IMPLICAÇÕES MARXISTAS DO TEILHARDISMO(2)
Visão do universo que favorece a implantação da Antiordem igualitária, coletivista e ateia
Giocondo Mario Vita
Por que os comunistas saúdam o Pe. Pierre Teilhard de Chardin como intérprete de um pensamento filosófico e científico assimilável ao marxismo?
É que na base de toda a visão do universo teilhardiana encontramos um conceito metafísico de ser que coincide, no essencial, com o proposto por Hegel. Pelo que, tal visão leva a definir o universo como um ente global em que todas as realidades, desde as mais simples, de ordem físico-química, até as mais complexas, de ordem psíquica, teriam sido produzidas por um impulso de unificação — a união criadora — regido por lei semelhantes às da dialética hegeliano-marxista.
Não é, pois, de estranhar que o teilhardismo acabe sugerindo uma ampla área de colaboração entre católicos e marxistas.
Ele é, portanto, visceralmente revolucionário. E revolucionário no sentido mais virulento do termo, por sintonizar com a Revolução em sua última fase de explicitação: a que se propõe aniquilar o que resta da civilização cristã e implantar a Antiordem igualitária, coletivista e ateia.
Retomando o que expúnhamos em nosso artigo anterior (in "Catolicismo", n.° 183, de março de 1966), sobre o itinerário de pensamento do Pe. Pierre Teilhard de Chardin, propomo-nos mostrar agora o alcance de suas extrapolações no terreno da cosmologia e da metafísica, e de que modo se harmonizam elas com as conclusões da filosofia hegelianomarxista. Apontaremos também algumas consequências práticas que essa semelhança acarreta no plano político-social, aptas a minar as barreiras que a civilização cristã ainda opõe ao atual processo avassalador de socialização e ao ímpeto final da Revolução ateia, igualitária e coletivista.
Uma cosmologia paleontológica
Empolgado pelo mito evolucionista que lhe serviu de luz no obscuro campo das pesquisas paleontológicas, Teilhard de Chardin chegou a convencer-se de que, ao investigar depósitos cada vez mais antigos, com certeza encontraria formas humanas sempre mais primitivas. Sonhava mesmo com a eventualidade de vir a descobrir vestígios daquele ponto crítico da evolução em que uma forma animal aperfeiçoada teria sido sede do primeiro lampejo de reflexão.
Sua meticulosa e prolongada busca através da China foi sempre estimulada por esta esperança apaixonada: a de encontrar sinais do "missing link", do ser intermediário, morfologicamente próximo dos símios mais evoluídos, mas já transfigurado pela extraordinária "mutação" que o teria feito transpor o umbral da Noosfera.
Recuando sempre mais na noite dos tempos, deve o R. Padre ter contemplado, com a visão distorcida pela crença evolucionista, a sucessão gradual dos fósseis, a lhe revelar estruturas biológicas cada vez mais simples, e também as estruturas da matéria bruta, tanto menos complexas quanto mais antigas.
Destas constatações é que terá nascido a formulação da famosa lei de recorrência, de que falamos, e que induz a aceitar a idéia segundo qual o universo, considerado em todas as suai riquezas materiais e espirituais, se reduziria em suas origens a uma Matéria-Prima, a um Tecido (Weltstoff) elementar e não diversificado. Deste é que teriam resultado, em virtude de um dinamismo interno, todas as formas caprichosas que o cosmos foi assumindo através dos milênios por simples arranjos de suas partículas constituintes.
Em consequência, a explicação do universo estaria contida na história do desenvolvimento dc Weltstoff. E a paleontologia, aparelhada com os recursos da ciência moderna, dever-se-ia tornar capaz de nos reconstruir esta mirabolante aventura ao longo da qual o Menos teria dado origem ao Mais.. .
Resta saber o que seria este Tecido do Universo nos seus estágios rudimentares. Vejamos o que nos diz Teilhard de Chardin, já adentrado no campo de uma cosmologia de inspiração — digamos assim — paleontológica: "O estado primitivo do Cosmos, em virtude de sua materialidade, é, pois, o de um imenso múltiplo, o de um extremo Difuso e Distendido. Ou, mais exatamente, não há começo exato da Matéria concreta; emerge de um abismo de dissociação crescente; condensa-se, de algum modo, a partir de urna esfera exterior e tenebrosa, de infinita pluralidade, cuja imensidade sem limites e sem forma representa o polo inferior do ser. Desde que conseguimos reconhecer-lhe alguma consistência, encontramo-la formada por um agregado de mônadas, cada uma das quais já sofreu e leva em si uma sorna indefinida de uniões" ("Les Noms de la Matière", de 1919, apud TC-RE, p. 118).
Substituir a metafísica do ser pela metafísica do unir
Assim é que para o nosso paleontólogo a realidade mais profunda não é constituída por essas partículas cósmicas, já que elas se mostram, em função do tempo regressivo, sempre mais tênues e inexpressivas.
A realidade mais profunda estaria na força aglutinadora, no poder de síntese, que ao tentar manifestar-se vai produzindo através dos tempos formas cada vez mais complexas, por arranjo e complementação daquilo que precedentemente já elaborou.
A este élan prodigioso que gera e perpassa todo o universo, e constitui a medula da realidade, Teilhard de Chardin chama "l'union créatrice".
O ser, nos termos em que é concebido pela filosofia perene, não teria mais sentido, por implicar em estabilidade, ao passo que a metafísica do unir nos faz ver constantemente estados fugazes da realidade em perpétua faina de reaglutinação, rumo portanto a um "vir a ser".
Uma verdadeira reforma de base na metafísica nos é proposta, para acabar com as velhas estruturas construídas sobre o ser: "Convém — escreve Teilhard — substituir a metafísica do esse pela metafísica do unire (...) assim como a física trocou de geometria" ("Christianisme et Evolution", inédito, apud TC-RE, pp. 114-115).
Novo conceito de ser e de nada
■ Em que termos nos é proposta a reforma e qual o "new look" que deve substituir o retrógrado e reacionário conceito de ser da filosofia tradicional? Eis o que diz o afoito descobridor da "união criatriz": "Na metafísica clássica esteve sempre em voga deduzir o Mundo a partir da noção de ser, considerada como primitiva irredutivelmente. Apoiado nas últimas investigações da Física — que vem de provar (ao inverso da evidência "vulgar" subjacente em toda a philosophia perennis) que o movimento não é independente do móvel, mas ao contrário, que o móvel é fisicamente engendrado (ou mais exatamente, co-engendrado) pelo movimento que o anima — quero tentar mostrar aqui que uma dialética mais flexível e mais rica do que as outras se torna possível se for estabelecido no ponto de partida que o ser, longe de representar uma noção terminal e solitária, é na realidade definível (geneticamente ao menos, se não ontologicamente) por um movimento particular, a ele indissoluvelmente associado — o da união. De sorte que se pode escrever, conforme o caso: ser = unir-se a si mesmo, ou unir os outros (forma ativa); ser = ser unido ou unificado por outro (forma passiva)". E acrescenta, em nota: "Ou mais claramente em latim: Plus esse = plus plura unire (forma ativa). Plus esse = plus pluribus uniri (forma passiva)" (apud TC-RE, pp. 115-116).
O ser, conforme o novo conceito, não passaria de um estado transitório de arranjo, produzido sobre estado anterior, e subsistente apenas enquanto termo de passagem para outro estado mais evoluído.
▄ Por outro lado, se o ser resulta de um movimento de união, o arrefecimento completo deste dinamismo deve levar ao desvanecimento do ser. É o que nos declara Teilhard, dentro da lógica do seu sistema: "Enquanto o crescimento verdadeiro se efetua no sentido da unidade, o menor ser aumenta com a dispersão. No momento de se desvanecerem, as coisas se nos manifestam num estado de divisão, isto é, de multiplicidade suprema. E logo desaparecem na direção do número puro. Fundem-se na Multidão. O nada-ser coincide, confunde-se com a pluralidade completamente realizada. O nada puro é um conceito completamente vazio, uma pseudo-idéia. O verdadeiro Nada, o Nada físico, é o que está na antecâmara do ser, aquele em que vão convergir pela base todos os mundos possíveis, é a Multiplicidade pura, é a Multidão" ("La lutte contre la Multitude", de 1917, apud TC-RE, p. 118).
Metafísica de inspiração hegeliano-marxista
Sobre o nada, domínio completo da multiplicidade, estado absoluto de carência de união, e ao mesmo tempo condição de veemente "imploração unitiva", vai agir o dinamismo acondicionador da força do "unire", ou do "vir a ser"; como produto de sua intervenção aparecerá o ser, primeiro e difusíssimo agregado a partir do qual a união criadora irá elaborar uma forma mais organizada, — e assim por diante, ao longo de toda a cosmogênese.
Esta geração do ser a partir do nada é de estrita inspiração hegeliana, conforme o que nos propõe a obra "Ciência da Lógica" do filósofo da Ideia: "O que constitui a verdade não é nem o ser, nem o nada, mas aquilo que não transpassa e que transpassou, a saber, o ser (transpassado) no nada (transpassado), como o nada no ser. Porém, ao mesmo tempo, a verdade não é a indistinção deles; é, isto sim, que eles não são o mesmo, mas antes são absolutamente diferentes; todavia, são a uma vez inseparados e inseparáveis, e imediatamente cada um desaparece no seu oposto. A verdade consiste pois neste movimento do imediato desaparecer de um no outro: o vir a ser" (apud Pe. Julio Meinvielle, in "El poder destructivo de la dialéctica comunista", EdicioneS Theoria, Buenos Aires, 19'62, p. 21 — sigla PDDC).
O erro básico desta corrente filosófica, adotado também por Teilhard de Chardin, está em atribuir ao ser uma conceituação unívoca, isto é, que se aplicaria num sentido absolutamente único a todos os entes.
Ora, admitida a univocidade do ser, segue-se a necessidade de aceitar a contradição dentro dele, tão bem expressa por Hegel ao afirmar que a realidade mais visceral está no dinamismo que leva ao imediato desaparecimento do ser no nada e vice-versa.
Segue-se também a necessidade de negar os princípios de identidade e contradição, fundamentais para a sã filosofia. Em lugar deles os metodizadores da dialética marxista estabelecem as três leis de comportamento do ser, assim expressas:
▄ Lei de identidade, luta e unidade dos opostos — que afirma constituírem o ser princípios opostos (tese e antítese) em luta para produzirem a sua evolução (síntese).
▄ Lei da transformação das modificações quantitativas em qualitativas — segundo a qual um incremento quantitativo crítico causa no ser um salto qualitativo brusco.
▄ Lei da negação da negação — que garante a perpetuidade do dinamismo do "vir a ser", pela renovação, após cada síntese, do mesmo processo dialético.
Destas leis a primeira é a fundamental, sendo considerada por Lenine a própria medula da dialética (cf. PDDC, p. 57), pois do mecanismo de contradição interna aí proposto é que resulta a propriedade da autocinese (automovimento). Atribuída pelos hegelianos e marxistas ao ser. E a autocinese está na base de todas as concepções imanentistas e evolucionistas, inclusive a teilhardiana.
A evolução segundo TC, e a dialética marxista
Vejamos como Teilhard de Chardin nos apresenta o cerne de seu pensamento sobre a evolução, e como este se enquadra dentro da dialética hegeliano-marxista.
Em trabalho inédito de 1948, intitulado "Comment je vois", ele nos dá os conceitos fundamentais de seu evolucionismo, que passaremos a mencionar, completando-os com citações de outros escritos seus. Esses conceitos decorrem todos da falsa noção de ser já referida.
Conceito de Deus
"Num primeiro tempo, é mister começar por supor como dado (nenhuma diferença aqui com a Filosofia clássica) a presença irreversível e bastante a si mesma de um "Ser Primeiro" (nosso Ponto Omega). Impossível de outro modo (tanto lógica quanto ontologicamente) avançar, isto é, dar um só passo à frente. Porém, a fim de que este Centro inicial e final subsista sobre si mesmo em seu esplêndido isolamento, forçoso nos é representá-lo (conforme o dado "revelado", segundo tempo) como opondo-se trinitariamente a si mesmo. Assim, até nestas profundezas primordiais, o princípio ontológico tornado como base para nossa metafísica se mostra válido e explicativo: o próprio Deus, num sentido rigorosamente verdadeiro, não existe senão unindo-se. Vejamos agora como não se completa senão unindo-se" ("Comment je vois", apud TC-RE, pp. 120-121).
Conceito de "nada"
"Pelo próprio fato de que se unifica sobre si mesmo para existir, o Ser Primeiro faz ipso facto brotar outra espécie de oposição, não já no coração, mas nos antípodas de si mesmo (terceiro tempo). A unidade subsistente por si mesma, no pólo do ser; e necessariamente, por conseguinte, ao redor, na Periferia, o Múltiplo: o Múltiplo puro (entendamos bem), ou "Nada criável", que não é nada — e que contudo, por virtualidade passiva de acondicionamento [arrangement] (isto é, união), é uma possibilidade, uma imploração de ser, à qual (eis que aqui nossa inteligência não sabe mais, em tais profundidades, como distinguir suprema necessidade de suprema liberdade), à qual, digo, tudo se passa como se Deus não houvesse podido resistir" ("Comment je vois", apud TC-RE, p. 121).
Deus e a Multidão
"Na origem, por conseguinte, estavam, nos dois pólos do ser, Deus e a Multidão. E Deus, entretanto, estava só, visto que a Multidão, dissociada em sumo grau, não existia. Desde toda a eternidade Deus via, sob seus pés, a sombra estendida de sua Unidade; e esta sombra, sendo uma aptidão absoluta para dar algo, não era outro Deus, pois ela mesma não era, nem havia sido jamais, nem jamais poderia ser, já que sua essência era estar infinitamente dividida em si, isto é, estender-se sobre o Nada. Infinitamente vasto e infinitamente rarificado, o Múltiplo, aniquilado por essência, dormia nos antípodas do Ser uno e concentrado" ("L'union créatrice" e "La lutte contre la Multitude", apud TC-RE, pp. 116-117).
Conceito de criação
"Na Filosofia (ou Teologia) clássica, a criação ou participação (na qual consiste o quarto tempo) tende sempre a apresentar-se como um gesto quase arbitrário da Causa Primeira, exercendo-se (seguindo uma causalidade de analogia "eficiente") segundo um mecanismo completamente indeterminado: verdadeiramente (no sentido pejorativo do termo) um "ato arbitrário de Deus". Numa metafísica da União, pelo contrário, se a exclusiva suficiência de si mesmo e a própria determinação do Ser absoluto permanecem intactas (posto que, insisto, o Múltiplo puro, antipodal, não é, ele próprio, senão potencialidade e passividade pura, simples reflexo "antitético" do Ser trinitário), em revide o ato criador toma uma significação e uma estrutura perfeitamente definidas. Fruto, de alguma maneira, de uma reflexão de Deus, não mais em si, mas fora de si, a Pleromização (como diria São Paulo) — isto é, a realização do ser participado por acondicionamento e totalização — aparece como uma espécie de réplica ou de simetria da Trinitização. Ela vem preencher um vazio, de certo modo. Ela encontra seu lugar. E, ao mesmo tempo, ela se torna expressável nos mesmos termos que nos serviram para definir o ser. Criar é unir" ("Comment je vois", apud TC-RE, pp. 121-122).
As leis da dialética regem o ser
De tudo o que ficou exposto, com palavras textuais do Pe. Teilhard de Chardin, concluímos que sua metafísica leva a admitir um ser unívoco, sujeito de um lado a contradições internas, do que resulta a síntese denominada "trinitização", e de outro lado sujeito a contradições externas por parte do Múltiplo, do que resulta a síntese dita "pleromização". E, nas operações ad intra e ad extra deste ser unívoco, tudo se passa como se vigorasse a primeira lei da dialética hegeliano-marxista. Só que Teilhard, em vez de dar preeminência à contradição (antítese) existente dentro do ser, como fazem os hegelianos e os marxistas, a dá à união (síntese). Mera questão de pormenor.
No que diz respeito às célebres "mutações" e à lei de complexidade-consciência que as preside (ver nosso artigo precedente), podem elas ser vistas como autênticas aplicações da segunda lei da dialética, nada ficando a dever às que Engels propõe em seu livro "Dialética da Natureza", considerado obra clássica do marxismo no campo da filosofia dos fenômenos naturais.
E, por fim, quanto ao avanço do processo evolutivo teilhardiano, com suas leis de convergência e progresso, harmoniza-se perfeitamente com a lei dialética da negação da negação.
A socialização no sistema de TC
O processo de socialização, fundamental para implantar em todas as nações o regime igualitário e coletivista do comunismo, é saudado pelo Jesuíta francês como um imperativo biológico da evolução. Este é um dos pontos em que se vê bem a coincidência, no terreno prático, das conclusões do sistema teilhardiano com o marxismo, resultante do profundo parentesco que apontamos entre eles no campo metafísico.
Segundo o Pe. Teilhard, o "achado" que constituiu para a evolução o Homo sapiens, permitiu o desenvolvimento prodigioso da espécie humana, que em menos de 20 mil anos teceu a Noosfera, como um envoltório pensante recobrindo a terra inteira. Houve de algum modo um desencaminhamento dispersivo a ser agora corrigido pelas forças unitivas da evolução. No esquema que ilustra esta página, extraído da obra "L'apparition de l'homme" (p. 323), do nosso autor, essa fase crítica em que a humanidade hoje se acha é representada pela zona equatorial c-c.
Assim se exprime a respeito o livro citado: "Ao termo de um período de expansão que cobre todos os tempos (e o fim do pré-histórico), a Humanidade acaba de entrar bruscamente — é verdade — em regime doloroso de compressão sobre si mesma. Após o passo inicial da reflexão individual — após a emergência decisiva, desde os primórdios do Homo sapiens, das forças de co-reflexão — eis agora, para a Humanidade plenamente desenvolvida, a perigosa passagem da dilatação à contração: a delicada mudança de fase (...)" (AH, p. 327).
Estranha Teilhard que diante desse fenômeno "grandioso" a humanidade hesite e se encha de temores e reservas. E esclarece: "O que nos perturba aqui, in casu, é, bem entendido, a mudança da ordem de grandeza das operações. Aplicada sucessivamente a átomos, depois a moléculas, depois a células, a ideia de uma "centro-complexificação" progressiva da Matéria se nos afigura um assunto autenticamente orgânico. Aceitamo-lo sem pestanejar. Ao contrário, estendida a indivíduos vivos autônomos (isto é, a nós mesmos, afinal), ela tende a nos parecer irreal, senão chocante. Como se, ao adquirir nosso pequeno ego, tivéssemos perdido, por excesso de dignidade, a faculdade de sermos integrados, a título de elementos, no seio de alguma unidade física de ordem mais elevada que a nossa. Vale dizer, como se, afinal de contas, fôssemos livres de não reconhecer nenhum valor natural ao imenso e universal processo biológico de Socialização". (AH, p. 330).
E o bom Padre nos conforta com tocante otimismo, assegurando-nos que a socialização nos levará ao longo do hemisfério superior (ver no esquema a região acima da linha equatorial c-c) rumo a um ponto (d) de Supra-Reflexão, que será atributo de um ente coletivo supra-humano, resultante de uma mutação implosiva a ocorrer em nossa espécie considerada como um todo: "Por isso que, no decurso desta inaudita operação biológica de uma espécie inteira que "implode" sobre si mesma, achamo-nos precisamente situados, neste momento, sobre a zona sensível, "equatorial", onde, de expansiva que era até agora, a evolução do Homo sapiens começa a tornar-se compressiva, era inevitável que esta mudança de regime nos desse, no primeiro momento, uma espécie de vertigem. Mas, esclarecidos enfim por um pouco mais de ciência, é sem temor, já o vemos, que nos é dado enfrentar as altas pressões do hemisfério superior em que apenas entramos. Sem temor, digo bem: pois, em virtude do próprio mecanismo da Cosmogênese, é para maior arranjo, isto é, afinal de contas, para maior consciência, que faremos inevitavelmente aceder as forças, presentemente desencadeadas, de contração planetária, — desde que lhes sejamos fiéis" (AH, pp. 331-332).
Teilhardismo e diálogo
Dentro desta linha de pensamento não é de estranhar que o Pe. Pierre Teilhard de Chardin tente mostrar que um dos aspectos da crise acima descrita consiste em acharem-se os homens de nossa época submetidos às forças verticais de adoração representadas pela tendência cristã, e às forças horizontais de toda a moderna ação propulsiva de transominização, representadas pela tendência comunista ou marxista. E que a superação deste estado de tensão provocado, pelas forças verticais e horizontais, entre o Cristianismo e o comunismo, deve ser encontrada na direção de uma resultante ou síntese destes dois movimentos (cf. TC-RE, p. 215).
Nada mais, nada menos: somos convidados a entreter com os comunistas o diálogo, tomada a palavra no sentido de seu último estágio de deturpação talismânica — o estágio hegeliano (cf. Plinio Corrêa de Oliveira, "Baldeação ideológica inadvertida e diálogo", in "Catolicismo", n° 178-179, de outubro-novembro de 1965; Editora Vera Cruz, São Paulo, 1966, 2a edição).
O próprio Roger Garaudy, líder intelectual do Partido Comunista da França, saudou a possibilidade deste diálogo sob a influência das idéias de Teilhard, dizendo em recente artigo que "então o diálogo entre cristãos e marxistas pode confluir num combate comum contra as forças do passado e as forças da morte, e preparar o que o Padre Teilhard chamava magnificamente "a frente comum de todos os que crêem que o universo avança ainda e que nós somos encarregados de fazê-lo avançar" (apud Pe. Philippe de la Trinité, O. C. D., "Un dialogue doctrinal catholico-marxiste?", in PC, 1965, n° 99-99 bis, p. 77).
De suma importância seria mostrar também as repercussões teológicas das concepções hegelianas do teilhardismo, envolvendo os mistérios mais sagrados da Fé Católica, como a Santíssima Trindade, a Encarnação, a Redenção, a missão divina de Maria Santíssima, bem como as verdades referentes ao pecado, ao fim do mundo e à Parusia, o que nos levaria à conclusão de que a doutrina teilhardiana acaba se filiando ao modernismo e à própria gnose.
O tema foge, entretanto, à finalidade deste artigo, tendo sido em parte examinado em trabalho já publicado neste jornal (Alberto Luiz Du Plessis, "Influências gnósticas no pensamento do Padre Teilhard de Chardin", in "Catolicismo" n° 156, de dezembro de 1963).
Sem querer entrar no segredo da alma do ardoroso paladino do evolucionismo, podemos afirmar, em face do exposto, que a visão do universo proposta por Pierre Teilhard de Chardin, principalmente por suas implicações metafísicas, é profundamente revolucionária. E revolucionária no sentido definido no magistral estudo do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, "Revolução e Contra-Revolução" (in "Catolicismo", n° 100, de abril de 1959; Boa imprensa Ltda., Campos, 1959). Isto é, a visão do universo teilhardiana se harmoniza com o movimento que representa a última fase da Revolução, e que pretende subverter por completo a Ordem cristã para implantar o regime tirânico da antiordem atéia, igualitária e coletivista do comunismo.
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SIGLAS
AH "L'Apparition de l'Homme", Teilhard de Chardin, Editions du Seuil, Paris, 1956.
PC "La Pensée Catholique", Les Editions du Cèdre, Paris.
PDDC "El poder destructivo de la dialéctica comunista", Pe. Julio Meinvielle, Ediciones Theoria, Buenos Aires, 1962.
TC-RE "Teilhard de Chardin o la Religión de la Evolución", Pe. Julio Meinvielle, Ediciones Theoria, Buenos Aires, 1965.