Estátua da "deusa Razão" sendo cultuada pelos revolucionários. A nova seita, pela qual a Revolução pretendeu substituir o Catolicismo na França, foi solenemente instituída a 10 de novembro de 1793.
COM O ESPETÁCULO teatral "Le Clavecin Oculaire" (o Cravo Ocular), curiosamente inspirado na vida artística do Antigo Regime, o governo socialista de François Miterrand encerra, no dia 31 de dezembro, as comemorações oficiais do bicentenário da Revolução Francesa.
As toneladas de fogos de artifício, o grande número de festas e desfiles não conseguiram, entretanto, apagar da memória dos franceses a lembrança lúgubre dos fatos históricos.
Para alguns historiadores, o bicentenário representou uma "comemoração confiscatória da verdade". Para outros, "uma overdose de mentiras". E o deputado da Vendéia - região oeste da França, vítima do genocídio decretado pela Convenção revolucionária - Philippe de Villiers, notabilizou-se pelo dramático manifesto dirigido às autoridades responsáveis pelo evento: "Não acrescentem ao massacre de inocentes o massacre de sua memória! Não peçam aos franceses que escarrem sobre suas tumbas!" (1).
No intuito de esvaziar o conteúdo ideológico das comemorações, os organizadores do bicentenário tiveram o cuidado de sepultar no olvido vários aspectos importantes da Revolução.
O mais gritante deles foi o caráter agressivamente anticatólico do movimento de 1789, escamoteado de modo intencional pelos próceres socialistas que dirigiam as festividades.
Ora, querer separar a Revolução da questão religiosa equivale a não compreender nem a sua história, nem a natureza do dinamismo que a impeliu aos piores excessos.
No intuito de ridicularizar a Santa Igreja, a máquina de propaganda da Revolução Francesa produziu caricaturas como esta, onde Papa e Bispos são representados de forma burlesca.
Com efeito, a monarquia francesa era essencialmente católica. Desde o batismo de Clóvis, no ano 496, ela selara com a Igreja uma aliança que duraria treze séculos.
Durante a cerimônia de sagração na catedral de Reims, o rei era ungido com o óleo sagrado, que lhe comunicava a virtude de um príncipe cristão. "Roi três Chrétien "(Rei Cristianíssimo) era o título dos soberanos franceses.
Nas missas dominicais de todas as paróquias do reino, o oficiante cantava o Domine salvum fac regem, e os chefes de família costumavam rezar, após o Angelus, a seguinte oração: "Senhor, guardai o rei e abençoai sua família. Conservai a descendência de São Luís e fazei com que seus filhos tenham a Fé católica" (2).
Compreende-se assim o significado profundo das palavras do libertino conde de Mirabeau, uma das figuras proeminentes da Revolução em sua fase inicial: "É preciso antes descatolicizar a França, para depois torná-la revolucionária". (3)
Às vésperas de 1789, a Igreja era a instituição mais rica da França, e o Clero, a primeira Ordem (ou classe) do Estado. A seu encargo estavam a educação, a assistência social e hospitalar.
Portanto, os bens da Igreja não serviam apenas para sustentar seus membros e custear as despesas do culto, mas também eram utilizados em benefício da população carente.
Além disso, ela participava do orçamento do Estado através de uma contribuição voluntária, chamada dom gratuito. Por exemplo, em 1788, parte da frota francesa foi renovada graças à generosidade do Clero (4)
Esta ordenação da sociedade era intolerável para os revolucionários, que em sua grande maioria se diziam ateus, livres-pensadores e anticlericais ferrenhos.
Aproveitando-se da reunião dos Estados Gerais (espécie de Assembleia de representantes, oriundos de todas as províncias e com poderes limitados) a 5 de maio de 1789, e da moleza de Luis XVI, os partidários da Revolução iniciaram o processo de demolição do Antigo Regime. De Assembleia meramente consultiva, eles a transformaram em "Constituinte", sem que para isso gozassem de qualquer mandato, mesmo popular. Tais revolucionários, na realidade, não passavam de pequena minoria da população, embora estivessem bem articulados para a consecução de seus objetivos ímpios e desagregadores da ordem estabelecida.
O alvo preferido dos revolucionários foi a Igreja. Apenas dois meses após a reunião dos Estados Gerais, o Clero deixou de existir enquanto primeira Ordem social. No final de agosto daquele mesmo ano, foi aprovada a separação da Igreja e do Estado, o qual a partir de então passaria a ser laico. Com isso, a religião desapareceu da lei civil.
Medidas anticatólicas seguiram-se umas às outras. Pelo decreto de 2 de novembro de 1789, os bens do Clero foram postos "à disposição da Nação".
De imediato, ele nada alterou. Entretanto, um ano mais tarde, começaram as vendas de igrejas, palácios episcopais, instituições de caridade e bibliotecas.
A França monástica foi vendida! Durante séculos, a piedade cristã acumulou tesouros no interior das catedrais, construiu monumentos veneráveis, como Cluny, Fontevraud e Jumières. Livros e manuscritos raros, ornamentos preciosos, esculturas e altares finamente entalhados, faziam parte desse imenso acervo legado à Igreja por gerações consecutivas.
Em poucos anos, esse inestimável patrimônio desapareceu. Construções seculares foram literalmente despedaçadas: madeira, mármore, grades, assoalhos e até as fechaduras das portas foram vendidos em leilão e frequentemente adquiridos por aventureiros inescrupuloso.
Religiosos tentam escapar à mira implacável dos fuzis revolucionários. O quadro satírico revela o caráter agressivamente anticatólico do movimento de 1789.
A supressão da Ordem eclesiástica, o confisco de seus bens e a extinção das Congregações religiosas prepararam o terreno para a criação de uma "Igreja-revolucionária".
A Constituição Civil do Clero, tornada lei a 24 de agosto de 1790, foi a "carta-magna" dessa nova religião que já não era católica, uma vez que não mantinha laços com Roma, e dependia inteiramente de um Estado que não era mais cristão (um pouco à maneira da atual igreja ortodoxa russa, dependente dos ateus do Cremlin).
Operou-se assim uma profunda modificação no panorama religioso da França: 53 dioceses, 4 províncias eclesiásticas e 4 mil paróquias foram extintas. (5)
A partir daquela data, os bispos e vigários seriam indicados por uma "assembleia de cidadãos ativos", incluindo os não-católicos. Uma vez eleitos, "os novos pastores não podem se dirigir ao Papa para obter qualquer forma de confirmação no cargo" (6).
Sob pressão das "Sociedades populares", homens de vida escandalosa,