"CRUZADO ESPAÑOL"
Como ato inaugural do novo curso acadêmico de «Cruzado Español», a prestigiosa revista católica de Barcelona, foi celebrada na Igreja da Imaculada Conceição, naquela cidade, uma Missa solene para dar graças a Deus pelos benefícios recebidos e impetrar o seu auxilio, rogando ao mesmo tempo pelas intenções do Romano Pontífice e pelo Concílio.
No transcurso desse ato de piedade, o Sr. José Oriol Cuffi Canadell, Diretor de «Cruzado Español», em nome dos presentes e dos amigos e assinantes da revista na Espanha e no estrangeiro, leu as fórmulas especiais de consagração aos Sagrados Corações de Jesus e de Maria. Em seguida, o Revmo. Pe. Pedro Rifé pronunciou algumas palavras de exortação, ressaltando o significado dessa dupla consagração, e transmitindo aos assistentes as palavras de bênção e de estímulo do Exmo. Revmo. Sr. Arcebispo-Bispo de Barcelona, D. Gregorio Modrego Casáus.
Além do Diretor e redatores, estiveram presentes diversos elementos representativos do Clero e do laicato da Diocese. Manifestaram sua adesão a esse ato transcendental para a vida de «Cruzado Español» numerosos grupos de suas células, bem como amigos radicados em diversas Dioceses da Espanha e do estrangeiro.
O PADRE DIESBACH
E AS "AMICIZIE"
F. F. A.
Apesar de numerosos trabalhos históricos dedicados ao estudo do esplêndido renascimento religioso do século passado, não é ele ainda bem conhecido, faltando principalmente uma vista de conjunto que ponha em evidencia a interpenetração de todos os movimentos que dele participaram e o fundo comum que orientou o apostolado destes. Em alguns países, os historiadores conseguiram dar uma idéia razoável dos vários grupos e movimentos que neles surgiram, esclarecendo suficientemente as metas imediatas pelas quais se batiam. Eram elas determinadas pelos problemas próprios de cada povo e variavam de acordo com as mais diversas circunstancias locais. As inter-relações entre esses movimentos, as idéias pelas quais todos eles lutavam, o fundo comum que aproximava movimentos de nações diferentes, esses são praticamente desconhecidos, tão pouco foram pesquisados.
As lacunas são muito maiores no que diz respeito à fase inicial desse renascimento religioso. Nesta, nem sequer no plano nacional estão bem estudados esses grupos e movimentos. Tomando como ponto de partida a resistência às perseguições sangrentas da Revolução Francesa e à tirania de Napoleão, vemos que os católicos heróicos que então se consagravam a servir a Igreja eram obrigados a se esconder e a se organizar secretamente para poderem defender nesses tempos difíceis a causa católica ameaçada por todos os lados. Com a queda de Napoleão, a pouca confiança nessa Restauração que, como dizia Joseph de Maistre, tudo restabelecia, mas nada restaurava, obrigou-os a conservarem o segredo em muitas de suas atividades. Daí as poucas relações escritas, a escassa correspondência, muitas vezes cifrada, a falta de documentos, enfim, que dificulta um conhecimento satisfatório desse apostolado.
Aos poucos, a inteligência, a argúcia e a paciência dos historiadores vêm levantando o véu desse período confuso, e verifica-se com prazer a pujança do movimento católico de então e a maravilhosa sobrevivência da fé nessa etapa revolucionaria, fé capaz não só de resistir a todos os tipos de pressão de um ambiente hostil, como também de lutar valentemente pelo restabelecimento do reinado de Nosso Senhor Jesus Cristo na sociedade.
Há alguns anos atrás, G. Bertier de Sauvigny, pesquisando nos arquivos de um de seus antepassados, o Conde Ferdinand de Bertier, descobriu os Cavaleiros da Fé, Ordem de cavalaria secreta criada durante o Império napoleônico e que atingiu o auge de sua influência durante a Restauração. Essa descoberta permitiu a seu autor explicar o enigma da Congregação, que tanta perplexidade causava aos historiadores, renovando assim completamente a historia desse período tão importante e interessante (cf. G. Bertier de Sauvigny, «Le Comte Ferdinand de Bertier et l'énigme de la Congrégation» — Les Presses Continentales — 1948).
Surge agora o livro do Pe. Candido Bona, I. M. C. — «Le Amicizie», com o sugestivo subtítulo — «Società segrete e rinascita religiosa» (1). É, ele dedicado ao estudo das célebres «Amicizie» que surgiram na Itália poucos anos antes da Revolução Francesa e que prestaram à Igreja os mais assinalados serviços.
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“Amicizie" é o nome dado às associações que se difundiram pela Europa graças ao zelo infatigável do Padre Joseph von Diesbach, que fundou em Turim a primeira delas, a «Amicizia Cristiana», por volta de 1780.
O Padre Joseph Diesbach era um ex-oficial suíço e protestante, que servira na guarnição de Turim. Convertendo-se ao Catolicismo, fizera-se Jesuíta. Obrigado a se secularizar ao ser dissolvida a Companhia pelo Papa Clemente XIV, manteve-se sempre fiel ao espírito de Santo Inácio, com que marcou todas as suas obras apostólicas. Foi um adversário consciente da Revolução e desejava deter o seu curso. Concebeu para esse fim a idéia de fundar associações destinadas a fortalecer na fé os seus membros, combater a má literatura que se infiltrava nos meios aristocráticos e cultos, e denunciar os desvios que o jansenismo e o galicanismo continuavam a propagar apesar das condenações em que tinham incorrido. Essas associações são as «Amicizie».
Em Turim, o Pe. Diesbach encontrou dois Sacerdotes que se consagraram completamente a esse apostolado, podendo ser considerados co-fundadores das «Amicizie». Foram eles o Padre Luigi Virginio e o Padre Pio Brunone Lanteri.
Contando com tão dedicados colaboradores, Diesbach deixou a seus cuidados a «Amicizia» de Turim e em 1782 foi para Viena, onde seus ideais encontraram boa acolhida entre os jovens. O Barão Joseph von Penkler colocou à disposição do antigo Jesuíta o seu castelo e a sua fortuna, e a «Amicizia» austríaca teve logo um grande desenvolvimento. A ela se deve o movimento literário conhecido — segundo uma expressão algum tanto imprópria —como pré-romantismo religioso austríaco. Entre os membros dessa «Amicizia» conta-se São Clemente Maria Hofbauer — o apóstolo de Viena — que a tomou como modelo para as associações que veio a fundar na Áustria e na Polônia durante seu prodigioso apostolado. Ao morrer, São Clemente pediu para ser sepultado em Maria Enzersdorf, cemitério do castelo do Barão Penkler, onde já se encontravam os corpos do Padre Diesbach, do seu confessor, Padre Franz Schmidt, e de vários outros companheiros da «Amicizia» austríaca.
Por sua vez, em 1786, o Padre Luigi Virginio foi para Paris, onde, de acordo com os planos do Padre Diesbach, deveria instalar a «Amicizia» destinada a ser guia de todas as outras. Surpreendido pela Revolução Francesa, não pôde levar avante o projeto; mas, tendo-se hospedado no Seminário das Missões Estrangeiras, baluarte da resistência católica, lá conheceu o Padre Pierre Joseph Picot de la Clorivière, futuro restaurador da Companhia de Jesus na França, irmão do célebre «chouan» Limoëlan, e com ele colaborou na fundação da Sociedade do Coração de Jesus, que se tornou um dos grandes esteios do apostolado católico nessa época conturbada. A saída de Dom Virginio da França foi acidentada e as «Amicizia» perderam contato com ele durante muito tempo, chegando mesmo a admitir que tivesse sido vítima do Terror. A primeira notícia que se conhece do seu regresso a Viena é um trecho de uma carta do Conde Jean Cosme Lanthiery a São Clemente Maria Hofbauer, impressionante por sua simplicidade: «Fomos consolados aqui com a chegada de Dom Virginio; é um zeloso servidor de Deus» (p. 173). Em Viena, onde ficou até morrer, o Padre Virginio ajudou o Padre Diesbach e o substituiu quando este faleceu.
Na Itália a alma das «Amicizie» foi o Servo do Deus Pio Brunone Lanteri. De Turim, o seu apostolado se irradiou para Florença, Milão e varias outras cidades, nas quais lutou pela preservação da juventude e combateu o jansenismo com a divulgação da doutrina de Santo Afonso Maria de Ligorio, além de servir a Igreja em todos os campos em que se fizesse mister. Com a queda de Napoleão e consequente restauração dos Saboias, a primeira «Amicizia», de Turim, foi transformada em uma nova associação denominada «Amicizia Cattolica». A ela pertenceram, entre outros, o Conde Joseph de Maistre e o Marquês Cesare Taparelli d'Azeglio, colaborador constante do Padre Lanteri desde os tempos da «Amicizia Cristiana» e — com «L'Amico d'Italia», jornal que fundara — um dos primeiros grandes jornalistas católicos do século XIX.
O Padre Lanteri não limitou às «Amicizie» a sua ação benfazeja. Com o teólogo Guala colaborou na criação do «Convitto Ecclesiastico» de Turim, onde São João Bosco iniciou mais tarde a sua vida apostólica. Fundou também uma Congregação religiosa, os Oblatos de Maria Virgem, que até hoje propagam o espírito do Servo de Deus na Itália, Argentina, Brasil e em vários outros países.
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O livro do Pe. Candido Bona é excelente e nos dá uma idéia justa da vida das diversas «Amicizie», principalmente na Itália. Historiador de grandes recursos e ótimo expositor, é com prazer que o acompanhamos no estudo dessas associações, na reconstituição muito bem conduzida da viagem do Padre Virginio a Paris, e no esclarecimento das circunstancias que levaram ao fechamento da «Amicizia Cattolica» no reinado de Carlos Felix da Sardenha. Muito bem documentado, o seu trabalho revela muitas peculiaridades, até agora desconhecidas, das «Amicizie».
Queremos ressaltar nesse magnífico livro os resultados a que chegou o seu Autor pesquisando a vida do Padre Joseph Diesbach, figura até hoje muito pouco conhecida. Esse filho de Santo Inácio de Loiola é o idealizador e a alma de toda essa fecunda atividade apostólica que se estendeu pela Europa. Com o estudo aprofundado dos documentos que conseguiu, analisando com cuidado os escritos de Diesbach, o Pe. Candido Bona logrou reconstituir a verdadeira fisionomia desse homem da Igreja tão injustamente esquecido. Organizador nato, o Padre Joseph von Diesbach adotou um plano de conjunto para o seu apostolado, plano esse que só foi elaborado depois de um maduro exame da situação da Igreja em seu tempo, que lhe permitiu ver as reais necessidades da causa católica e propor os remédios mais adequados. E esse é o verdadeiro segredo do êxito de seus empreendimentos.
Sem ter o conceito preciso da Revolução, não tendo chegado a caracterizar a sua essência, como o fez o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em seu ensaio «Revolução e Contra-Revolução», o Padre Diesbach tinha nítida consciência da existência de um plano para destruir a civilização católica, e chegou a identificar alguns dos grandes meios utilizados para conseguir esse objetivo. O combate contra a realização desse plano era a razão de ser das «Amicizie», de modo que a Revolução, que Diesbach não chegou a ver com toda a clareza, foi o seu verdadeiro adversário. O Pe. Bona reproduz a «Suite des loix de l'Amitié Chrétienne», que obteve no Arquivo Secreto do Vaticano nos papéis da Nunciatura Savoia. Nesse documento, expondo os motivos que o levaram a idealizar as «Amicizie», o Padre Diesbach deixa ver o conceito que tinha da Revolução. Escreve ele, em resumo: — O combate à Igreja Católica se tornou mais eficaz desde que nele se uniram as seitas criadas pelos heresiarcas dos últimos séculos e a impiedade gerada pelos princípios por eles mesmos lançados. Desde então, os erros e os vícios corrompem a Europa. Suas principais vítimas culposas são a jovem nobreza e as pessoas abastadas de todas as condições. Em alguns países até o povo foi atingido. Como conseqüência, dessa ofensiva, a fé se extingue em milhares de corações depravados por máximas infames, e o espírito que hoje impera na Europa ultraja o Céu, corrompe a terra e povoa, o inferno. Mesmo pessoas de bem relaxam o seu primitivo fervor e desanimam vendo tantas desordens.
Mas — prossegue o fundador das «Amicizie» — as santas verdades da salvação não perderam a sua força, a palavra de Deus não envelheceu, ela quebra ainda os cedros do Líbano e faz jorrar fontes de água viva dos mais áridos rochedos. Há pessoas tentadas que podemos sustentar nas suas boas resoluções; pessoas bem intencionadas mas sem experiência que podemos premunir contra a sedução; pessoas que vivem desregradamente mas pensam em se reconciliar com Deus, e cuja conversão podemos fazer mais segura e rápida. Os homens pervertidos pelas libertinagens do espírito e do coração não o são em igual medida. Muitos deles são susceptíveis de remédios, se mãos caridosas lhos apresentarem oportunamente. Tais homens são solicitados alternadamente pelas paixões e pela consciência, pela dúvida e pelo arrependimento, e mesmo aqueles cujos males estão profundamente arraigados têm, algumas vezes, intervalos em que se mostram dispostos a escutar a voz do Evangelho (cf. p. 490).
Os comentários do Pe. Bona e os excertos que ele apresenta de um outro documento — «Rôle de l'A. C. pendant la contre-révolution» obra de um discípulo anônimo de Diesbach — despertam a curiosidade do leitor, que lamenta que este segundo opúsculo não tenha sido reproduzido também na íntegra. Seria um complemento precioso para o estudo das ideias do Padre Diesbach a respeito da Revolução, e sua importância pode ser avaliada por este trecho: «É preciso, pois, distinguir duas revoluções, uma nos espíritos e nas máximas, outra exterior. Esta segunda é a conseqüência necessária da primeira. Destruída a primeira, a outra não mais terá lugar; e vice-versa, se uma está muito avançada quase universalmente, por toda parte, a outra não está senão começando. A sorte de todos os países está de algum modo ligada à da França e o que se diz da revolução desta é do interesse comum de todos os países» (p. 189).
Por esta citação se vê que Joseph von Diesbach não tinha uma visão tão explícita e tão clara como a que apresenta o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira (op. cit.), no que se refere à Revolução nas tendências do homem, onde ela atua muito mais profundamente. No entanto, tomando como fundamento de seu apostolado esse conceito apenas esboçado, mas excelente em sua essência, o Padre Diesbach colheu frutos magníficos que constituem uma prova cabal da fragilidade do processo revolucionário.
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Um outro aspecto do livro do Pe. Candido Bona, sugere algumas reflexões. É claro que as diversas «Amicizie» tinham ligação entre si, havendo até um serviço organizado de correspondência entre elas, como bem mostra o Autor. Não há dúvida, no entanto, de que a par disso elas trabalharam também com os Cavaleiros da Fé. Não é por acaso, para dar um exemplo, que uma das obras da Congregação é a «Societé des bons livres», presidida de início pelo Duque Mathieu de Montmorency, e destinada a promover a divulgação e leitura de bons livros, finalidade ostensiva das «Amicizie». Aliás, há nesse mesmo sentido um outro pormenor curioso. Em suas memórias o Cardeal Pacca conta que era esperado em varias cidades do percurso entre a fortaleza de Fenestrelle, na qual estivera preso, até Fontainebleau, para onde se dirigia a fim de se incorporar à corte de Pio VII, que vinha de ser libertado por Napoleão. Ora, entre as pessoas que o esperavam varias eram das «Amicizie» e outras, Cavaleiros da Fé. Se nos lembrarmos de que essa viagem se fazia em condições especiais, e que havia esperanças de que o Cardeal Pacca conseguisse levar o Papa a retratar a «concordata» de 1814 com Napoleão, é natural a suposição de que ambas as organizações agiam combinadas para esse fim. Esses e outros fatos que se conhecem não são suficientes para demonstrar a existência de uma ligação mais intima entre «Amicizie» e Cavaleiros da Fé, mas provocam o desejo de que se faça um estudo mais detalhado de suas relações recíprocas. Pois, ao que tudo indica, constituiria este uma mina de novas descobertas que permitiriam um conhecimento mais preciso desse período tão interessante da historia da Igreja.
O livro do Pe. Candido Bona, I. M. C., por seu valor científico e pela enorme contribuição que deu a esses estudos, é fundamental para quem deseje conhecer esses assuntos delicados e ainda não inteiramente explorados.
(1) Pe. Candido Bona, I. M. C. —«Le Amicizie — Società segrete e rinascita religiosa (1770-1830)» — Deputazione Subalpina di Storia Patria — Torino, Palazzo Carignano — 1962.
AMBIENTES, COSTUMES, CIVILIZAÇÕES
Demagogia, o sumo do despotismo
Plinio Corrêa de Oliveira
D. João, por graça de Deus, Rei do Reino Unido de Portugal, Brasil, e Algarves daquém e dalém mar em África, Senhor de Guiné, e da Conquista, Navegação, e Comércio da Etiópia, Arábia, Pérsia, e da Índia, etc. - e Nikita Kruchev, déspota da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas, da Polônia, da Alemanha Oriental, da Tcheco-Eslováquia, da Hungria, da Romênia, da Bulgária, etc. Que contraste chocante entre os dois clichês.
D. João VI se apresenta em pose oficial, com as insígnias das Ordens militares do Reino. Tudo faz lembrar, na gravura, a distinção e a nobreza do ambiente de corte nas primeiras décadas do século XIX.
Kruchev, pelo contrário, vestido como um pequeno burguês, deixa transparecer toda a vulgaridade de atitude de um demagogo revolucionário do ano de 1964.
Em qual dos dois será mais vivo o amor à população, o senso das limitações do próprio poder, o respeito aos direitos dos governados, a noção da justiça com que o Poder Público se deve haver para com todos e cada um?
Para os espíritos superficiais, o amor ao povo, o respeito aos seus direitos, o horror ao despotismo são indissociáveis da demagogia, do cafajestismo e da vulgaridade. Pelo contrário, a elevação do porte e do trato, as maneiras distintas, o decoro no exercício das funções representativas, são indissociáveis do orgulho, da injustiça e da dureza de alma.
Trata-se aqui de um preconceito que não resiste à menor análise, pois o que é bom atrai o que é bom, e o que é mau atrai o que é mau. Assim, em si mesmo o respeito e o amor aos governados levam o governante a se apresentar com distinção. E, pelo contrário, o desprezo ao povo induz o déspota, pela própria natureza das coisas, a adotar maneiras vulgares e brutais. Tomar a vulgaridade demagógica como sintoma necessário de amor ao povo, é desfigurar a fundo a realidade.
No confronto entre D. João VI e Kruchev, estas verdades são frisantes.
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Kruchev é o representante máximo de um sistema no qual o Estado é detentor de todo o poder, e as pessoas, às quais se nega todo e qualquer direito, não são mais do que insignificantes formigas. E isto é assim, não só na prática como na teoria. Pois, como bem expôs o Exmo. Revmo. Sr. D. Geraldo de Proença Sigaud, S.V.D., em sua Carta Pastoral sobre a Seita Comunista, a doutrina marxista nega radicalmente a existência de todo e qualquer direito.
Por isto mesmo, os imensos domínios de Kruchev constituem uma vasta senzala, apresentada pela propaganda comunista como um paraíso, mas inexplicavelmente murada e fortificada, de forma que ninguém a pode visitar, e dela ninguém pode sair. Se alguém tentar escapar dessa senzala paradisíaca, deve ser morto "in actu", com se estivesse cometendo o mais grave dos crimes!
Mesmo assim, tais são as delícias dessa senzala-paraíso, que continuamente há infelizes que procuram dela escapar, preferindo sujeitar-se a todos os perigos, a desfrutar a ventura de ser governado por Kruchev.
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Vejamos agora um exemplo de senso do direito dos súditos, no reinado de D. João VI. Quanto poderia aprender, lendo o documento abaixo, o vibrante e enfunado Presidente da SUPRA, Sr. João Pinheiro Neto...
Andavam sendo feitas algumas desapropriações despóticas e injustas, no Reino do Brasil. Algumas desapropriações... enquanto o comunismo é a desapropriação de tudo, pessoas e bens. Alarmada por violências e injustiças que para nosso agro-reformismo socialista e botocudo não são nada, e para Kruchev não são senão o começo da sabedoria, eis o que a Coroa pondera e resolve, na justificação de motivos e no texto do decreto de 21 de maio de 1821:
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DECRETO DE 21 DE MAIO DE 1821
Prohibe tomar-se a qualquer, cousa alguma contra a sua vontade, e sem indemnisação.
Sendo uma das principaes bases do pacto social entre os homens a segurança de seus bens; e Constando-me que com horrenda infração do Sagrado Direito de Propriedade se commetem os attentados de tomar-se, a pretexto de necessidades do Estado, e Real Fazenda, effeitos de particulares contra a vontade destes, e muitas vezes para se locupletarem aquelles, que os mandam violentamente tomar; e levando sua atrocidade a ponto de negar-se qualquer título para poder requerer a devida indemnisação: Determino que da data deste em diante, a ninguém possa tomar-se contra sua vontade cousa alguma de que for possuidor, ou proprietário; sejam quaesquer que forem as necessidades do Estado, sem que primeiro de commum accordo se ajuste o preço, que lhe deve por a Real Fazenda ser pago no momento da entrega; e porque pode acontecer que alguma vez faltem meios proporcionaes a tão promptos pagamentos: Ordeno, nesse caso, que ao vendedor se entregue Título apparelhado para em tempo competente haver sua indemnisação, quando elle sem constrangimento consinta em lhe ser tirada a cousa necessária ao Estado, e aceite aquele modo de pagamento. Os que o contrário fizerem, incorrerão na pena do dobro do valor a benefício dos offendidos. O Conde dos Arcos, do Conselho de Sua Magestade, Ministro e Secretário de Estado dos Negócios do Reino do Brazil, e Estrangeiros, o tenha assim entendido, e o faça executar com os despachos necessários.
Palácio do Rio de Janeiro em 21 de Maio de 1821.
Com a Rubrica do Príncipe Regente
CONDE DOS ARCOS
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Como se vê, muito teriam que aprender com o governo do suave e sutil Monarca bragantino os nossos demagogos indígenas, e o sinistro e apalhaçado ditador soviético.
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Mas, então, tudo andava bem sob D. João VI, perguntará alguém?
Não dissemos tal. Em 1821, Portugal - como aliás o Ocidente todo - se encontrava em um triste período de decadência da civilização cristã. Disto dá mostra o próprio decreto que citamos, com sua lamentável referência "rousseauniana" ao pacto social. Mas enfim, decadente embora, era ainda a civilização cristã. Pelo contrário, no regime comunista, o que está imperando é a civilização satânica.
E o que há de mais evidente, de mais normal, de mais indiscutível, do que a maravilhosa aptidão da civilização cristã para promover tudo quanto é nobre e elevado, bem como para suscitar e favorecer o respeito a todos os direitos individuais?
Ao mesmo passo, o que há de mais certo do que o amor do demônio a tudo quanto é vulgar, chulo, reles, e à violação sistemática e despótica de todos os direitos?