P.04-05 | REPORTAGEM ESPECIAL |

A PRESENTE reportagem foi elaborada com base em depoimentos de vinte e quatro pessoas - registrados em fitas magnéticas - direta ou indiretamente engajadas na vida do Assentamento Pirituba.
Também foram consultadas notícias da imprensa local e nacional, documentos fornecidos por assentados - tais como o estatuto da Associação dos Assentados - alguns relatórios da diretoria, balanços etc.
A peça mais importante é o abaixo-assinado de vinte e nove assentados descontentes da área I, enviado em janeiro de 1987 a diversas autoridades, e que estranhamente não teve repercussão na imprensa. Neste documento, bem como nos depoimentos orais, afloram graves acusações a diretores e técnicos do assentamento por atos de autoritarismo, irregularidades financeiras e administrativas, injustiças e falhas técnicas.
Não compete aos autores da reportagem, feita em março, apurar se as denúncias são verdadeiras nem endossá-las. Servem os fatos alegados apenas como prova de que existe uma fogueira de descontentamento da parte dos assentados. E nada mais do que isso.

Pirituba assusta Fagundes

Numa clara e amena manhã de inverno, em que a poluição de São Paulo quase não se notava, e o dia luminoso convidava ao otimismo e à despreocupação, Fagundes, sorridente e satisfeito, respirava contente aquele fresco ar matinal, conversando na porta do bar do português com um conhecido seu, o Dr. Geraldo.

Enquanto Fagundes, que gostava de se sentir bem à vontade, calçava sandálias e envergava uma vistosa camisa estampada, o Dr. Geraldo, advogado e fazendeiro no interior do Estado, estava como sempre vestido com discrição e bom gosto.

Os dois conversavam animadamente naquela esquina da rua Martim Francisco com a Martinico Prado, no bairro de Santa Cecília, na capital paulista; esquina parecida com qualquer outra, não fosse estar situado a dois passos de lá o oratório de Nossa Senhora da Conceição Vítima dos Terroristas, no mesmo prédio em que funciona a redação de "Catolicismo".

Eis que, passando por lá a caminho da redação, um repórter nosso pôde apanhar um trecho da conversa entre os dois:

– "Você sabe, Geraldo, dizia Fagundes abrindo um largo sorriso em sua face redonda, estou pensando em tentar outra vez alguma coisa no campo; o problema da Reforma Agrária acabou, não se ouve mais falar de nada, nem na imprensa nem na televisão, e portanto o perigo passou de vez; bem que eu tinha razão de não me preocupar..."

– "É é é é, Fagundes, você sempre o mesmo - respondeu tranquilo Dr. Geraldo, - certamente você não ouviu falar do que está acontecendo no Assentamento Pirituba, em Itapeva?"

– "Pirituba? Assentamento? Bem..."

– "Olhe Fagundes, se você não vê mais nenhuma propaganda sobre a Reforma Agrária, não é porque não a estão fazendo, é porque em todos os lugares onde está sendo implantada, é um fracasso completo. Pi-rituba, por exemplo, é um assentamento no sudoeste do Estado de São Paulo, que no início foi super embombado, diziam que era modelo, e agora virou uma favela rural, os campos estão abandonados e os trabalhadores de lá revoltados, porque dizem que foram enganados..."

Nosso repórter, que aliás conhecia bem o assunto, sorriu e pediu licença para entrar na conversa, durante a qual se informou mais detidamente sobre o tema.

Alguns dias depois, saía com um colega para Itapeva, de onde nos trouxe esta reportagem.

De fato, o Fagundes não tinha razão para ficar tão despreocupado...


Retrato de um assentamento modelo da Reforma Agrária

Misto de escravidão e ditadura

DE REPENTE Pirituba virou notícia... - Assim se iniciava um artigo da conhecida revista "Reforma Agrária" (1), da ABRA (Associação Brasileira de Reforma Agrária), apresentando o projeto do assentamento implantado em 1984 em terras da Fazenda Pirituba, nos municípios de Itapeva e Itaberá, sudoeste paulista.

A orquestração publicitária que "de repente" lançou Pirituba no mercado como "um exemplo de assentamento bem sucedido", contou com a participação de conhecidos órgãos da mídia, como TV Globo, "Folha de S. Paulo" e "Jornal da Tarde" e atraiu "visitantes que se multiplicavam" - explica a revista - desde oficiais da Aeronáutica até o Ministro da Reforma Agrária, o qual "de lá saiu entusiasmado".

História da Fazenda Pirituba

Segundo o advogado Jairo Amorim, do Sindicato Rural de Itapeva, a história da Fazenda Pirituba é longa: "Nos idos de 1950 a fazenda pertencia ao deputado estadual Antônio Vieira Sobrinho, conhecido por Toniquinho Pereira. Eu sei por informações que ele acabou entregando essa fazenda ao Banco do Estado de São Paulo em pagamento de um empréstimo que ele levantara na ocasião. Posteriormente, o Banco transferiu para o Governo do Estado a posse da terra. Então essa fazenda de 7 mil alqueires foi entregue a Lino Vincenzi, que se propunha a incrementar a plantação de trigo na região".

As terras da Fazenda Pirituba não chegaram, entretanto, a ser cultivadas de acordo com o plano inicial. "O Vincenzi não tinha condições de explorar toda a área, porque era muito grande", continua o Dr. Jairo Amorim, "e foi permitindo invasões aqui, ali e acolá. A verdade é que chegou num ponto em que a Fazenda Pirituba tinha quase duzentas famílias. Por volta de 1962, o Governo do Estado rescindiu o contrato de comodato com Vincenzi, e entrou com uma ação contra os posseiros "

Era intenção do então governador Carvalho Pinto utilizar as terras para seu projeto de Reforma Agrária batizado

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