responsável por todos os males que hoje assolam a humanidade, e que se manifesta até nas menores coisas, como o modo de os filhos tratarem aos pais, os alunos aos professores, etc. Focalizando o problema da reforma agrária a Pastoral cita o livro "Reforma Agrária — Questão de Consciência" para mostrar que a Igreja não é hostil a uma reforma agrária sadia, que respeite o sagrado direito da propriedade privada, mas se opõe ao agro-reformismo de tipo igualitário e socializante. Em seu n° 133, de janeiro p.p., "Catolicismo" teve oportunidade de transcrever largo trecho do importante documento, na secção "RA-QC em 30 dias".

Depois de se referir ao 80° aniversário do Santo Padre, relembrando o quanto deve a humanidade ao Soberano Pontífice e pedindo para ele as orações dos fiéis, termina S. Excia. Revma. sua oportuna Pastoral com uma clara e enérgica apreciação sobre a crise política de que o País ainda não saiu de todo e sobre a revolução cubana.

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"Catolicismo" se sente feliz em recomendar a seus leitores estas duas Pastorais, nas quais se refletem o zelo e a cultura de um dos maiores Bispos brasileiros de nosso século.

(1) «Duas Cartas Pastorais: 1ª) Sobre o Concilio Ecumênico; 2ª) Apresentando a Encíclica Mater et Magistra», D. José Mauricio da Rocha, Bispo de Bragança — 1961.


Quatro séculos de «cultura» se aplicaram a exilar Deus dos homens

Paulo Corrêa de Brito F.°

"DIOS EN EXILIO" (1) é o sugestivo título de um ensaio do Revmo. Pe. Agustin. M. Martinez, ilustre Sacerdote agostiniano e professor da Universidade Católica de Santiago do Chile. A primeira parte da obra, que vem de ser publicada, trata "das relações do homem"; a segunda versará "a essência do marxismo e a essência da política".

Por que Deus está no exílio? Quatro séculos de "cultura", quatro séculos de "filosofia", em que se resume a história do mundo moderno, parecem não ter intentado senão exilar a Deus do homem.

O homem moderno, quando se volta para Deus, a fim de investigá-Lo quase como a um fóssil, observa as nuvens, as estrelas, o passado histórico, e deixa de examinar-se a si próprio, repositório onde o mesmo Criador está brilhando. Não vão muitos crentes, influenciados por esta mentalidade, buscar a Deus como um ente ignoto, separado de nós por infinitas distâncias? No entanto, este Deus habita nosso próprio ser. Eis uma tendência profundamente antinatural, inoculada no homem moderno por doutrinas deletérias como o racionalismo, o idealismo, o positivismo, o materialismo, o laicismo, etc.

Um homem imanente ao mundo, um mundo imanente ao homem, ambos sustentando-se mutuamente, — tal é o absurdo metafísico a que chegou, em certa medida, o pensamento ocidental. Não se trata de uma simples laicização, exterior à cultura, mas de uma secularização tão profunda, que descentra o homem de seu meio divino para convertê-lo no centro de um Ego poderoso, alijando assim do sentimento humano da realidade o seu fundamento divino.

Proclamar a transcendência humana e focalizar seu último e necessário fundamento não constitui desprezo do mundo concreto, nem atitude subjetiva e idealista, como também não é uma posição que se baseie exclusivamente na Fé. A transcendência do homem surge, antes de tudo, como um imperativo metafísico, como necessidade de todo um processo de continuidade ontológica. Mesmo um filósofo pagão como Aristóteles sentiu e procurou explicar essa transcendência, conatural ao homem e a todo ser criado.

Antes de rejeitar a Fé religiosa, o mundo ocidental foi infiel à própria essência do ser e à lógica. Duas consequências provieram desta infidelidade: a primeira, situando-se no terreno principalmente ontológico, consistiu como que num despojar da Divindade, num condenar Deus a manter-Se infinitamente distante da essência humana; a segunda, de ordem antes de tudo gnosiológica, foi o encerrar-se no puramente conceitual de uma razão com pretensões de fundamento e fim do ser.

No entanto, como frisa o Autor, quanta riqueza metafísica está contida na frase de São Paulo: "NEle somos, nos movemos e existimos" (At. 17, 28)!

Anulado esse centro de gravidade da transcendência metafísica do homem — Deus — rompeu-se igualmente o próprio fundamento das relações que mantemos com os seres.

Eis ais a tragédia do homem moderno: tornou-se não só estranho ao Ser absoluto que nele reside, mas também a si próprio e às coisas.

Mas como explicar, então, o enorme domínio sobre estas últimas, a que chegaram a ciência e a técnica contemporâneas? Bem analisado, tal domínio refere-se ao simples uso dos seres, revelando-se pequena a contribuição que ele trouxe. para alimentar e suster a transcendência do homem, numa elevação espiritual capaz de proporcionar uma cosmovisão ordenada e uma vida com sentido.

Apesar das invectivas dos que se opõem à "philosophia perennis", nunca se demonstrou que nossa concepção do "ens creatum" e do "Ens a Se" não correspondesse exatamente à revelação da última razão suficiente do ser.

A grande meditação metafísica em que outrora se empenhava a Cristandade — no afã da cultura humana de encontrar a ordem e o fundamento na hierarquia do ser — teve em Santo Agostinho e em São Tomás seus maiores expoentes. "Um observando mais a res (o ser das coisas), mas sem perder de vista a sua significação (signa); outro focalizando mais a significação, mas sem perder de vista a res" (op. cit., p. 26). Ambos, porém, estavam face ao Ser e procuravam perscrutar lhe os mistérios.

O abandono dessa gigantesca especulação, por parte da cultura ocidental, trouxe para esta, graves consequências: o Absoluto relegado à esfera do estritamente religioso e pessoal; a crença de que Ele é estranho ao homem e às coisas; em suma, um universo ininteligível, um homem desarraigado, uma cultura sem seu fundamento último.

O finito enganou ao homem, simulando ser o Infinito. Mas acarretou-lhe desespero e desolação, exatamente porque a presença essencial do Ser infinito no homem rejeita tal falsificação.

Se o Ser se esgotasse no homem, se este fosse o Ser, então o homem se identificaria com o Absoluto, com todas as infinitas perfeições que neste se incluem. No entanto, a revelação de nossa indigência e abandono na desolação, durante toda a vida, destrói essa tese. Assim, onde basear a possibilidade do ser contingente, senão no Ser Absoluto — Deus?

O homem, encerrado em sua contingência radical, manifesta seu parentesco com o nada, com o não-ser.

O Ser absoluto não deve explicar, causalmente, apenas o aparecimento do homem na existência e sua conservação, mas a presença do Absoluto é necessária para se compreenderem os nossos movimentos interiores, como ainda a possibilidade de abertura da razão humana para todos os seres. Não é mediante a inteligência humana que os seres de iluminam? No entanto, isto não seria possível sem uma participação da Inteligência absoluta. A consideração dessa Luz perpétua levou Santo Agostinho a exclamar: "Ó Deus, Luz inteligível, no qual, do qual e pelo qual luzem em sua inteligibilidade todas as coisas que inteligivelmente brilham" (Solilóquios, liv. I, cap. 1, n.° 3).

A tensão do intelecto humano para conhecer a Verdade manifesta-se através da curiosidade intelectual. E consiste como que numa fome de ser e numa luz. Esta última constitui uma participação da Luz inextinguível e está tão intimamente unida a Ela, que, se nosso ser não fosse contingente, cairíamos na tentação de identificá-lo com essa mesma Luz. O idealismo deixou-se dominar por essa tentação.

A curiosidade intelectual é, no fundo, uma natural e grande apetência de Deus. Que é, na verdade, o conhecer senão um certo participar do gosto do eterno?

Nossa transcendência é a "capacidade para possuir a Natureza suma" (Santo Agostinho, Ennarratio in Psalmum 83, n.° 3 e segs.). Enquanto essa capacidade não se completa, situamo-nos a uma infinita distancia do Absoluto, com sede do Ser e dos entes. O homem vive sob o peso de sua transcendência e liberdade. Observando sua origem, sente seu próprio peso e exclama, como o Doutor da Graça: "Porque não estou pleno de Ti, sou uma carga para mim" (Confissões, liv. X, cap. 28, n.9 39).

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Essas interessantes considerações metafísicas que nos oferece a obra do Pe. Agustin Martinez nos levam a uma conclusão amarga, mas realista: triste sina a de nossa cultura que, esvaziando-se do Ser divino, se tornou uma carga insuportável para o homem moderno. A filosofia do desespero, da angústia, da desolação é o veneno que este procura como alimento. O aniquilamento de sua personalidade e dignidade, quando não do próprio ser, através do suicídio, não são mais do que consequências práticas disso.

(1) «Dios en Exilio — I Parte: De las relaciones del hombre», Agustin M. Martinez, agustino Colección «Betania» — Editorial Universidad Catolica, Carmen, 360, Santiago de Chile — 1961.


AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES

Autênticos valores regionais e cosmopolitização

Plinio Corrêa de Oliveira

Um dos grandes esforços da Igreja tem consistido em que sua ação missionária, longe de privar de suas legítimas características os povos gentílicos, as depure de seus elementos pagãos e imorais, e ao mesmo tempo as salvaguarde, abençoe e vivifique pelo influxo da Fé, em tudo quanto possuem de sadio.

Com efeito, as diversidades dos dotes que Deus concedeu às nações em que se divide o gênero humano, são elementos da riqueza espiritual e material, de harmonia e de paz.

Em consequencia, a Igreja não é cosmopolitizante, ou seja, Ela não deseja eliminar as características regionais e nacionais, antes tende a protegê-las. Catolicizar é reunir na superior unidade da Fé os mais diferente povos, sem os eliminar como que os fundindo e liquefazendo em um gigantesco cadinho.

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No momento em que as nações africanas chegam à independência, em lugar de tenderem à afirmação e ao progresso na linha de suas características nacionais parecem varridas por um verdadeiro tufão de cosmopolitismo. E aquela absorção de todos em uma imensa e inexpressiva amálgama, que a Igreja se absteve de executar em benefício próprio, se vai operando em benefício de um neopaganismo ocidental extremado, quando não do comunismo, um e outro certamente piores que o paganismo africano.

É, pois, oportuno mostrar alguns dos aspectos locais característicos da África, que devem ser aproveitados de um ou outro modo por um progresso inteligente, que seja afim com as belas tradições deles.

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Entre muitos outros exemplos possíveis, consideremos dois.

Na primeira foto vê-se um corcel branco, com arreios pitorescos e complicados, que se empina fogosamente. Mas o chefe de tribo nigeriano o domina com elegância: a elegância varonil e desembaraçada do guerreiro. Um auxiliar revestido de uma hierática túnica de duas cores também não se perturba com o salto do corcel, e carrega a umbrela, distintivo da dignidade de chefe.

O segundo clichê representa três figuras típicas do Norte da Nigéria, que formam um quadro de conjunto, ao mesmo tempo grandioso e poético, símbolo de um povo que preza seus valores de alma e tem consciência de sua dignidade. A admirável simplicidade de traje do homem que monta um camelo contrasta coma riqueza e a fantasia da indumentária do cavaleiro e sobretudo da pessoa que vai a pé entre ambos. A imensa trombeta confere algo de heróico à cena.

África legendária e poética, que contém valores autenticamente culturais, se bem que incipientes, cujo desaparecimento não se deve desejar.