As famílias assentadas, em sua generalidade, vivem diariamente esse quadro de insegurança e ambiguidade, e sobrevivem apenas graças ao trabalho avulso nas lavouras de agricultores vizinhos. A experiência da Reforma Agrária devia resgatá-las da situação de boias-frias. Na realidade, para subsistirem e não morrerem de fome, elas continuam trabalhando como tais.
Não é de espantar que o desânimo progrida cada dia mais entre os assentados. "Isto aqui não vai prá frente mais", desabafa amargurado Elias Ramos, que vive na área I. Na área II, a situação é semelhante: "Não está compensando, a gente não aguenta mais plantar", diz Pedro Sebastião Fialho, no que é acompanhado por João Batista Pereira: "As coisas estão difíceis, já estamos fritos. Se não tiver 'uma mão', não vai".
Na área III, embora o assentamento tenha começado há menos tempo, os sintomas de desagregação já estão presentes. "Muitos desistiram, tem pessoas que não agüentam, é quase impossível sobreviver", diz José Lima da Rocha.
Não causa surpresa que muitos assentados, caindo na realidade, comecem a sentir saudades do tempo em que trabalhavam para um patrão. Comparando sua situação de hoje com a da época em que era empregado numa fazenda, João Batista Pereira, ex-presidente da associação da área II, confessa: "Lá [na fazenda] tinha energia, água, mais conforto. E sempre a gente tinha o apoio do patrão, não é? Aqui, a coisa é mais difícil".
Declarando que foi "ludibriado e atraiçoado pelos dirigentes da associação", com voz embargada e apreensivo, Manoel Duarte, o Maneco, fala com saudades dos tempos em que tinha patrão: 'Minha situação era melhor. Eu trabalhava mais, todos os dias. Quando eu precisava de um remédio, eu chegava na fazenda, o patrão punha eu, a mulher e a criança no caminhão e descia na farmácia. É claro que eu pagava tudo..." Cogitando na hipótese de abandonar o assentamento "porque aqui não tem condições de trabalhar", mostra-se arrependido pelos cinco anos passados no Assentamento Pirituba: ficou mais velho, perdeu a saúde e, nesse período, conseguiu apenas "comprar um cavalo e assim mesmo financiado". E, comprazido, fala que já tem convite do seu antigo patrão, que "me recebe agora mesmo", para trabalhar lá no Mato Grosso, "onde já tenho um casal de filhos meus".
No número de abril/julho de 1988, a revista "Reforma Agrária", da ABRA, publica artigo de três colaboradores, analisando os resultados obtidos pelos assentamentos das áreas I e II do Assentamento Pirituba.
Os dados apresentados são insuficientes para se formar um juízo objetivo sobre o sucedido nos dois primeiros anos de atividade agrícola, respectivamente nas safras de 84/85 e 85/86.
Entretanto, algumas conclusões podem ser tiradas.
a) De um resultado positivo no primeiro ano (84/85) passou-se a um resultado negativo no segundo ano (85/86).
Depois de pagas amortização e juros de empréstimos contraídos para compra de máquinas; no primeiro ano o Assentamento obteve um resultado líquido anual de 68 OTNs por família, equivalente aproximadamente a 6 OTNs mensais por família. O que corresponderia hoje a cerca de 74 cruzados novos por mês, menos que um salário-mínimo.
Isso sem considerar a amortização da terra.
b) No segundo ano, obteve-se um resultado líquido negativo de 50 OTNs por família. Em outras palavras, os assentados das áreas I e II não tiveram condições de enfrentar os compromissos financeiros assumidos, o que os forçou, pouco tempo depois, a venderem as máquinas e equipamentos para pagar seus compromissos. Isso explica o que aconteceu na área II que, em fins de 88, vendeu todas as máquinas, equipamentos e até veículos para saldar suas dívidas com o banco.
A falta de bens essenciais e de qualquer conforto nos barracos mostra como as famílias assentados vivem na miséria.
O abandono marca a paisagem da área II do assentamento.
"Vamos dizer a verdade. Nós tivemos uma situação mista. Um misto de escravidão e de ditadura. Ditadura por parte deles, escravidão por parte dos assentados. Porque eles queriam que os outros trabalhassem do jeito que eles queriam, senão já estava ameaçado de sair". - Este balanço da experiência de Reforma Agrária no Assentamento Pirituba é de Benedito Do-mingues de Lacerda, o qual completa que a "imagem falsa" que se projetou do assentamento na primeira safra foi substituída pela realidade: "Aquele esquema não dava certo, nem dá certo. Não tem condições de dar certo".
De sua parte, Waldemar de Lara, que passou mais de dois anos no assentamento e chegou a ocupar a vice-presidência da associação da área I, descreve sua situação: "Fui para o assentamento para ter um pedaço de terra, para trabalhar. Para eu ter minha liberdade. Agora, se for um trabalho, vamos dizer, de cativeiro, prá mim não serve. Porque, trabalhar e dar o dinheiro na mão de quem não sabe administrar, não serve. Isso não é um trabalho de proteger o pequeno agricultor. Para mim isso aí é um projeto de opressão em cima do trabalhador". Baseado na sua experiência de Reforma Agrária, faz um apelo às autoridades: "Que analisem melhor o sistema de assentamento, que valorizem melhor o trabalhador. Que realmente dêem valor aos que trabalham, não vão na conversa de pessoas que fazem política junto a eles".
A opinião de Benedito Domingues de Lacerda e de Waldemar de Lara,