E de repente, enfurecido:
– Ah! canalha de chouan - berrou, aproximando-se dele. Se eu pudesse matar com um tiro mais mil da tua casta!...
O camponês, silencioso, permanecia calmo sob a saraivada de ameaças. Parecia escutar um ruído longínquo, que os gritos e risadas dos soldados o impediam de ouvir.
E de repente baixou a cabeça e concentrou-se: do fundo da floresta, subia no ar calmo da noite a voz de um sino, que a aragem dos bosques trazia, clara e ritmada... Quase a seguir, outro sino, mais grave, ecoou do lado oposto do horizonte, e depois mais outro, fino e melancólico, ouviu-se lá muito ao longe.
Os azuis, surpreendidos, interrogaram-se:
- Que é isto?... Por que é que estão a tocar?... Será um sinal?... Ah! bandidos! Estão a dar o alarme!
Falavam todos ao mesmo tempo, alguns correram a pegar nas armas. O camponês levantou a cabeça e, fitando-os com os olhos claros, disse apenas:
- É Natal.
- É... o quê?
- É Natal. Estão a tocar para a missa da meia-noite.
Os soldados, resmungando, tornaram a sentar-se em volta da fogueira. E um silêncio caiu.
Natal... A missa da meia-noite. Essas palavras que há tanto não ouviam impressionavam-nos: vinham-lhes à ideia vagas imagens de horas felizes, de ternura, de paz.
De cabeça baixa, escutavam aqueles sinos que falavam a todos uma língua esquecida.
O sargento Torquatus pousou o cachimbo, cruzou os braços e fechou os olhos como um diletante que saboreia uma sinfonia. Depois, como envergonhado daquela fraqueza, voltou-se para o prisioneiro e perguntou num tom duro:
- Es cá do lugar?
- Sou de Coglès, aqui perto.
- Então ainda há padres-curas lá na tua terra?
- Os azuis não chegaram a toda a parte, não atravessaram o Couesnon, e daquele lado ainda se vive em liberdade. Estão a ouvir? É o sino de Parigué que está a tocar agora. O outro, o menor, é o do castelo do senhor de Bois-Guy, e acolá, mais longe, é o sino de Montours. Se o vento estivesse de jeito, até se ouvia o sino grande de Landéans.
Um dos soldados, Gilles, que permanecera silencioso durante as ameaças feitas ao chouan, ouvia agora com grande atenção e parecia particularmente tocado. Os demais, após um fugaz movimento de ternura, haviam fechado definitivamente seus corações.
Nesse instante, de todos os cantos do horizonte, subia na noite o badalar das aldeias longínquas: era uma melodia doce, cantante, harmoniosa, que ora se ampliava, ora diminuía ao sabor do vento.
Gilles, de cabeça baixa, escutava. Pensava em coisas há muito esquecidas; via a igreja de sua aldeia natal, resplandecente de velas acesas, o presépio de grandes rochedos musgosos, onde brilhavam lamparinas vermelhas e azuis; ouvia subir, na memória, os alegres cantos de Natal, essas músicas que tantas gerações entoaram, ingênuas loas, tão velhas como a França, onde há pastores, flautas, estrelas e criancinhas - e que falam também de paz, de perdão, de esperança... Ele sentia degelar
O coração ao bom calor dessas imagens suaves, de que andava há tanto afastado.
Os sinos ao longe continuavam a tocar. Torquatus determinou que todos fossem repousar, e designou Gilles para a primeira hora de ronda. Em pouco tempo o improvisado acampamento estava montado, e os azuis, exaustos pelo peso daquele dia, e desejosos de esquecer o som daqueles sinos que lhes haviam trazido tantas recordações de uma infância católica e feliz, ressonavam estirados sobre mantas de dormir.
A fogueira crepitava ainda, mas com menos ardor. Só Gilles e o chouan permaneciam acordados. O azul então, com cuidado, procurando não pisar nos gravetos secos que podiam estalar, aproximou-se da árvore onde, amarrado, o chouan o olhava... o adivinhava!
- Sabes, disse o soldado quase ao ouvido do prisioneiro, na minha terra fazia-se um grande berço na igreja, punha-se um Menino Jesus lá dentro, ladeado por Nossa Senhora e São José.
E inopinadamente acrescentou:
- Queres ficar livre? Eu te solto!...
- Mas, e tu? Vais morrer em meu lugar? Eles te esquartejam.
- Eu fujo também. Estou farto desta Revolução à qual me levaram a aderir. Minha família sempre foi católica. Em casa, desde a infância aprendi a respeitar o Rei.
- Então vem comigo, respondeu o chouan. - Volta à fidelidade. Eu te levarei a um padre que não fez o juramento revolucionário, para que te confesses. Defenderemos juntos Nosso Senhor Jesus Cristo e o Rei legítimo.
A essa altura, o ex-azul, com uma faca afiada cortava as cordas que prendiam o prisioneiro. Em questão de instantes ambos se embrenhavam na floresta por caminhos que só o chouan conhecia. Os sinos já não se ouviam mais nos ares, mas nos corações daqueles dois homens eles continuavam a tocar. Era Natal!
Nelson Ribeiro Fragelli
Nosso correspondente
PARIS - Próximo a uma das margens do rio Sena, não longe do Arco do Triunfo, num centro de estudos, cientistas sisudos e de renome explanavam teorias, exemplificavam-nas por meio de projeções fotográficas; por vezes discutiam acaloradamente. Em sua grande parte, correspondem à imagem que frequentemente se atribui ao pesquisador habituado ao silêncio dos laboratórios, absorto, curvado sobre amostras, frascos, microscópios e compêndios - continuamente tomado por considerações de alta ciência, abstraído, nem sempre encontrando em sua aplicada atenção disponibilidade para ocupar-se da realidade miúda que a todos circunda.
Estavam ali reunidos, no Centro Chaillot-Galliera, participando do "Simpósio Internacional Científico de Paris sobre o Santo Sudário", realizado em 7-8 de setembro último.
O encontro era organizado por 16 cientistas franceses. Mais de 30 personalidades do mundo científico expunham suas teses. Quase todos traziam anos de trabalhos dedicados ao Santo Sudário, geralmente realizados em laboratórios altamente especializados de universidades de vários países.
O público internacional vinha tendo notícias dos resultados de pesquisas científicas feitas com amostras do Santo Sudário, especialmente depois de 1978.
Naquele ano, em caráter excepcional, o Sudário foi exposto ao público, em Turim, e a partir de então maior publicidade foi dada aos resultados dos estudos a respeito.
Cientistas categorizados pasmavam o mundo de admiração com o que revelavam sobre o vulto impresso naquele tecido: um homem morto, de majestosa beleza, tendo sofrido o suplício da crucifixão romana.
O conjunto das pesquisas confirmava sempre os dados da Fé contidos na Escritura, bem como a crença multissecular da Igreja de que aquele vulto é o de Nosso Senhor Jesus Cristo, milagrosamente impresso no Sudário que envolvera o corpo do Salvador após Sua morte na cruz, durante os três dias em que permaneceu no sepulcro.
As revelações da ciência levavam