P.36 | FRANÇA CATÓLICA |

Vocação para os píncaros

A MEIO CAMINHO entre o Céu e a Terra, encravado no cume de íngreme penhasco, ergue-se altivo, no esplendor de fulgurante iluminação, o santuário de Saint-Michel-d' Aiguille du Puy (São Miguel da Agulha de Puy), localizado na região centro-sul da França.

Solitário e quase inacessível, dir-se-ia concebido para anjos e não homens. Entretanto, uma regra elementar de defesa, aliada à ousadia de seus construtores, determinou a escolha de tão insólito local para instalação de uma igreja.

Em meados do décimo século, época em que foi edificado o santuário, a Santa Igreja ainda rezava, na Ladainha das Rogações, a expressiva invocação: "a furore Normannorum, libera nos Domine" (do furor dos Normandos, livrai-nos Senhor).

Esses temíveis bárbaros, vindos do norte, penetraram no interior da França pelos rios, saquearam e queimaram cidades e igrejas. Para escapar à destruição, era necessário fugir para lugares inóspitos, de difícil acesso, que pudessem dissuadir de uma eventual incursão os normandos. Pântanos, florestas e montanhas foram utilizados como refúgio pela população indefesa diante da sanha dos invasores.

Nessa conjuntura, compreende-se que o Ordinário do vilarejo de Le Puy, Dom Godescalc, tenha procurado no pico do rochedo de Aiguille um lugar adequado para homenagear o Príncipe da Milícia celeste.

Do ponto de vista estratégico, a construção é inexpugnável. Tem-se a impressão de que o próprio penhasco foi lapidado para dar lugar a um monumento de Fé que desafiasse os ventos, as tempestades e os séculos, simbolizando de modo eloquente as palavras pronunciadas pelo Divino Mestre ao fundar a Santa Igreja: "Tu és Pedro e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja" (Mt 16,18).

Arte pré-românica, um tanto primitiva, nota-se já, na elevação e na harmoniosa proporção de sua torre, algo da grandiosa vocação da alma medieval para os píncaros.

De fato, algum tempo mais tarde, as torres das catedrais góticas vararão os céus à procura do Absoluto, num verdadeiro "teotropismo" que caracterizará a Idade Média, essa "doce primavera da Fé".