P.04-05 | DISCERNINDO, DISTINGUINDO, CLASSIFICANDO |

Do confessionário à televisão

A CENA é apresentada pela televisão. No primeiro plano há um vidro opaco, à maneira de biombo. Detrás dele, um vulto humano se move. Para evitar qualquer possibilidade de reconhecimento, seu rosto está ademais recoberto por uma máscara. Os telespectadores estão atentos. O desconhecido começa a falar; sua voz é veículo das piores intenções e relata os fatos mais escabrosos: está pensando seriamente em matar o próprio pai e asfixiar a mãe.

Noutro dia, a mesma cena; a voz desta vez é feminina: declara-se viúva e diz ter contratado um homossexual para atrair seu filho, pois teme perdê-lo para outra mulher! E assim, a cada dia, o programa apresenta as "confissões" de um novo indivíduo. Um médico anestesista declara ter participado já de vários assassinatos de velhos ou doentes graves, enquanto uni pervertido que vive às custas de mulheres relata detalhes escabrosos de sua "profissão".

Não estamos inventando, os dados são reais. E não se trata de artistas encenando, mas de pessoas que efetivamente se apresentam para "confessar-se" ao público. O programa realiza-se na Itália, no canal RAI-3, tem atraído grande audiência e, segundo informou a revista "Der Spiegel", "produtores alemães estão disputando a licença para utilizar a fórmula na TV da Alemanha".

O programa, chamado "Io Confesso", como facilmente se percebe é uma paródia do sacramento da penitência, que se alinha à fileira crescente de sacrilégios e blasfêmias do mundo moderno. Qualquer dado sobre a identidade dos "penitentes" é mantido no mais absoluto sigilo. Os produtores afirmam receber cerca de cem telefonemas diários de candidatos à "confissão", que desejam revelar seus problemas mais íntimos devido a "uma necessidade profunda de desabafo".

* * *

O sacramento da penitência, instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo, é a seu modo uma prova da divindade da Igreja por Ele fundada. De fato, que inteligência meramente humana poderia excogitar um tal remédio para o pecado? Se não fosse divino, seria uma loucura.

O pecado, além de ofender a Deus, deixa na consciência do homem um peso insuportável, uma angústia de fundo que nada remedeia. O sacramento da penitência - com a confissão arrependida dos pecados e a absolvição - nos obtém o perdão efetivo da ofensa. Mas há mais. Quem, com alguma experiência da vida e com a prática da Religião católica, já não sentiu alguma vez, após confessar-se, aquele lenitivo na alma, aquela sensação do perdão obtido, uma inundação de paz que nada substitui?

O sacramento da penitência, além de perdoar as faltas, vem preencher uma necessidade do pecador de ser ouvido em sua miséria, de ser amparado em sua queda, de ser confortado em seu soerguimento. Aquelas longas filas que presenciávamos antigamente, de um lado e outro dos confessionários, constituíam um reconhecimento público e humilde da condição pecadora da humanidade, manifestavam a beleza do arrependimento e ostentavam a confiança no perdão. Chegava a ser emocionante contemplá-las no seu deslocamento vagaroso e intermitente, no seu silêncio recolhido e orante, em que a dor e a esperança se osculavam. Cada qual aguardava o momento precioso de ajoelhar-se, abrir sua alma, bater no peito e ser absolvido.

O que vemos hoje? O sacramento da penitência vem sendo antipatizado, vilipendiado, esvaziado de seu significado profundo. Os confessionários foram "desativados" em quase todas as igrejas. E as confissões, cada vez mais raras, fazem-se agora em salas comuns - ou em confessionários dos quais foi retirada a divisão de madeira que separava o confessor do penitente - ambos sentados frente a frente conversando, mesmo quando se trata de senhoras ou moças, com não pequeno constrangimento para o pobre fiel, sem falar dos inconvenientes morais.

Não é de estranhar, pois, que com tal "pastoral da penitência" os fiéis se vejam cada vez mais afastados dessa prática religiosa, com todas as consequências mesmo psicológicas desse afastamento: distúrbios nervosos, inseguranças etc. Para preencher essa lacuna, proliferam os divãs de psicanalistas. Só que neles não se concede o perdão dos pecados nem se devolve às almas a paz interior...

É nesse contexto que aberrações televisivas como a acima descrita passam a ter êxito, não só junto aos que estão tomados pelo gosto de exibir-se, mas também em relação às miríades de almas sem rumo, desvairadas e enlouquecidas pelos próprios pecados e pela falta de um confessionário acolhedor.

C. A.


| ENTREVISTA |

Eleição-89

"O Brasil merece muito mais "

Atendendo ao pedido de inúmeros leitores, interessados em conhecer a opinião do Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, presidente do Conselho Nacional da TFP, a respeito das eleições deste mês, publicamos a entrevista que ele concedeu com exclusividade a "Catolicismo".

CATOLICISMO - Prof. Plinio, o que o sr. pensa a respeito do quadro eleitoral brasileiro?

PCO - Na realidade, o quadro eleitoral parece renovar, em alguma medida, o que já descrevi pormenorizadamente em meu livro "Projeto de Constituição Angustia o País", no qual analisei, entre outros temas, as eleições para a Assembleia Constituinte, realizadas em 1986.

Por certo, é elemento vital da democracia que todos conheçam o candidato cuja opinião confere com a sua. Que cada eleitor tenha uma ideia clara dos problemas do Estado e uma noção definida a respeito do que deseja cada candidato a cargo eletivo. Isto é a própria nervura vital da democracia.

Ora, uma vez chegado o período de preparação eleitoral, como expliquei naquele livro, começou um estilo de propaganda, o mais lamentável possível. Em vez de ser a propaganda dos programas dos candidatos, era a propaganda da cara dos mesmos. Lembro-me de ter visto,

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