P.14-15 | KHMER VERMELHO |

Volta a ameaça do terror Khmer

Cambodge, parábola para o mundo?

Gregório Lopes

CAMBODGE voltou ao noticiário internacional. O país e o povo ficaram associados à ideia de tragédia.

De fato, de abril de 1975 a dezembro de 1978, realizou-se naquela nação o mais espantoso genocídio de que se tem notícia: a destruição, desmoralização e dispersão de uma população pelo comunismo anárquico do Khmer vermelho, de tipo chinês.

A esse espanto somou-se outro, não menos apocalíptico: a assombrosa indiferença do Ocidente em relação ao que lá ocorria.

Com a mente bloqueada por uma propaganda internacional intensa em favor dos chamados "direitos humanos" das esquerdas - que o fazia indignar-se com a prisão de qualquer terrorista - o homem ocidental não se lembrou de que os cambodgeanos também tinham direitos humanos, e assistiu inerte à chacina, como a um filme de terror que não lhe dizia respeito.

No Natal de 1978, um exército vietnamita, sob instigação russa, invadiu o Cambodge e impôs ali a ditadura de um comunismo "clássico" de estilo soviético, fazendo cessar a "experiência" Khmer.

A partir de então o silêncio baixou sobre o noticiário a respeito do Cambodge, como regido por uma misteriosa batuta.

Agora, tão inopinadamente quanto entraram, os vietnamitas resolveram sair. E o Khmer vermelho - enigmaticamente conservado durante onze anos junto à fronteira com a Tailândia, e controlando mesmo pequenas regiões montanhosas no Cambodge - ameaça voltar e assumir o controle do país.

Assistiremos a uma nova etapa de genocídio e destruição? É possível. Tudo dependerá dos altos interesses do comunismo internacional, que impulsiona a matança, ou a perestroika, conforme suas conveniências de momento.

Uma só coisa parece provável no panorama; tristemente provável: aconteça o que acontecer, o Ocidente não se moverá para salvar o Cambodge, a fim de não contrariar russos ou chineses. E continuará a clamar pelos direitos humanos... da esquerda.

O momento é oportuno para recordarmos o que ocorreu no Cambodge nos quase quatro anos em que Pol Pot, chefe supremo do Khmer vermelho, ali imperou. E para darmos um apanhado da situação como ela agora se apresenta, perguntando que perspectivas há de que a fórmula Khmer seja "experimentada" também em outros países. No Brasil?!

Cambodge: laboratório de um modelo novo de sociedade

De tempos em tempos encontram-se na floresta milhares de esqueletos das vítimas do genocídio.

PIN YATHAY, um cambodgeano que viveu mais de dois anos sob o regime instalado pelos Khmers vermelhos no seu país, em sua obra "L 'Utopie Meurtrière" ("A Utopia Assassina", Éditions Robert Laffont, Paris, 1979), nos coloca diante da seguinte realidade: pela primeira vez na história da Humanidade, um país civilizado é lançado violentamente na vida tribal, rumo ao modelo tantas vezes desejado pelos teóricos igualitários do comunismo moderno (1).

A surpresa aterradora

17 de abril de 1975. Os guerrilheiros comunistas - chamados Khmers vermelhos - tomam conta da capital do Cambodge, Phnom Penh.

Na manhã do dia seguinte, os habitantes de todas as cidades do país recebem uma ordem dos vencedores que deixa o mundo inteiro estupefato e, infelizmente, paralisado: toda a população urbana é obrigada a abandonar as cidades imediatamente.

Algumas horas depois, na capital, uma imensa multidão começava a sair da cidade. O êxodo de dois milhões de pessoas, avançando à razão de várias horas por quilômetro, produziu um engarrafamento monstruoso. Mesmo os doentes foram arrancados de suas camas de hospital e postos a andar... ou morrer. No caos da evacuação, numerosas famílias ficaram separadas para sempre. Os atrasados eram implacavelmente mortos.

Mas o plano da Revolução para o Cambodge não fazia senão começar. Pouco depois da evacuação, os Khmers vermelhos decretaram que o dinheiro não tinha mais valor.

Pin Ya-thay testemunha um fato impressionante: um comerciante muito rico abandonou a cidade levando consigo um saco cheio de dinheiro, pensando poder resolver com ele qualquer problema que ocorresse durante a marcha. Dois dias mais tarde, jogou-se do alto de uma ponte, abandonando à beira do caminho seu bem-amado dinheiro...

Todos os "ídolos" do mundo moderno - em adoração dos quais muitos tinham traído a religião, a moral e a honra - foram derrubados como castelos de cartas por aqueles mesmos soldados contra os quais não se quis combater, e para os quais dias antes se olhava com otimismo.

Os serviços públicos de transporte, higiene, água, eletricidade foram supressos. O saque foi encorajado pelos novos senhores. Nesse apocalipse, os suicídios se multiplicaram.

Sob vigilância do "Angkor"

Uma tão radical mudança na sociedade não era possível senão após a população ter sido submetida a um verdadeiro "tratamento de choque". Depois de serem sacudidos, golpeados, verem calcadas aos pés todas suas resistências por meio de uma arbitrariedade sem escrúpulos, os cambodgeanos estariam prontos para o mundo tribalista, sob a égide da organização comunista, o "Angkar".

Um ambiente sinistro reinava em todas as partes. O riso era mal visto pelos novos mestres. Vivia-se no terror. A população foi obrigada a usar somente roupas escuras, de preferência pretas. Aqueles que não as possuíam dessa cor, deviam tingi-las com um corante indicado pelos Khmers vermelhos.

A Revolução igualitária, que ao longo de cinco séculos de existência avançou sempre escondendo seu verdadeiro rosto (2), no Cambodge apresentou-se sem máscara. Seus desígnios evidentes eram destruir qualquer traço de civilização, para construir um "homem novo" num "novo Cambodge".

O trabalho intelectual, sobretudo, devia desaparecer. "A Revolução não precisa nem de sábios, nem de ciências, nem de estudos", diziam os comunistas. Esse princípio absurdo foi aplicado com uma intransigência radical.

O crime institucionalizado

Mas houve mais. A sociedade tribalista autogestionária seria construída sobre uma imensa montanha de cadáveres.

Alguns meses após a tomada do poder, os comunistas decretaram que todos aqueles que tinham sido funcionários do governo, militares ou professores de qualquer nível, deviam apresentar-se para que seus conhecimentos fossem utilizados na "reconstrução do país".

Com uma ingenuidade difícil de compreender, a maioria se apresentou como gado ao matadouro, acreditando na boa vontade dos Khmers vermelhos... Aos milhares, foram conduzidos ao mais fundo da floresta e massacrados.

Mais tarde, o mesmo "convite" foi feito a todos os profissionais, com os mesmos resultados. Hoje em dia, encontram-se de tempos em tempos, em clareiras da 'jungle" cambodgeana, milhares de esqueletos das vítimas desse espantoso genocídio.

As raras testemunhas oculares dessas execuções ficaram impressionadas pela frieza com a qual agiam os Khmers. Em geral, não utilizavam armas de fogo,

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