P.16-17 | KHMER VERMELHO |(continuação)

mas enxadas ou bastões. É difícil imaginar como rapazes ou moças de 15 ou 16 anos - era grande o número de Khmers vermelhos com essa idade - puderam chegar a esse grau de crueldade. A hipótese de uma possessão diabólica não parece impossível...

* * *

Está fora de cogitação que os Khmers vermelhos, tão bem apoiados, constituíssem um bando de loucos. Pergunta-se então qual o interesse da Revolução comunista mundial na "experiência" cambodgeana.

"Dir-se-ia que os movimentos mais velozes (da Revolução) são inúteis. Porém não é verdade. A explosão desses extremismos levanta um estandarte, cria um ponto de mira fixo que fascina pelo seu próprio radicalismo os moderados, e para o qual estes se vão lentamente encaminhando (...). O fracasso dos extremistas é, pois, apenas aparente. Eles colaboram indireta, mas possantemente, para a Revolução, atraindo paulatinamente para a realização de seus culposos e exacerbados devaneios a multidão incontável dos 'prudentes', dos 'moderados' e dos medíocres" (3).

Mario Beccar Varela

(1) Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, "Tribalismo Indígena, Ideal Comuno-Missionário para o Brasil do século XXI'', Vera Cruz, São Paulo, 1977; e, do mesmo autor, "Revolução e Contra-Revolução", parte III, Diário das Leis, São Paulo, 1982. (2) Cfr. Plinio Corrêa de Oliveira, "Revolução e Contra-Revolução'', (parte III etc). (3) Idem, p. 25.

Uma odisseia no Cambodge

HAIGN NGOR, um jovem médico de Phnom Penh, faz um impressionante relato das atrocidades que viu e sofreu no Cambodge, durante o domínio dos Khmers vermelhos, chefiados por Pol Pot. De seu livro "Uma Odisseia Cambodgeana" (Editora Fixot-Filipacchi), a revista "Paris-Match", de 30 de setembro do último ano, publicou um significativo extrato, do qual recolhemos o que segue.

"Uma sociedade de Igualdade e de justiça"

"Nem um momento de repouso, nem um dia de descanso, nem um minuto de alegria"

"Às quatro horas da manhã os Khmers vermelhos tocavam o primeiro sino". Era o despertar no campo de trabalhos forçados, no qual Ngor se fazia passar por um ex-motorista de táxi, pois todos os que tinham alguma instrução superior eram mortos.

Transcorrida meia hora do toque, era preciso juntar-se à própria equipe e começar a cavar canais de irrigação: "Nem um momento de repouso, nem um dia de descanso, nem um minuto de alegria. Trabalhos forçados perpétuos para poder ficar vivo".

Os alto-falantes martelavam: "Unamo-nos para construir um Cambodge esplêndido e democrático, uma nova sociedade de igualdade e de justiça".

Hora do almoço: longas filas para receber na cozinha comunitária "nossas miseráveis porções de arroz cozido".

A tarde era mais longa e mais quente. "O pior momento do dia chegava: o fim da tarde. Era o momento em que os soldados vinham para prender alguns. Não se sabia quantos destes iam ser executados e esta incerteza tornava a espera ainda mais insuportável ".

Trabalhava-se até tarde "sob a luz da lua". À meia-noite "o sino tocava em meio aos pios das corujas e ao concerto dos grilos. Estupidificados, nós éramos então conduzidos a nossas redes, junto às árvores. Quatro horas depois, o sino nos acordava de novo. Poder comer e dormir: nós não pensávamos senão nisso..."

Ngor, tendo encontrado uns frutos selvagens, dissimulou-os junto à sua rede. Os meninos-espiões os descobriram. Ngor é preso e advertido:

- "Querias, pois, guardar coisas pessoais. É proibido. Eu soube também que chamas à tua mulher de 'querida'. Não há 'queridas' aqui. É proibido."

As formigas, a tenaz, o tacão

Guerrilheiros do Khmer vermelho. Ainda crianças, mas já tomados pelo ódio.

Em consequência de seu 'crime", Ngor, puxado por uma corda amarrada tão fortemente a seu braço que impedia a circulação do sangue, é conduzido a um mangueiral. "Ao pé de cada mangueira estava atado um prisioneiro. Passei diante de uma mulher, deitada de bruços sobre um banco, com os pulsos e os pés esticados para os quatro cantos por meio de cordas que os amarravam. Ela voltou o rosto e nos olhou com os olhos esbugalhados. Formigas vermelhas cobriam seus braços, e seu dedos estavam ensanguentados."

Quanto a Ngor, fizeram-no sentar-se com o dorso apoiado num tronco e as mão amarradas atrás da árvore. Foram-se. "Alguma coisa subia pelo meu pescoço. Picada. Uma formiga vermelha! Eu estava sentado sobre um formigueiro".

Assim ficou Ngor abandonado às formigas. A tortura era tremenda.

À tarde, um soldado se aproxima com uma tenaz e se dirige à mulher deitada sobre o banco. Tenta fazê-la confessar que seu marido era oficial do exército. Ela nega.

"O homem subiu sobre o banco, colocou seu pé esmagando a mão amarrada da mulher, com a tenaz segurou algo, e o puxou com um golpe seco.

Um urro desesperado encheu a clareira. O homem se pôs ereto, um pedaço sanguinolento pendia da tenaz, preso entre as hastes cerradas.

"- Se tu não me dizes a verdade, amanhã eu te arrancarei outra unha.

"A mulher se contorcia de dor sobre o banco".

Deitaram Ngor no chão, e enquanto um guarda o mantinha com a cabeça fixada ao solo, o torturador colocou a mão direita do prisioneiro sobre uma raiz da mangueira, imobilizando-a com o pé.

"Em seguida pegou seu facão e de um só golpe seccionou-me o dedo mínimo. Uma dor atroz subiu pelo meu braço e veio explodir em meu cérebro".

Ainda não contentes, o guarda segurou a perna de Ngor, enquanto o outro visava desta vez o tornozelo, ferindo com o facão: "Não suficientemente forte para cortar a articulação, mas o necessário para deixar o osso à mostra (...). As formigas vermelhas, atraídas pelo sangue, devoravam-me as mãos".

No pé, era "insustentável a dor do nervo exposto (...). Foi uma longa noite. Eu ouvia os gemidos da mulher sobre o banco". Via por terra o pedaço decepado de seu dedo mínimo, coberto de formigas!

"Se tu morres, não se perde nada"

À tarde, um novo prisioneiro é trazido: "uma mulher grávida. Ao passarem por mim, eu a ouvia repetir que seu marido não era soldado. Ela foi amarrada a uma árvore". O khmer comunista, com uma longa faca, "rasgou suas vestes, abriu-lhe o ventre e tirou o bebê. Desviei os olhos, mas não havia meio de escapar aos gritos de sua agonia. Estes se transformaram em gemidos e depois veio o silêncio. Ela estava morta. O assassino passou tranquilamente diante de mim, levando o feto pelo cordão. Ele o suspendeu no teto da prisão, ao lado de outros já secos, negros e mumificados". Alguns pequenos lobos aproximaram-se, atraídos pelo odor do cadáver da mulher. "Começaram a decepá-lo, com muitos uivos e ruídos de mastigação".

Pela manhã, os khmers vermelhos arrancaram outra unha "à mulher sobre o banco".

Por fim, levam Ngor de volta: "Minha perna direita estava inchada desde os artelhos até o alto. Cada vez que eu punha o pé no chão, a dor lancinante subia até o quadril".

A certa altura do caminho, "deram-me um pontapé no flanco. Eu caí num buraco (...) Senti que colocavam o pé sobre meu pescoço e o esfregavam como se faz para apagar uma ponta de cigarro". Nessa posição, e com o cano do fuzil apontado para si, Ngor ouvia os khmers vermelhos dizerem o provérbio que costumavam aplicar aos prisioneiros: "Se tu vives, não se ganha nada. Se tu morres, não se perde nada".

Jackson Santos


Momento atual e perspectivas

Gregório Lopes

As TROPAS vietnamitas entraram no Cambodge nos últimos dias de 1978. Os Khmers vermelhos, chefiados por Pol Pot, refugiaram-se então junto ao litoral e à fronteira com a Tailândia, e mesmo dentro desta — onde ao que parece, nestes quase onze anos, não foram incomodados por ninguém... - iniciaram uma ação guerrilheira no Cambodge, de pequenas proporções, que se estende até hoje. Atividade que inclui a disseminação de minas nos arrozais, destinadas a mutilar os que nelas toquem, bem como incursões em vilarejos e regiões montanhosas, matando líderes locais. A meta da guerrilha parece ter sido a de habituar os cambodgeanos à sua presença, à espera do momento oportuno para retomar o poder.

Terá chegado esse momento?

Saída inesperada

Em setembro passado, as últimas tropas vietnamitas de ocupação, obedecendo a uma inesperada palavra de ordem (de Moscou?), deixaram o Cambodge.

Hun Sen, atual primeiro-ministro cambodgeano, títere manobrado pelo regime vietnamita (e portanto pelos russos), conta com uma força regular superior à soma dos Khmers vermelhos (30 mil homens) com outros dois grupos guerrilheiros que dependem do príncipe Norodon Sihanouk (total dos três, 55 mil homens).

Mas o fator número não é decisivo quando conspiratas e altos interesses entram também em jogo. Sihanouk, por exemplo - que governou o Cambodge de 1960 a 1970, e parece contar com as simpatias dos Estados Unidos - está advogando um governo de consenso... incluindo os Khmers vermelhos!

O fato é que, com a perspectiva de retorno dos Khmers vermelhos, "um indizível terror" se apoderou da população, "as imagens obsedantes voltam", "o medo se lê nos olhos", descreve o enviado especial da revista L'Express; a lembrança de que, em menos de quatro anos, 70% das mulheres sobreviventes estavam viúvas... A comissão de inquérito instalada para apurar a extensão do genocídio concluiu haver 3,4 milhões entre mortos e desaparecidos (a população atual é de 7,5 milhões).

Pin Yathay antes da tomada do poder pelos Khmers vermelhos, em 1975, e no dia em que conseguiu fugir do Cambodge.

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