P.10-11 | REPORTAGEM ESPECIAL |(continuação)

sacas por alqueire plantado, segundo informa Hendrick Loman, há 18 anos agricultor na região.

"Naquele ano, quem colheu menos, entre agricultores da região, colheu 110 sacas por alqueire", pondera de sua parte o advogado do Sindicato Rural de Itapeva, Dr. Jairo Amorim, e conclui: "E o Estado fazendo estardalhaço de que a Reforma Agrária dele colheu 50 sacas".

Os próprios meios oficiais tentaram supervalorizar a safra, como ocorreu na mencionada visita do então governador Montoro ao assentamento, em fevereiro de 1985. Na ocasião, teria ele afirmado que na colheita de feijão obteve-se "ótimos resultados", chegando-se a colher, "em determinadas áreas, até 80 sacas por alqueire, sem dúvida uma marca excepcional para o feijão" (13).

A manipulação de dados revela-se também - no mencionado artigo, - na apresentação do resultado da safra de milho. A associação teria colhido 57 sacas por alqueire (1,4 t/ha), enquanto a média no Estado de São Paulo seria 98 sacas por alqueire (2,46 t/ha). Portanto, já abaixo da produtividade média estadual. Mas a revista da ABRA deveria ter informado também que, na safra 84/85, na região agrícola do sudoeste paulista, a colheita de milho atingiu índices superiores a 300 sacas por alqueire! Com muita razão, José Carlos Bagdal, possuidor de um lote próximo ao assentamento, externa sua perplexidade: "Tem cabimento tirar uma terra de um homem que produz 300/350 sacas de milho por alqueire, para dar para uma pessoa produzir 50, que é o que a turma do assentamento produz?"

Depois do ano agrícola 84-85, cujo sucesso foi mais aparente do que real, o desempenho econômico do assentamento foi de mal a pior, entrando em irremediável declínio. A situação hoje nas três áreas é melancólica, como se verá a seguir.

Área I: fracasso e caos

Essa área, cuja primeira safra foi em 84/85, encontra-se hoje invadida pelo caos e pelo desânimo. Todos reconhecem o fracasso econômico. O coletivismo e o dirigismo impostos através da associação arruinaram o ânimo dos mais empreendedores, além de provocarem cisões graves e profundo desagrado nos assentados em relação ao esquema adotado. Para tentar remediar o fracasso resultante do coletivismo total, optou-se pelo coletivismo parcial, com a criação de grupos de produção compostos de famílias. Novo fracasso. O endividamento dos grupos redundou na suspensão dos financiamentos, com a consequente paralização das atividades no ano agrícola de 88. Agora, é voz corrente que, no próximo ano, cada qual vai tocar as lavouras por sua própria conta!

Elias Ramos, que acaba de iniciar uma roça à revelia da diretoria, explica a razão de sua atitude: "Com esses diretores aí, não se tem crédito nem para uma caixa de fósforos em Itape-va. Eles estão tão apurados que chegaram a falar que do ano que vem em diante cada qual toca o seu como puder".

Área II: atividades paralisadas

A chamada área II, formada simultaneamente com a área I, foi desmembrada no segundo ano de atividades apenas por estar localizada a 10 quilômetros de distância. Os estatutos e o funcionamento da associação criada então eram idênticos. Com isso, o coletivismo dominante na área I projetou-se na área II, trazendo em consequência todos os vícios e desgraças próprios do esquema comunitário.

João Batista Pereira, natural de Itaberá, foi presidente da associação da área II durante dois anos e meio, e hoje é dirigente de um grupo de produção. Com fisionomia desanimada, diz que "ninguém está aguentando mais" e "agora os políticos não têm vindo. As coisas estão difíceis, o financiamento já está atrasado, não sei se vai sair. Estamos tocando aí do jeito nosso".

Os assentados da área II têm motivos de sobra para desânimo. As dívidas se acumularam a tal ponto que os sete tratores que possuíam, mais uma colhedeira, um secador, um caminhão Mercedes e um carro Volks foram vendidos em dezembro de 1988 para pagar as contas atrasadas. Com isso, a atividade agrícola ficou paralisada, o galpão construído para depósito da colheita está vazio e precariamente adaptado para funcionar ... como escola.

Passados cinco anos, os assentados queixam-se da falta de títulos de propriedade: os sem-terra continuam sem terra! Na foto, Pedro Sebatião Fialho, da área II, mostra o único documento que possui, a matrícula de filiação à associação dos assentados.

José Lima da Rocha, secretário da associação da área III, acha que o Estado é muito lento, "mais lento que tartaruga", no atendimento aos assentados.

João Batista Pereira, ex-presidente da associação de assentados da área II está desanimado: "Ninguém está aguentando mais, agora os políticos não têm vindo".

Área III: sobrevivência artificial

Fruto de uma invasão, em abril de 1986, surgiu a área III. "A iniciativa - conta Atila Gera, proprietário rural na região - partiu do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Itaberá, dos prefeitos de Itaberá e Itapeva e da Igreja".

Com apoio de D. Alano Pena, Bispo de Itapeva, depois de um ano à beira da estrada, os invasores tomaram as terras de Antenor Batista dos Santos. Consumada a invasão, o Estado entrou com um projeto emergencial, formando a área III, destinando 480 hectares para 106 famílias.

Quanto à produção nessa área, os resultados ainda são inexpressivos. Segundo Marcos Augusto Pimentel, técnico agrícola e coordenador do projeto, a primeira lavoura "deu só para alimentação do pessoal. Foi um plantio mais político - explica - porque totalmente fora de época. A produção logicamente não ia dar nada".

Quanto às demais safras, o resultado não foi muito diferente. José Pedro de Souza, 36 anos, três filhos, paranaense, com ar preocupado admite que no ano passado "deu tão pouquinho..." e o plantio deste ano (feijão da seca) está atrasado. Em início de março, a terra ainda estava sendo preparada, enquanto as lavouras da região já crescidas e em floração. "A sobrevivência ainda é precária, só que a gente tem esperança que ainda melhore", tenta justificar-se o coordenador Marcos. Mais realista, José Lima da Rocha, secretário da associação da área III, confessa: "Muitas pessoas vão desanimando, vão indo embora. Éramos, no início, 106 famílias, hoje nós contamos com 69".

Comparativamente, as famílias da área III estão ainda em melhores condições do que as das áreas 1 e II. Qual a razão disso?

São os próprios assentados que dão a explicação. "E porque não estamos endividados, como a área II, que teve que vender todo o maquinário. Quem está nos ajudando bastante é a LBA, que ajudou no maquinário, antes de vir esse trator da Alemanha, da Misereor, e aí melhorou a situação", afirma José Pedro de Souza.

Mais uma vez, a sustentação artificial, de estufa, explica a sobrevida da área III. O próprio coordenador Marcos, entusiasmado, informa que tem sido saliente o apoio de D. Alano Pena: "O Bispo é muito interessado pela questão. O Bispo gostou do trabalho e veio o trator, veio a verba [da Misereor]". Informa ele ainda que a LBA concedeu também uma verba, a fundo perdido, para construção do armazém.


"No tempo que tinha patrão, minha situação era melhor"

A reportagem encontrou Manoel Duarte, conhecido como "seu" Maneco, 59 anos, dez filhos, instalado na área I, em mísero barracão de pau-a-pique.
Com a saúde abalada - sofre de bronquite, inchações no corpo e problemas de visão - explica que isso aconteceu pelo fato de ter espalhado cal virgem na sua lavoura com suas próprias mãos, sem nenhuma proteção. Signatário de um abaixo-assinado de vinte e nove assentados descontentes, Manoel Duarte confessou-se desiludido e mesmo "ludibriado" pela Reforma Agrária. Suas palavras demonstram amargura: "Entramos em comunidade, junto com a igreja, pensando que todos eram irmãos. Não ia ter política, não ia ter nada. Todos concordaram. Mas depois, vimos que eles estavam querendo passar a gente para trás. E falavam: se vocês quiserem é assim. Se não quiserem, o portão de saída é lá em baixo".
Da Lindalva, sua esposa, compartilha a mesma decepção: "Perdemos o ano, não temos nada plantado". A família sobrevive graças ao trabalho dos filhos fora do assentamento.
A família de Manoel Duarte está ameaçada de despejo do assentamento, junto com outras oito, depois que corajosamente denunciaram irregularidades na administração da associação. "Seu" Maneco é um dos que já sentem saudades do tempo em que trabalhava com o patrão. E arremata: "A minha situação era melhor".


Coletivismo: origem profunda do fracasso

Segundo os idealizadores do Assentamento Pirituba, o coletivismo deveria ser uma característica essencial desse projeto de Reforma Agrária, O "sucesso" da safra "capitalista" foi motivo para que Delwek Matheus afirmasse que "o trabalho em conjunto é a chave do sucesso- do assentamento (14).

"A explicação básica do milagre [da safra inicial] não está no campo jurídico ou técnico, e sim no processo de organização do grupo de agricultores", declara Zeke Beze Jr., no mencionado artigo para a revista da ABRA (15).

Como já vimos, aos assentados foi subtraído o direito de receber título de posse da terra. O Estado concedeu uma "autorização de uso" da terra, a título precário, para uma associação

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