de assentados. Na prática, o Estado erigiu a associação em canal necessário entre assentados e Governo, em instrumento do poder estatal nas funções de organizar a preparação do solo, o plantio, a colheita e a comercialização da safra. O dinheiro concedido pela Caixa Econômica estadual, a título de financiamento, foi entregue não a cada associado, mas à associação, para que esta o gerisse, adquirindo máquinas e insumos.
Atraentes placas indicativas da localização das áreas de assentamento encobrem a favelização em que ele se encontra.
No que diz respeito ao livre exercício do direito de associação, convém ressaltar a inautenticidade do modelo adotado no projeto. O assentado é forçado a aderir à associação, sob pena de cair em desgraça. O próprio estatuto, nos artigos 6° e 7°, prevê a participação nela dos lavradores integrantes do assentamento, e o associado excluído "será definitivamente eliminado do projeto".
Ninguém melhor do que os assentados é credenciado para falar a respeito. Vejamos o que eles têm a dizer.
Um abaixo-assinado subscrito por vinte e nove assentados da área I revela que os "beneficiários" foram prejudicados pelo esquema coletivista.
O abaixo-assinado nasceu de uma reunião realizada em 7 de dezembro de 1986, na escola da área I, feita com o fim de analisar o desempenho do projeto e o papel da associação. Participaram da reunião nove assentados - Antônio Vergueiro da Cruz, Benedito Domingues de Lacerda, João Gomes da Silva, José Benfica Nascimento, José Domingues de Lacerda, José Soares Ramos, José Porfírio de Azevedo, Manoel Duarte e Roque Ferreira de Souza - que acabaram redigindo os termos do abaixo-assinado posteriormente subscrito por outros vinte colegas.
Em janeiro de 1987, o abaixo-assinado foi encaminhado à Frente Nacional do Trabalho, em Brasília, e a diversas autoridades. O documento não recebeu o devido realce por parte da imprensa.
A criação da associação só foi aceita "com o objetivo de que as coisas nos facilitassem na parte do crédito agrícola e outros benefícios", esclarecem os signatários, para mais adiante afirmar que a associação não correspondeu à expectativa, deixando um saldo negativo de 80%.
Mencionando como pontos positivos a construção de barracões, a aquisição de máquinas e implementos, e a relativa facilidade em obter créditos, o documento consome cinco de suas seis folhas datilografadas para expor "as partes negativas, as que não deram certo". Os assentados descontentes resumem desta forma suas queixas:
1º) O autoritarismo dos principais diretores e técnicos agrônomos que intervêm muito na associação, e que agem como autênticos ditadores. 2º) Muitas injustiças por parte deles. 3º) Muita falta de esclarecimento na parte administrativa com relação ao dinheiro, o que tem gerado muita desconfiança por parte dos associados. 4º) Insegurança na terra, visto que se tem um documento (autorização de uso) em nome da associação. 5º) A diretoria é um fardo muito pesado para os associados, visto que são pagos os diaristas para cuidar da lavoura de sete famílias de diretores e outros da equipe de manutenção. 6º) Dinheiro que foi usado e não foi prestado conta (valor muito alto). 7º) Muitas falhas na parte técnica (serviço dos agrônomos)".
Na impossibilidade de transcrever todas as queixas contidas no abaixo-assinado dos vinte e nove assentados, a título de exemplo podem-se mencionar:
* Sumiço de mil sacas de feijão. - Na primeira safra de feijão, mais de mil sacas "foram vendidas pela diretoria e até hoje nenhum associado viu a cor do dinheiro".
* Saldo de empréstimo desaparece. - "Em fevereiro de 1986, obtivemos um empréstimo do Fundo Social (aproximadamente de Cr$ 500.000.000,00). Desse dinheiro soubemos que foi comprado um trator ao valor aproximado de 200.000.000,00. O restante não sabemos o que foi feito".
* Diretoria vive às custas dos assentados. - "Somos obrigados a pagar diaristas para cuidar da lavoura do presidente, vice-presidente, tesoureiro, secretário, mais três membros que cuidam das máquinas, e um que cuida do barracão; além desses, temos que pagar uma secretária que trabalha no escritório, cuidando do serviço que seria do secretário (Antônio Fernandes da Silva); temos ainda que pagar uma faxineira para o escritório. Ainda demos um carro do ano, Volks-Gol, para a diretoria, pagamos o combustível e acessórios do carro, que muitas vezes faz corridas para lugares sem nenhum interesse para os associados. Prova disso, é que domingos e feriados não há expediente, porém, o carro não para. Além disso a diretoria come e bebe em restaurantes a hora que querem, e pagam a conta com o dinheiro dos associados".
* Ameaças ditatoriais e insegurança na terra. - "Como se tem um documento (autorização de uso) em nome da associação, os diretores agem como se fossem donos da terra. Não aceitam diálogo, nem ideia de ninguém. Se alguém reclamar ou falar mal da associação, ou então tentar mudar alguma coisa, logo vem a resposta deles: quem achar que não está bom, o portão está aberto, ou seja, vá embora! Ou então, chamam-no no escritório e 'dão a maior prensa', como aconteceu com Mário Arruda, Aristeu Pereira da Silva e Waldemar de Lara".
* Autoritarismo e luta de classes: - "No começo de nossos trabalhos aqui no projeto, já tinham saído os primeiros créditos de investimentos e custeios. Estes créditos foram transferidos para a conta da associação, para serem administrados pelo presidente e pelo tesoureiro. Estes, em hipótese alguma, arrumavam dinheiro para ninguém. Via-se muitas pessoas trabalhando em estado precário, descalças, outros vestidos de bermuda. Nesta época, os holandeses aqui vizinhos tinham muito serviço em suas lavouras. Eles fizeram oferta de trabalho aos rapazes e moças aqui do projeto, e muitos foram trabalhar para os holandeses. Porém, quando Zeke Beze Jr. e os principais diretores souberam (Delwek Matheus e Valdemar Ferreira) protestaram e proibiram, inclusive ameaçando punir o chefe de família que tivesse um filho trabalhando para os holandeses, argumentando que os holandeses eram nossos inimigos. E assim, os rapazes e moças foram obrigados a parar de trabalhar para os holandeses".
* Impiedade com os doentes. - os descontentes mencionam três casos em que Delwek Matheus e Valdemar Ferreira recusaram dinheiro para passagens de ônibus para atendimento na cidade de crianças doentes dos assentados Altivino Vieira e Roque Ferreira de Souza e da esposa de Antônio Vergueiro da Cruz.
Em tese, o trabalho comunitário divide tudo por igual entre os assentados. Mas a teoria socialista está longe