Gregório Lopes
CAMBODGE voltou ao noticiário internacional. O país e o povo ficaram associados à ideia de tragédia.
De fato, de abril de 1975 a dezembro de 1978, realizou-se naquela nação o mais espantoso genocídio de que se tem notícia: a destruição, desmoralização e dispersão de uma população pelo comunismo anárquico do Khmer vermelho, de tipo chinês.
A esse espanto somou-se outro, não menos apocalíptico: a assombrosa indiferença do Ocidente em relação ao que lá ocorria.
Com a mente bloqueada por uma propaganda internacional intensa em favor dos chamados "direitos humanos" das esquerdas - que o fazia indignar-se com a prisão de qualquer terrorista - o homem ocidental não se lembrou de que os cambodgeanos também tinham direitos humanos, e assistiu inerte à chacina, como a um filme de terror que não lhe dizia respeito.
No Natal de 1978, um exército vietnamita, sob instigação russa, invadiu o Cambodge e impôs ali a ditadura de um comunismo "clássico" de estilo soviético, fazendo cessar a "experiência" Khmer.
A partir de então o silêncio baixou sobre o noticiário a respeito do Cambodge, como regido por uma misteriosa batuta.
Agora, tão inopinadamente quanto entraram, os vietnamitas resolveram sair. E o Khmer vermelho - enigmaticamente conservado durante onze anos junto à fronteira com a Tailândia, e controlando mesmo pequenas regiões montanhosas no Cambodge - ameaça voltar e assumir o controle do país.
Assistiremos a uma nova etapa de genocídio e destruição? É possível. Tudo dependerá dos altos interesses do comunismo internacional, que impulsiona a matança, ou a perestroika, conforme suas conveniências de momento.
Uma só coisa parece provável no panorama; tristemente provável: aconteça o que acontecer, o Ocidente não se moverá para salvar o Cambodge, a fim de não contrariar russos ou chineses. E continuará a clamar pelos direitos humanos... da esquerda.
O momento é oportuno para recordarmos o que ocorreu no Cambodge nos quase quatro anos em que Pol Pot, chefe supremo do Khmer vermelho, ali imperou. E para darmos um apanhado da situação como ela agora se apresenta, perguntando que perspectivas há de que a fórmula Khmer seja "experimentada" também em outros países. No Brasil?!
De tempos em tempos encontram-se na floresta milhares de esqueletos das vítimas do genocídio.
PIN YATHAY, um cambodgeano que viveu mais de dois anos sob o regime instalado pelos Khmers vermelhos no seu país, em sua obra "L 'Utopie Meurtrière" ("A Utopia Assassina", Éditions Robert Laffont, Paris, 1979), nos coloca diante da seguinte realidade: pela primeira vez na história da Humanidade, um país civilizado é lançado violentamente na vida tribal, rumo ao modelo tantas vezes desejado pelos teóricos igualitários do comunismo moderno (1).
17 de abril de 1975. Os guerrilheiros comunistas - chamados Khmers vermelhos - tomam conta da capital do Cambodge, Phnom Penh.
Na manhã do dia seguinte, os habitantes de todas as cidades do país recebem uma ordem dos vencedores que deixa o mundo inteiro estupefato e, infelizmente, paralisado: toda a população urbana é obrigada a abandonar as cidades imediatamente.
Algumas horas depois, na capital, uma imensa multidão começava a sair da cidade. O êxodo de dois milhões de pessoas, avançando à razão de várias horas por quilômetro, produziu um engarrafamento monstruoso. Mesmo os doentes foram arrancados de suas camas de hospital e postos a andar... ou morrer. No caos da evacuação, numerosas famílias ficaram separadas para sempre. Os atrasados eram implacavelmente mortos.
Mas o plano da Revolução para o Cambodge não fazia senão começar. Pouco depois da evacuação, os Khmers vermelhos decretaram que o dinheiro não tinha mais valor.
Pin Ya-thay testemunha um fato impressionante: um comerciante muito rico abandonou a cidade levando consigo um saco cheio de dinheiro, pensando poder resolver com ele qualquer problema que ocorresse durante a marcha. Dois dias mais tarde, jogou-se do alto de uma ponte, abandonando à beira do caminho seu bem-amado dinheiro...
Todos os "ídolos" do mundo moderno - em adoração dos quais muitos tinham traído a religião, a moral e a honra - foram derrubados como castelos de cartas por aqueles mesmos soldados contra os quais não se quis combater, e para os quais dias antes se olhava com otimismo.
Os serviços públicos de transporte, higiene, água, eletricidade foram supressos. O saque foi encorajado pelos novos senhores. Nesse apocalipse, os suicídios se multiplicaram.
Uma tão radical mudança na sociedade não era possível senão após a população ter sido submetida a um verdadeiro "tratamento de choque". Depois de serem sacudidos, golpeados, verem calcadas aos pés todas suas resistências por meio de uma arbitrariedade sem escrúpulos, os cambodgeanos estariam prontos para o mundo tribalista, sob a égide da organização comunista, o "Angkar".
Um ambiente sinistro reinava em todas as partes. O riso era mal visto pelos novos mestres. Vivia-se no terror. A população foi obrigada a usar somente roupas escuras, de preferência pretas. Aqueles que não as possuíam dessa cor, deviam tingi-las com um corante indicado pelos Khmers vermelhos.
A Revolução igualitária, que ao longo de cinco séculos de existência avançou sempre escondendo seu verdadeiro rosto (2), no Cambodge apresentou-se sem máscara. Seus desígnios evidentes eram destruir qualquer traço de civilização, para construir um "homem novo" num "novo Cambodge".
O trabalho intelectual, sobretudo, devia desaparecer. "A Revolução não precisa nem de sábios, nem de ciências, nem de estudos", diziam os comunistas. Esse princípio absurdo foi aplicado com uma intransigência radical.
Mas houve mais. A sociedade tribalista autogestionária seria construída sobre uma imensa montanha de cadáveres.
Alguns meses após a tomada do poder, os comunistas decretaram que todos aqueles que tinham sido funcionários do governo, militares ou professores de qualquer nível, deviam apresentar-se para que seus conhecimentos fossem utilizados na "reconstrução do país".
Com uma ingenuidade difícil de compreender, a maioria se apresentou como gado ao matadouro, acreditando na boa vontade dos Khmers vermelhos... Aos milhares, foram conduzidos ao mais fundo da floresta e massacrados.
Mais tarde, o mesmo "convite" foi feito a todos os profissionais, com os mesmos resultados. Hoje em dia, encontram-se de tempos em tempos, em clareiras da 'jungle" cambodgeana, milhares de esqueletos das vítimas desse espantoso genocídio.
As raras testemunhas oculares dessas execuções ficaram impressionadas pela frieza com a qual agiam os Khmers. Em geral, não utilizavam armas de fogo,