P.06-07 Página 06-07 | "MORTE" DO COMUNISMO |(continuação)

Pois a extinção de uma doença torna inúteis os médicos nela especializados.

Tudo isso se apresenta assim aos olhos de muito considerável parte dos "homens da rua", isto é, os otimistas, que sonham obsessivamente com a fartura universal, num mundo de que tenha sido por fim afastado o espectro da hecatombe nuclear.

Mas os homens que sonham têm não raras vezes certo pudor de estarem sonhando. E por isto nem sequer chegam a explicitar para si próprios os seus sonhos. A fim de os conhecer, é preciso auscultar as opiniões que emitem sobre fatos concretos. Opiniões estas que frequentemente existem incubadas nos comentários que o "homem da rua" otimista faz nas conversações correntes da vida cotidiana.

Na análise destas opiniões pode-se perceber, entretanto, para que rumo caminham suas utopias.

Neste artigo, todo voltado a dialogar com o "homem da rua", passo agora a considerar vários aspectos dos sonhos dele, o que me permitirá pôr a nu as diversas aspirações que o movem.

Para maior brevidade na aplicação desse processo, exporei a matéria em duas colunas. Em uma se enuncia a posição do otimista. Na outra o desmascaramento polêmico que lhe inflige a TFP.


O sorriso de Gorbachev e a perestroika, motivos de esperança para os otimistas ocidentais, têm um precedente: o sorriso de Kruchev, que embaiu o Ocidente e incentivou a desastrosa política da "coexistência pacífica".
Um simples pintor de paredes, Adolf Hitler, arrastou multidões porque ele lhes havia "caído no goto". Na foto, militantes do partido nazista o saúdam, após um meeting.

Proposição dos otimistas: 1. A personalidade de Gorbachev, como também a de Raíssa, sugerem ao discernimento psicológico dos observadores lúcidos e intuitivos a persuasão de que eles são "boas pessoas", amigos do seu povo, e desejando para eles tanta fartura quanto possível, a eliminação do despotismo policialesco e a supressão do espectro da guerra nuclear.

Resposta da TFP: 1. O otimista desenvolve suas cogitações tipicamente assim: uma impressão pessoal, uma viva simpatia que ele experimente em relação a terceiros, lhe servem de razão suficiente para confiar nestes. E, com base nessa confiança, conceber sonhos deliciosos.

Uma mera fotografia de jornal ou de revista, ou então a simples análise fisionômica feita quando a cara de uma pessoa aparece no vídeo de uma televisão pode arrastar assim os otimistas - indivíduos, grupos ou multidões - aos atos de confiança mais temerários.

O conhecimento e a análise da biografia da pessoa em foco, de seus escritos, de seus feitos: tudo isto pouco importa. Basta ver-lhe a foto, ouvir-lhe a voz, para julgar...


Proposição dos otimistas: 2. Gorbachev e Raíssa, por sua popularidade no Oriente como no Ocidente, são onipotentes, podem tudo quanto querem. Já que querem o que queremos, isto é, toda prosperidade para todos os povos do mundo, a consequência é que "o negócio está feito" de parte a parte.

Resposta da TFP: 2. Mais uma vez, é bem este o ponto fraco dos otimistas. Sem nada conhecer dos antecedentes das pessoas, têm facilidade em atribuir as mais generosas e desinteressadas intenções àqueles que lhes tenham "caído no goto".

Foi assim que multidões inteiras se entusiasmaram na década de 30, na Alemanha e fora dela, por um simples pintor de paredes que haviam "visto" e "ouvido", e que, ato contínuo, lhes havia "caído no goto".

Quando tais otimistas chegam a ser muito numerosos, sejam eles nazistas, fascistas, comunistas ou de qualquer outra espécie, está aberta uma era de triunfo fácil para os demagogos e para a demagogia.


Um povo sujeito a prolongada miséria, como o soviético, em vez de rugir revoltado, de modo unânime, ao se lhe conceder algumas franquias, poderá sentir-se esmagado, desanimado e, por fim, habituado à sua invariável condição de escravo.

Proposição dos otimistas: 3. O natural é que Gorbachev esteja firmíssimo no poder, pois é absurdo supor que um povo que sofre miséria há 70 anos não esteja rugindo de vontade de se enriquecer.

Resposta da TFP: 3. Tal pode ser realmente a atitude de um povo sujeito a prolongada miséria. Mas pode também ser que um povo assim tratado, em vez de rugir, se sinta esmagado, desanimado, e por fim acomodado à sua invariável condição de escravo.

Por que supor que a tão imensa população da Rússia soviética tenha, face à própria miséria, uma atitude unânime? Pode bem ser que junto ao Báltico os oprimidos rujam, e junto ao Mar Negro ou ao Mar Cáspio, pelo contrário, os oprimidos bocejem indolentemente conformados. Em coerência com sua propensão ao otimismo, o "homem da rua" lança, sem mais provas, a afirmação de que todos rugem. E a partir daí tira lá suas conclusões.., também otimistas: o comunismo "já era". Merece esse modo frívolo de pensar, que se o refute com maior atenção? - Não o cremos (*).

(*) No artigo Gorbachev em perigo, Bernard Lecomte, em "L'Express" (7-7-89), aponta três ameaças que pesam sobre o líder soviético, entre as quais coloca "o conservantismo .... de toda uma população aturdida, aniquilada, aterrorizada por uma longa luta entre um sistema de valores antigos e a utopia criminosa do 'homem novo'. Setenta anos de regime comunista tornaram este povo apático e irresponsável. Por detrás de uma elite intelectual .... há uma população de 286 milhões de soviéticos que não creem nas reformas. Como poderia Gorbachev fazer evoluir esta sociedade que se tornou a mais conservadora do mundo?" (loc. cit., p. 30). É bem de ver que esse "conservadorismo" é fruto da acomodação e da apatia face a um regime antinatural e despótico. No mesmo número de "L'Express" (p. 38), Wladimir Berelovitch insiste na mesma ideia. descrevendo "os habitantes da Rússia profunda" como um "gênero humano submisso, aterrorizado e irresponsável, modelado por décadas de despotismo. E se espera desta população que ela tome iniciativas, que ela aprove as reformas? .... O que caracteriza a população é uma apatia geral".


Proposição dos otimistas: 4. o regime policialesco comprimia no povo faminto e enfurecido a possibilidade de se revoltar. Gorbachev soltou a fera. Ninguém mais terá meios de a prender de novo. A agressividade da miséria é onipotente, e faz reconhecer, a justo título, em Gorbachev, o paladino da fartura para todos e o campeão da liberdade.

Um homem que enfeixa assim em suas mãos todo o potencial incontenível da opinião pública ninguém o derrubará.

Resposta da TFP: 4. No "povo.., enfurecido"? - Como acaba de ser dito, esta afirmação contém uma simples hipótese, um mero pressuposto. Nem sempre a miséria e a opressão enfurecem. Pelo contrário, alquebram por vezes.

Só os acontecimentos que estão em via de se desenrolar dirão se as massas russas estão todas elas seriamente enfurecidas, ou, pelo contrário, lamentavelmente alquebradas. Como na China, por ocasião da recente revolta, os fatos fizeram ver que a opressão restaurada em consequência da vitória dos comunistas duros e "conservadores" acabou por encontrar diante de si - pelo menos até o presente - a submissão da maioria desalentada.

"Ninguém o derrubará". O vaticínio, baseado no vácuo de uma preliminar não comprovada, vale tão pouco quanto pouco vale essa mesma preliminar...


Proposição dos otimistas: 5. Todos os planos de Gorbachev são viáveis e serão vencedores. Todas as suas promessas são sinceras e serão cumpridas. Todas as suas garantias de desarmamento merecem confiança absoluta: seria absurdo que assim não fosse. Isto leva o Ocidente (governos, políticos, capitalistas, intelectuais e mídia) a apoiar deliberadamente Gorbachev (e fazem bem). O que lhe vale dentro da Rússia um imenso reforço de prestígio e de poder.

Resposta da TFP: 5. Na verdade, o otimismo fácil do Ocidente está ajudando de todos os modos Gorbachev a se manter no poder: créditos estatais e privados espantosamente amplos; planos de desarmamento confiantes quase até a cegueira, com falta de garantia de fiscalização séria do desarmamento que a Rússia faria em contrapartida; negociações internacionais de todo gênero, altamente prestigiosas para Gorbachev; viagens ao exterior não menos prestigiosas e propagandísticas, tudo isto vai sendo fornecido pelo Ocidente, "drogado" de otimismo, para ajudar Gorbachev a resistir eficazmente a oposições internas. Este frenesi de ceder, de recuar ante o poder soviético, de favorecer de todos os modos Gorbachev não é de muito bom agouro. Pois causa a impressão de que tal frenesi dos ocidentais é movido em boa parte pelo próprio pânico de que, se não dessem a Gorbachev essas benesses torrenciais e mordomias gigantescas, temeriam que ele ruísse.

"Quando a esmola é demais, o pobre desconfia". Com efeito, não dá para desconfiar, à vista desta chuva de esmolas despejada pelo Ocidente sobre Gorbachev?

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