Sob o comando do fluminense Salvador Correia de Sá e Benevides, cavaleiro de Santiago, do Conselho Ultramarino e Almirante dos Mares do Sul
BRASILEIROS EXPULSAM DE ANGOLA O INVASOR CALVINISTA
Homero Barradas
Em 1648 Portugal estava de pazes feitas com a Holanda. Há mais de sete anos D. João IV fora aclamado Rei, desfazendo-se a união com a Espanha, e tanto a fraqueza econômico-militar do país como a perspectiva de represália dos castelhanos, que efetivamente se verificou, tinham imposto ao Bragança uma política de contemporização com as Províncias Unidas.
Mas, decorridos esses anos, já ninguém acreditava naquela paz. A trégua por dez anos fora ajustada em 1641. Apesar dela, Nassau mandou ocupar Sergipe e enviou uma expedição a Luanda. Pouco depois ocupou o Maranhão, prendendo o Governador Bento Maciel, que, acreditando no acordo de paz, esperava entender-se com os agressores.
A reação portuguesa não tardou. Não era possível ainda romper a trégua, mas, como observou Southey, adotou-se a política de "protestar paz e fazer a guerra". Os pernambucanos, menos afeitos à diplomacia da corte, passaram logo à ação, sublevando-se contra o governo holandês que os oprimia e perseguia a Igreja, procurando impor seu arqui-herético calvinismo.
Antonio Teles da Silva, católico zeloso que na Bahia ocupou o cargo de Governador Geral de 1642 a 1647, estimulava e armava os sublevados, enquanto engambelava os batavos do Recife com infindáveis explicações.
Em Angola, as coisas caminhavam do mesmo modo. Os holandeses, que no início da trégua tinham ocupado Luanda, cercavam agora os nossos em Massangano. A situação era difícil.
Foi nessa ocasião que a intervenção de Salvador Correia de Sá e Benevides, descendente de ilustre família portuguesa que deitava raízes na Espanha e ramificações na América Espanhola, salvou para Portugal e para a Igreja, com uma expedição de brasileiros, o belíssimo Reino de Angola, hoje das mais promissoras regiões do continente africano.
Um cavaleiro de Santiago
Salvador Correia de Sá e Benevides nascera no Rio de Janeiro em 1594, filho de Martim de Sá e neto de Salvador Correia de Sá, o velho, ambos Governadores daquela Capitania e, este último, primo de Estácio de Sá. Sua mãe, D. Maria de Mendonça Benavides, era filha de D. Manuel de Benavides, Governador de Cadiz, na Espanha, e de D. Cecilia Dormes.
O brasão dos Sás figura no teto do Palácio de Sintra, entre os das mais importantes famílias do Reino.
Salvador era casado com D. Catarina de Ugarte Velasco, filha do Vice-Rei do Peru e Governador do Chile, D. Pedro Ramirez de Velasco, e neta de D. João Ramires de Velasco, Governador de Tucumán, da mais alta nobreza espanhola.
Almirante dos Mares do Sul, nomeado por Felipe IV quando ainda permaneciam unidas as coroas de Espanha e Portugal, submeteu uma violenta rebelião de indígenas na Província de Tucumán, hoje na Argentina, tendo sofrido, na batalha de Palingarta, doze ferimentos. Tão brilhantes foram seus serviços, que recebeu uma honrosa carta do Rei, datada de Madri, em 21 de fevereiro de 1637, nomeando-o Governador, por dois triênios sucessivos, da Capitania do Rio de Janeiro.
Cavaleiro da Ordem de Santiago da Espada, cujo hábito recebera, com dispensa de idade, aos 7 de abril de 1618, tinha servido a Igreja e o Rei na Europa, como homem de corte, e, como administrador e soldado, no Brasil e no Prata. As atividades de Salvador Correia como Governador do Rio de Janeiro e das Capitanias do Sul — entre as quais a de povoador da antiga Capitania de Pero Góis, onde surgiu, sob sua proteção, a hoje episcopal cidade do Santíssimo Salvador dos Campos dos Goitacazes — são dignas de um estudo especial. Em 1647 seu olhar alongava-se para a costa da África, onde o herege ameaçava a soberania do Rei e o apostolado da Igreja.
Exercia suas funções de deputado ao Conselho Ultramarino, em Lisboa, quando planejou uma expedição a Angola. Nomeado Governador do Rio, pela terceira vez, e Governador de Angola, veio da corte com amplos poderes, chegando à sua cidade natal aos 23 de janeiro do ano seguinte.
Sem perder tempo, começou a organizar a esquadra que levaria para além mar. Para integrá-la o Conde de Vila Pouca de Aguiar, Governador da Bahia, enviara cinco galeões com gente de armas, que Salvador encontrou ao chegar ao Rio.
Convocando os homens bons da cidade, eclesiásticos, vereadores, magistrados, superiores de conventos, militares e nobreza da terra, expôs seu plano, dizendo que tinha ordem de El-Rei para estabelecer uma fortificação na baía de Quicombo, na costa de Angola, e que não estava afastada a possibilidade de vir a reconquistar São Paulo de Luanda. Mas precisava de homens para sua esquadra e de dinheiro para financiar o empreendimento.
Os cariocas, que então eram mais conhecidos por fluminenses, responderam ao apelo com entusiasmo. Alistaram-se novecentos homens de infantaria e os donativos subiram a 80 mil cruzados, segundo Varnhagen — soma que terá bastado para esgotar os recursos da praça.
Salvador pôde assim fretar mais seis navios. À custa de sua fazenda, comprou ainda quatro patachos, com o que completou quinze velas armadas e municiadas para sua expedição. Além dos novecentos infantes, levaria trezentos marinheiros.
Para completar os recursos necessários, resolveram os homens bons lançar mão dos bens seqüestrados aos cristãos-novos que estavam à disposição do Santo Ofício, e que eram Duarte da Silva, Jorge Dias Brandão, Jorge Lopes da Gama e Rodrigo Aires Brandão. Se Sua Majestade não concordasse com o expediente, o povo comprometia-se a repor, aos poucos, a importância do confisco.
Ganhar o reino de Angola - ou o Reino dos Céus
A 12 de maio a armada de Salvador Correia tomava o rumo da África. Chegando à baía de Quicombo, sofreram os nossos um sério revés com o naufrágio da nau-almiranta, causado por forte ressaca. Perderam-se assim 360 vidas da escassa expedição. Mas nem por isso o desânimo se abateu sobre o Governador, marinheiros e infantes. Todos ardiam no desejo de extirpar de Angola a heresia e seus fautores.
Salvador, porém, agia com prudência. Desembarcado, fez espalhar a notícia de que mais forças estavam por chegar. Tendo feito um prisioneiro, interrogou-o cuidadosamente e por ele soube que trezentos holandeses e 3 mil indígenas se tinham dirigido contra Massangano, mantendo ali em apertado cerco os poucos portugueses que restavam naquelas paragens. O rei do Congo, a rainha Ginga e quatorze sobas, seus aliados, tinham aderido aos holandeses. Era o momento de agir.
O Governador reuniu um conselho de guerra e explicou aos seus capitães que, estando os hereges a hostilizar os católicos apesar das tréguas concertadas, El-Rei não se incomodaria se, apesar destas, eles hostilizassem os hereges e os expulsassem de uma vez daquelas terras de verdadeira cristandade. O conselho aclamou unanimemente a idéia, declarando seus porta-vozes que estavam dispostos a ganhar ou Angola ou o Reino do Céu, morrendo pela exterminação da heresia.
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A 12 de agosto entrou a esquadra na baía de Luanda. O Almirante dos Mares do Sul teve o cuidado de não hastear sua bandeira-insígnia para que os inimigos, não a vendo, julgassem virem atrás mais navios. Tal era á idéia que fazia da fraqueza, em número, da expedição que comandava. Mas essa debilidade se tornava em fortaleza, tal era o ânimo de seus soldados e a astúcia do comandante.
Logo de chegada, Salvador enviou aos holandeses um emissário a dizer-lhes que vinha com ordem de estabelecer-se em Quicombo, sem estorvar os súditos das Províncias Unidas, mas como os via estarem oprimindo os portugueses, resolvera desalojá-los de Luanda, embora, com essa desobediência, arriscasse a cabeça. Intimava-os, pois, a se renderem, se quisessem condições honrosas.
Vendo a baía coalhada pelos quatorze navios e julgando, pela altivez da intimação, que trouxessem grossas tropas de desembarque, os hereges amedrontaram-se e pediram oito dias para resolver. Queriam, na verdade, ajuntar reforços entre os seus que andavam pelo sertão. Salvador Correia, vendo que sua oportunidade estava numa ação rápida, concedeu-lhes apenas dois dias, findos os quais seu mensageiro devia alçar bandeira vermelha se não tivessem os hereges resolvido pela rendição.
Enquanto esperava o termo do prazo, aprontou seus homens, que não passavam de 650 infantes e 250 marinheiros. A todos estimulou e distribuiu roupa nova, preparando-os para, assim engalanados, enfrentarem o inimigo com solenidade.
Entrementes, os holandeses reuniram todos os soldados de que dispunham e concentraram no forte de São Miguel, sobre um morro, e no de Nossa Senhora da Guia, sobre a praia, a maior parte da guarnição, formada por cerca de 1.200 europeus, entre holandeses, alemães e franceses, mais um milhar de nativos.
À hora aprazada para o sinal de seu mensageiro, Salvador já se encontrava em seu escaler. Mal avistou a bandeira vermelha, mandou dar o tiro de peça convencionado como ordem de desembarque.
Era o dia 14 de agosto, véspera da festa da Assunção, quando desembarcaram os fluminenses, sem oposição, a duas milhas da cidade. Rezou-se então uma Missa, a que assistiram todos os soldados, com Salvador à frente, dando-lhes o exemplo de, em primeiro lugar, pedir a vitória ao Senhor dos Exércitos e à sua Santíssima Mãe, a quem aquele punhado de brasileiros honrava em sua festa com a firme disposição de darem suas vidas, se necessário fosse, para a extirpação da heresia do Reino de Angola.
Acabada a Missa, Salvador monta seu cavalo, arreiado de couro guarnecido de prata. E dá início à marcha, sereno, duro e ágil a um só tempo, o olhar vivo perscrutando todos os cantos do cenário majestoso, onde pode surgir a qualquer momento uma ponta de holandeses a oferecer-lhe resistência. Sua figura arrasta os comandados — imponente, capacete e couraça brilhando ao sol africano. Sobre a couraça, mantéu de linho branco rendilhado, como os punhos da camisa, arrematando a gola do gibão de perpetuana verdosa; os calções pardos, estreitos, entrando pelas botas de vaqueta, altas até às coxas, com os canos voltados em canhão. A espada desembainhada, risca contra o céu as ordens de marchas e contramarchas, de rumo à direita ou à esquerda.
Por trás das ameias dos fortes, brancos e negros intrigados observam aquele magote de bravos que avança como se fosse o maior exército do mundo: ao todo são menos de setecentos! A explicação de tanta segurança — pensarão os calvinistas — talvez se encontre nos navios, em cujas amuradas se divisam guerreiros com chapéus vistosos. São bonecos que Salvador mandou armar para causar impressão aos hereges... Ao todo ficaram nas naus apenas 180 homens, necessários à sua guarda.
A força marcha dividida em duas colunas, uma comandada por Manuel Dias, outra por Francisco Vaz Aranha, o Tormenta. As trincheiras inimigas, guarnecidas por negros muxilandas, são atravessadas com a rapidez do raio. Os fluminenses já ocupam as casas centrais da cidade. A coluna de Manuel Dias apodera-se do forte de Santo Antonio. Na Matriz, Salvador manda montar contra os holandeses os canhões por eles abandonados na cidade e junta-lhes mais quatro, que trouxera dos navios. E começa a bombardear o pátio interno do forte de São Miguel.
Ao receber aviso de que os heróicos portugueses sitiados em Massangano já não poderiam manter a resistência, percebe que chegou a hora do assalto geral.
Não há tempo a perder. Os flamengos não devem receber o reforço dos que sitiavam o reduto lusitano. Ao cair da noite, é dado o sinal do assalto.
As duas colunas atacarão simultaneamente, em convergência. Na confusão da batalha, porém, e com o sol a se por, perde-se a ligação entre uma e outra. O objetivo é atingido com ímpeto terrível, mas sem coordenação. Os holandeses repelem o primeiro ataque.
Ao nascer do dia, havia 163 cadáveres de brasileiros que "tinham ganho o Reino do Céu". Espalhados ao redor do morro, 160 atacantes jaziam feridos.
Novo sinal de ataque. Enquanto prepara o assalto, Salvador Correia manda intensificar o bombardeio do forte. Mas. .. no alto deste tremula a bandeira branca!
O inimigo se dá por vencido e envia um parlamentário. O general age novamente com cautela. Não permite que o mensageiro verifique mais de perto quais os nossos efetivos. E ouve, pacienciosamente, as condições dos hereges. A ocasião não podia deixar de ser aproveitada, enquanto não chegassem os holandeses do interior.
Como ganhar uma batalha aplicando um conselho evangélico
A capitulação foi concluída no prazo de quatro horas. Salvador sabia que não tinha tempo a perder. De acordo com as condições propostas pelos vencidos, a guarnição e todos os holandeses de Angola receberam garantias para se retirarem da província. Essa guarnição de 2 mil europeus e indígenas rendera-se ante a firme disposição de luta de menos de seiscentos soldados católicos, comandados por um general que soubera aprender a lição do Evangelho: "sede simples como a pomba e prudentes como a serpente" (Mat. 10, 16).
Os holandeses ficaram surpreendidos ao perceberem a exigüidade das forças que os tinham vencido tão galhardamente. Arrependeram-se. Mas era tarde: Salvador Correia de Sá, com verdadeiro espírito de soldado e orgulho de português, fê-los embarcar rapidamente em Cassandama, para que fossem expulsos do país no mesmo lugar por onde haviam entrado.
Restava ainda ajustar contas com os nativos. O quilamba Bango-Bango pelejara ao lado do Governador Pedro Cesar de Meneses, morto durante o cerco de Massangano. O rei do Dongo, D. Felipe Ariri, resistira sempre à invasão holandesa e até perdera um filho em combate. Ambos receberam honras públicas em solenidade presidida pelo novo Governador.
O rei do Congo, D. Garcia II, a rainha Ginga e os quatorze sobas seus aliados, que haviam aderido aos hereges, foram exemplarmente castigados. D. Garcia teve que aceitar novas e duras condições de vassalagem, entre as quais a cessão definitiva da ilha de Luanda aos portugueses. A rainha Ginga, depois de obrigada a retirar-se trezentas léguas para o interior, mandou pedir paz e comércio, que só depois de rogos e humilhações suas, foram aceitos.
Com a queda de Luanda, os holandeses abandonaram quase sem resistência todas as praças que haviam conquistado a Portugal na costa ocidental da África, inclusive a Ilha de São Tomé.
Salvador Correia de Sá governou, então, por três anos, o Reino de Angola restaurado. Do outro lado do Atlântico, sua cidade natal ficou sendo administrada por seu substituto Duarte Correia Vasqueanes. Aos fastos do Rio de Janeiro fora acrescentada a glória, de que poucos agora se lembram, de ter armado e custeado, com pesados sacrifícios, a expedição que restaurou, para a Igreja e para Portugal, o Reino católico de Angola.
Apetite de extravagância total
Plinio Corrêa de Oliveira
O problema da droga continua a chamar a atenção dos psicólogos, moralistas e sociólogos do mundo inteiro. Estudam-no dos mais diversos pontos de vista, com intuito de conter o alarmante aumento do uso dela no mundo contemporâneo.
Neste afã, os pesquisadores se perguntam, entre outras coisas, qual o itinerário do vício através das várias camadas sociais. Em outros termos, quais as primeiras zonas da sociedade a capitular ante ele, e através de que etapas ele vem a contagiar, em seguida, todo o corpo social.
Na França, a comissão Chaban-Delmas chegou, neste particular, a conclusões também aceitas, segundo consta, por outras entidades igualmente competentes. A droga penetra, de início, nos círculos sociais refinados e nos meios artísticos. Numa segunda etapa, alcança os meios universitários e estudantis. Por fim, e mais ou menos simultaneamente, ela atinge todos os outros ambientes, inclusive o operariado. Toca aos meios rurais a honra de se manterem quase inteiramente refratários à droga.
— Por que isto é assim? Por que são os campos menos contamináveis do que as cidades? Por que as classes refinadas ou artísticas são mais vulneráveis do que as estudantis? E por que as estudantis o são mais do que outros setores sociais?
Essas questões apresentam um poderoso interesse, pois uma vez esclarecidas, não se estaria longe de se ter descoberto qual a verdadeira gênese do vício.
Não pretendo propor aqui uma solução simplista para problema tão complexo. Desejo simplesmente formular algumas observações que os resultados obtidos pela comissão Chaban-Delmas me sugerem.
Para isto, permita-me o leitor que por alguns instantes mude de assunto.
* * *
— Como se faz habitualmente a implantação do comunismo em um país?
De início, a tarefa não é tão complicada. Por toda parte há utopistas inconformados, que sonham romanticamente com revoluções-panaceia, capazes de transformar o mundo em um paraíso. Sabe-se em que rodinhas, em que lugares de diversão, em que livrarias encontrar pessoas como estas. Dois ou três proselitistas bem adestrados, vindos de Moscou, Pequim ou Havana, facilmente encontram e arregimentam em células comunistas, as mais ativas e exaltadas dentre elas.
Mais difícil é a tarefa que vem depois. — Como fazer partilhar do utopismo comunista (utópico ainda mesmo quando se apresenta com o rótulo de “científico”) os espíritos objetivos, sensatos, arejados, que constituem a grande maioria da população?
Em tese, a resposta parece simples. É só procurar os ambientes menos favorecidos pela situação social e econômica. Ali o número de descontentes — ainda que não utopistas nem românticos — deve ser grande. E portanto deve ser fácil o recrutamento de prosélitos para o marxismo. Feito este recrutamento na escala devida, será possível deflagrar a subversão dos pobres contra os ricos.
Tudo isto em tese. Na realidade, não é assim que progride o comunismo. Habitualmente, a imensa maioria dos operários se mostra indiferente ou hostil ante a pregação vermelha. E as primeiras células de revolucionários românticos permanecem fechadas em si mesmas, até que um belo dia, nos círculos sociais snobs, alguém se lembre de dizer-se comunista. Rapidamente esse vanguardeiro encontra alguns congêneres que, para atrair a atenção sobre si, também começam a se jactar de comunistas. Daí as fagulhas se propagam céleres, dos snobs da moda para os da “inteligentzia”. Por vezes, a marcha do contágio é inversa. São os snobs da “inteligentzia” que contagiam os da moda.
Por mais inovadora que se diga a mocidade, muito do que nela existe ou acontece é reflexo das gerações que a antecederam. Entre os jovens universitários também há snobs da moda e da cultura. Vendo o que acontece com seus congêneres mais velhos, também neles começa a crepitar o incêndio marxista.
Como é natural, a atenção do grosso da população está voltada para os que representam o prestígio da situação social, da fortuna, da inteligência ou da mocidade. Não faltam meios de comunicação social que fazem crer à multidão, que os snobs dessas várias categorias formam, não minorias exóticas e isoladas, mas a maioria prestigiosa e dinâmica dos respectivos ambientes. O mau exemplo arrasta facilmente as multidões. Daí o se propagarem então, no corpo social, como por metástase, os corpúsculos comunistas.
O ambiente mais refratário à proliferação vermelha é o agrícola.
E aqui fica a constatação rica em matéria para as mais diversas reflexões: o itinerário do comunismo é idêntico ao da droga.
Isto facilmente se explica. Comunismo e droga são processos de decomposição. Ambos atacam a parte mais frágil do organismo social, que é a mais propensa à extravagância, às sensações violentas ou super-requintadas, à evasão da lógica, do bom senso e da realidade.
“Corruptio optimi pessima”. Nada de melhor do que as boas elites. Por isso mesmo, nada pior do que as elites sofisticadas, deterioradas, divorciadas da realidade, e falhas do senso do dever. Para elas tudo é objeto de exibição e jogo: as ideias, a moral e as tradições. E no centro desse jogo está o campeonato das vaidades. Contanto que cada qual consiga exibir-se, está contente. E como o processo mais cômodo para exibir-se é ser extravagante, daí resulta a espalhafatosa e inglória corrida rumo ao disparate total. Cada qual em seu gênero, o comunismo e a droga são disparates totais. Não espanta que a eles corram os mais arrojados dentre os snobs, levando atrás de si a caudal dos seus seguidores.
Este jogo — como todos os outros — traz seus riscos. Quantos começam a se afirmar comunistas, sem de fato o serem! Mas à força de se dizerem tais, acabam sendo. Como muitos há que, quando começam a usar drogas, o fazem só para se mostrar. Mas acabam arrastados pelo vício.
É a triste sina dos que brincam com fogo, ainda que por mero snobismo. “Quem ama o perigo, nele perece” (Ecli. 3, 27), diz o Espírito Santo...
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Isto posto, o snobismo nos aparece como um dos mais possantes — o mais possante, talvez — dos fatores de expansão, tanto da droga como do comunismo. E o itinerário de um e outro, na contaminação de todo o corpo social, é a própria rota do snobismo, rumo à extravagância total.
— Exagero? — Não creio. Veja-se em outro campo o poder do snobismo, e o fascínio que sobre este exerce a extravagância. Falo do nudismo. Todas as modificações da moda se fazem hoje sob o signo da extravagância. E a extravagância para a qual tendem é a conquista — por etapas sempre mais ousadas — do nudismo total. — Ora, quem, senão o snobismo, arrasta as multidões no caminho, ou melhor, no descaminho da moda?
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Não espero, porém, que os especialistas na matéria deem o devido realce ao fator snobismo. Não é snobe falar dele...
Transcrito da “Folha de S. Paulo”, 9.4.1972