Carlos Patricio del Campo
O PAÍS VIVE uma séria crise sócio-econômica. Basta abrir qualquer jornal, ou assistir à televisão, para ter-se a impressão de que, de um momento para outro, podemos cair em abismos. Isso gera incerteza e insegurança.
Não é objetivo destas linhas avaliar tal crise em seu conjunto, o que nos levaria muito longe. Limitam-se elas a um aspecto da questão: a situação social, vista sob seu ângulo fundamental, ou seja, o que vem acontecendo com os rendimentos da população.
Eis como alguns apresentam a situação: "Brasil tem 70 milhões de miseráveis passando fome" (1).
"Sessenta e cinco por cento da força de trabalho no Brasil recebe até um salário-mínimo" (2). "Dos sessenta e dois milhões de habitantes que vivem abaixo da linha de pobreza, 38,3 milhões estão abaixo da linha de indigência ..... Se os primeiros conseguem pelo menos se alimentar, os demais nem isso fazem direito" (3).
Notícias desse tipo abundam na mídia, tanto no Brasil como no Exterior. Terão elas fundamento na realidade? Não haverá exageros em tais afirmações? Que dados lhes servem de base? Responder a estas e a outras perguntas do gênero é o assunto central do presente artigo.
As estações rodoviárias apinhadas de gente simples do povo, bem disposta, que viaja. Não há exagero em falar de um pauperismo terrível e generalizado?
Cenas de um supermercado em Guaianazes (periferia da grande São Paulo), muito frequentado pela população pobre ... e contente
Para um observador imparcial, não deixa de chamar a atenção a contradição entre as afirmações acima e a realidade que ele vê ao seu redor: tráfego intenso nas estradas em fins de semana e feriados, rodoviárias ingurgitadas de gente, "febre" nas compras de automóveis novos e usados, como também de eletrodomésticos, para aproveitar o recente - e aliás fracassado Plano Verão, construção de hipermercados e até de "Shopping Centers" em bairros populares e em numerosas cidades do interior etc ...
Tal inflação de consumo não encontra explicação no quadro de miséria generalizada acima descrito.
E não tem mesmo explicação, pelo simples motivo de que o quadro não é real. Para comprová-lo, convido o leitor a refletir um pouco sobre alguns fatos ocorridos na recente história econômica do País.
É do conhecimento de todos que, no ano do Plano Cruzado, a economia nacional teve um significativo crescimento, provocando aumento da demanda de mão-de-obra. Em princípio, este aumento não acarretaria de si um crescimento significativo no nível dos salários; pois, em uma situação de pobreza generalizada, onde o desemprego ou o subemprego são abundantes, um aumento na procura de mão-de-obra não redunda em crescimento proporcional dos salários. Ora, o que se viu no Plano Cruzado foi um verdadeiro "estouro" no salário real dos trabalhadores e operários em geral. E a escassez de mão-de-obra se fez notória especialmente na construção civil, setor que emprega predominantemente mão-de-obra de pouca qualificação.
Outra característica do Plano Cruzado foi a explosão especialmente no consumo de bens duráveis e de artigos não essenciais. E um aumento não proporcional no consumo de produtos alimentícios essenciais, como arroz, feijão etc. (4)
Ora, se setenta milhões de miseráveis passam fome, e, vendo suas rendas melhoradas, não aumentam explosivamente o consumo dos alimentos básicos, de duas, uma: ou são enfermos mentais, que não sabem avaliar suas próprias necessidades; ou a existência desses tais setenta milhões de famintos não passa de ficção. A segunda hipótese, obviamente, é a que calha.
Várias outras contradições do gênero poderiam ser citadas. Mas a falta de espaço não o permite. Passemos a considerar, agora, os dados concretos e suas fontes.
A quase unanimidade dos comentários sobre a pobreza no Brasil refere-se a estudos feitos com base no Plano Nacional de Amostras de Domicílio (PNAD). O PNAD é uma pesquisa anual, baseada em amostragem de domicílios, realizada pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), com o intuito de calcular certos indicadores sociais, e determinar algumas características da população, tais como nível de renda, distribuição do emprego por ramos de atividade, características dos domicílios, propriedade de bens etc. Os dados são obtidos por meio de entrevistas diretas nos domicílios escolhidos para amostra.
De acordo com estudos de conhecidos especialistas, o PNAD subestima significativamente os ganhos da população, especialmente daquela de baixa renda (5).
Isto porque, na própria definição de renda considerada pela pesquisa, é deixado de lado um conjunto importante de fontes de entradas.
Assim, a produção para consumo próprio, por exemplo, não é considerada como renda.