"defendeu a formação de propriedades coletivas nas áreas rurais desapropriadas para fins de Reforma Agrária", entendendo que o coletivismo agrário "pode dar mais resultados do que a propriedade individual" (8).
Vejamos agora como tudo isso teve realidade no Assentamento Pirituba.
Para animar os assentados, o governador Montoro teria manifestado a esperança de que "a Justiça decida pela emissão de títulos de posse, que serão entregues às famílias assentadas" (9).
Ora, transcorridos quase cinco anos da formação do assentamento, os assentados queixam-se da falta completa de títulos que lhes deem esperança de sair da condição de sem terra. "Quando tava bonito, o Montoro veio, incentivou o povo e disse que tínhamos ganho o primeiro campeonato brasileiro, que ganhamos um pedaço de terra e que ele ia dar para nós um título de terra", conta o assentado José Soares Ramos, 56 anos, 13 filhos, da área I.
Segundo ele, depois que o governador Montoro foi embora, entrou o Zeke Beze Jr., que queria um documento em nome da associação. "No bolo nós não queremos - desabafa - nós queremos é um documento individual para cada um".
"Esse é o problema que está preocupando", afirma o assentado João Batista Pereira, que foi presidente da Associação dos assentados na área II durante dois anos e meio. Para ele, a falta do documento de posse é uma ameaça de expulsão: "De uma hora para outra pode dar um rebote. Se não tiver documento, o Estado pode resolver qualquer tipo de negócio".
Esse temor de João Batista tem todo o propósito. Já ocorreram arbitrárias expulsões no assentamento. Por exemplo, com Waldemar de Lara, ex-vice-presidente da Associação dos Assentados da área I, o qual assim relata seu drama: "Eu não tinha título de propriedade, me expulsaram, pois eu não tinha garantia nenhuma".
Afinal, se o domínio das terras não foi concedido aos assentados, a quem elas pertencem?
As terras continuam sob tutela do Estado, conforme explica Ana Maria Faria Nascimento, que foi coordenadora do projeto em 1985: "As famílias assentadas não terão a posse da terra. O que existe é uma autorização de uso da terra, um contrato ainda precário" (10).
Até aqui esperaram em vão os assentados pela titulação, e, sem dúvida, em vista da lei 4.957, promulgada pelo próprio governador Montoro, em 30 de dezembro de 1985, está fechada a possibilidade de concessão de títulos de propriedade em projetos de Reforma Agrária patrocinados pelo Governo do Estado de São Paulo.
Segundo dispõe aquele diploma legal, os assentamentos comportarão a outorga de uma permissão de uso do imóvel, pelo prazo de até 5 anos, numa "etapa experimental"; e, depois, numa "etapa definitiva", a outorga de concessão de uso (arts. 40, 80 e 90), e desta vez sem prazo definido. Ou seja, os assentados ficarão indefinidamente na posição de sem terra, pois "concessionário" ou "permissionário" é muito diferente de proprietário. Por isso mesmo, não podem vender, deixar em herança para a viúva e filhos, e realizar outros atos jurídicos inerentes à condição de proprietário: hipotecar, arrendar etc.
Em contraste com os barracões em que vivem a maioria dos assentados, encontram-se algumas casas bem construídas que pertencem em geral aos diretores do assentamento.
Num primeiro momento, o projeto de Reforma Agrária do Assentamento Pirituba foi muito ajudado por setores governamentais, religiosos, políticos, de imprensa, bem como pela LBA, Caixa Econômica do Estado de São Paulo e outras instituições públicas e privadas. Tal tratamento permitiu uma sobrevida artificial, como se pode fazer com uma criança alimentada na estufa. Mas agora, passados quase cinco anos, não podendo manter o rebento permanentemente com vida artificial, o fracasso vai gangrenando o assentamento.
Conscientes desse fenômeno, partidários da Reforma Agrária temem que o fracasso dos assentamentos sirva de argumento contra eles. E o que se constata, por exemplo, no debate ocorrido no Senado Federal, no dia 2 de dezembro de 1986, quando ali compareceu o Sr. Dante de Oliveira, à época ministro da Reforma Agrária. O senador Fernando Henrique Cardoso interpelou-o acerca dos recursos existentes para os assentamentos, declarando seu receio de que "a eventual não consecução dessas metas forneça um argumento forte àqueles que, por outras razões, querem criticar o projeto de reforma agrária", e que "se possa utilizar, mais tarde, estatísticas que não nos sejam favoráveis".
Na resposta, o Sr. Dante de Oliveira demonstrou que compartilhar da mesma preocupação: "Eu vejo o grande perigo para a Reforma Agrária: de aqui a três ou quatro anos, os programas de Reforma Agrária servirem como exemplo daquilo que não deve ser feito" (11).
O "grande perigo" temido por Dante de Oliveira é hoje inteira realidade também no assentamento "modelo" do governo do Estado de São Paulo. E o que passaremos a ver agora, começando por examinar o que aconteceu na primeira safra (84-85).
Sem financiamento e tendo em vista que a associação frustrou os assentados da área I, muitos resolveram tocar a vida por conta própria. É o caso da família de Elias Ramos.
Na safra 84/85, tudo correu bem para a lavoura. Chuvas regulares permitiram excelente produção em toda a região. No Assentamento Pirituba, a área I teve suas terras preparadas peIa CAIC - Companhia Agrícola Imobiliária e Colonizadora, empresa pertencente ao Governo do Estado de São Paulo (extinta posteriormente). Com polpudos financiamentos concedidos pela Caixa Econômica do Estado de São Paulo, a Associação dos Assentados chegou a contratar boias-frias para trabalharem em suas terras, num regime que, segundo noticiou a imprensa, teria deixado "encabulado" o próprio presidente da associação, Delwek Matheus, que declarou: "Para todos os efeitos externos, a associação tem de trabalhar nos moldes capitalistas. É contraditório, mas não tem como evitar" (12).
Esta safra dos assentados foi apresentada pela imprensa como fruto do sucesso do plano de Reforma Agrária no Estado de São Paulo. Segundo Benedito Domingues de Lacerda, "era jornal, revista e televisão" que davam ampla propaganda no sentido de "mostrar para o Brasil que aquele era um esquema de Reforma Agrária que dava certo".
A ilusão da "safra capitalista" durou pouco. Razão tinha Delwek Matheus ao dizer que isso era para "efeitos externos": a associação, constituída em moldes coletivistas e dirigistas, já na repartição dos frutos da safra 84/85 levou a consequências desastrosas.
Quanto aos números obtidos nessa primeira safra, a propaganda manipulou os dados para impressionar o público. Por exemplo, a revista "Reforma Agrária", da ABRA, em sua edição de maio/julho de 85, apresenta eufórico artigo de Zeke Beze Jr. e José Eli da Veiga, no qual uma tabela compara os resultados da safra obtida no assentamento com a média do Estado de São Paulo.
A safra de feijão, segundo os articulistas, teve o rendimento de 51 sacas por alqueire (1,3 toneladas por hectare), enquanto a produção média de São Paulo teria sido 26,4 sacas por alqueire (0,67 t/ha). A manipulação de dados torna-se manifesta, pois a revista omite mencionar que a região sudoeste paulista - onde se situa o assentamento - obtém índices recordes de produtividade de feijão que superam de longe a média do Estado de São Paulo. Por exemplo, produtores vizinhos ao Assentamento Pirituba, nessa mesma safra, colheram acima de 110