P.22-23 | BICENTENÁRIO DA REVOLUÇÃO FRANCESA |(continuação)

como Thomas Lindet e Dumouchel, foram eleitos "bispos-constitucionais". O presidente do Clube dos jacobinos (a ala mais radical da Revolução), M. Pourchot, foi nomeado para a diocese de Grenoble.

Um juramento de fidelidade à Constituição - condenada como cismática pelo Papa Pio VI - foi exigido dos eclesiásticos. Os que se recusaram a prestá-lo passaram a ser chamados de "refratários" e perseguidos como "suspeitos", isto é, candidatos à guilhotina.

Não obstante os esforços da Revolução para substituir o Catolicismo por uma "religião nacional", os fiéis recusaram-se a frequentar as igrejas dos "pastores constitucionais". Em alguns lugares, os bispos cismáticos eram recebidos pelos diocesanos com hostilidade. A tropa tinha de intervir para lhes garantir a posse. Por isso, eles ficaram conhecidos pela alcunha "évêques des baïonnettes" (bispos das baionetas).

Pela primeira vez em seu curso, a Revolução encontrou uma poderosa resistência na massa da população. O Catolicismo tornou-se então sinônimo de Contra-Revolução, e o novo regime passou a considerar os padres refratários como seu primeiro inimigo.

Campanha de descatolicização

Depois da queda da Monarquia, a 10 de agosto de 1792, a Revolução deixou cair a máscara e se proclamou abertamente anticristã.

Introduziu o divórcio, proibiu o uso da batina, transformou seminários e igrejas em casernas, estrebarias e até clubes noturnos. Massacrou centenas de bispos e padres nas prisões de Paris (ver edição de maio de "Catolicismo"), e deportou um terço do Clero francês.

O Cristianismo foi banido da vida quotidiana: imagens, cruzes, objetos de devoção, tudo aquilo que lembrava o "fanatismo" foi proibido sob pena de morte.

Em Saumur, a piedosa imagem de Nossa Senhora de Ardilliers chegou a ser oficialmente guilhotinada na praça de Bilange. (7)

Contudo, não bastava suprimir. Era necessário violar e profanar. Tal foi o sentido das mascaradas religiosas, onde bandos de "sans-culottes" roubavam das igrejas objetos sacros e, vestidos com paramentos eclesiásticos, saiam às ruas dançando de forma grotesca.

Em Quimper, o representante do Comitê revolucionário, M. Dagorn, invadiu a Catedral durante a celebração de uma missa, abriu a golpes de sabre a porta do tabernáculo e, num sacrilégio nefando, atendeu suas necessidades fisiológicas dentro do próprio cibório (8).

No afã de descatolicizar a França, a Revolução criou um novo calendário em que se suprimiam o domingo e as festas litúrgicas. Cada dia, em lugar de um santo, celebrava-se um fruto ou um mineral. O quinto dia da semana era dedicado a um animal. Assim, a festa dos Reis Magos passou a ser "festa dos três sans-culottes", e o dia de Natal, 25 de dezembro, passou a ser chamado o dia do... cão! (9)

Religiões revolucionárias

Gravura blasfema, pintada por revolucionários, representa a celebração de uma missa. O culto católico foi objeto de constantes calúnias e profanações.

Proscrito o Catolicismo, os sequazes de 1789 tentaram "sacralizar" a república, criando uma seita com dogmas, cerimônias e orações próprias.

Imprimiu-se um "catecismo republicano", cuja epígrafe inicial reza: "O inferno vomita os reis, e a Razão os destrói". Em outro trecho, lê-se: "Que é o batismo? - É a regeneração dos franceses começada a 14 de julho de 1789... "(10).

O "culto da Razão" foi solenemente instituído a 10 de novembro de 1793. Nessa ocasião, no interior da venerável Catedral de Notre-Dame de Paris, megeras de teatro seminuas fizeram o papel de "deusas", enquanto se cantavam estrofes da "ladainha à Guilhotina":

"Santa Guilhotina, terror dos aristocratas, protegei-nos.

Máquina amável, tende piedade de nós.

Máquina admirável, livrai-nos dos nossos inimigos" (11)

Por inspiração de Maximilien Robespierre, frio e sanguinário líder revolucionário que se fazia chamar "o incorruptível", a Convenção Nacional instituiu a festa do "Ser Supremo" (8 de julho de 1794), no intuito de "desferir um golpe mortal no fanatismo "(12).

Após a queda do "incorruptível", houve ainda uma última tentativa de criar outra seita revolucionária, com fortes conotações de panteísmo, chamada "Teofilantropia", a "religião" oficial do Diretório (governo revolucionário que sucedeu a fase do Terror).

Por fim, vendo que "o sangue dos mártires é semente de novos cristãos", os revolucionários deram marcha à ré no processo de descristianização da França. Antes do general Bonaparte tornar-se Napoleão I, mas já governando a França com o título de Primeiro Cônsul, foi ratificada com a Santa Sé uma Concordata que permitiu a "liberdade religiosa vigiada". Porém, as Ordens religiosas continuaram fechadas e o Clero teve de renunciar definitivamente aos bens confiscados.

Chaga indelével

Tão radical e cruel foi a perseguição sofrida pelos católicos franceses no período 1789-1799, que a podemos comparar com a época de Nero e Diocleciano, ou seja, com as crueldades infligidas aos primeiros mártires da Santa Igreja.

Por isso, duzentos anos após a queda da Bastilha, ainda continua indelével em muitos corações católicos a chaga aberta pela Revolução Francesa. Pretender olvidar aqueles anos de pesadelo é afrontar a memória de milhões de vítimas, expor-se à acusação da História e, no caso do bicentenário, ao fracasso!

Bráulio de Aragão

NOTAS (1) Philippe de Villiers. Lettre ouverte aux coupeurs de têtes et aux menteurs du bicentenaire, Albin Michel, Paris, 1989, p14. (2) cfr. L'Office divin à I'usage de Rome, Paris, 1769, p. 33. (3) cfr. M. Delassus, L 'Esprit Familial, Desclée De Brouwer, Lifle, 1910, p. 41. (4) cfr. P. de Vaissiêre, Curés de campagne de I'ancien-ne France, Hachette, Paris, 1932, p. 204. (5) Jean de Viguerie, Christianisme et Révolution, NEL, Paris, 1988, p. 79. (6) cfr. Constituição Civil do Clero, Titulo 11, artigo 19, in Jean de Viguerie, op. cit., p. 77. (7) Jean de Viguerie, op. cit., p165. (8) cfr. M. Sciout, Histoire de Ia Constitution Civile du Clergé, Hachette, Paris, 1945, p445. (9) Jean de Viguerie, op. cit., p167. (10) A. Aulard, Le culte de Ia Raison et le culte de l'Être Supreme, Alcan, Paris, 1892, p. 107. (11) A. Aulard, op. cit., p. 120. (12) Albert Malhiez, Robespierre et le culte de l'Être Suprème, Hachette, Paris, 1957, p. 93.
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20ª Bienal
Tédio e indiferença face ao hediondo

EM DIVERSAS ocasiões, "Catolicismo" tem apresentado a seus leitores análises da assim chamada arte moderna, cuja expressão máxima, no Brasil, é a exposição Bienal Internacional de São Paulo, agora em sua 20 edição.

Quem, como nós, percorreu os labirintos de tal exposição, dificilmente poderá deixar de concluir que o tédio face ao horrendo é a nota psicológica dominante dos que desprevenidamente perambulam por aqueles corredores.

Com efeito, diante de uma exposição gigantesca, com cerca de seis quilômetros de extensão, mais de três mil obras, 156 artistas de 42 países, poucos conseguirão deter-se para analisar aquilo que lhes entra olhos adentro. Uma impressão difusa de frustração, com uma nota de impotência, acompanha o tédio.

O público, em sua grande maioria constituído por escolares levados por seus professores, vê, sem nenhum entusiasmo, algo que é feito para não ser entendido pelo comum dos mortais. Qualquer tentativa de apreciação, classificação, distinção, fica inibida, desorientada: isto é arte? É belo? Conduz-nos a algo mais elevado? Ao sublime? Ou repugna ao senso estético?

A tal ponto é patente essa inibição, que já de entrada há quem procure justificá-la, desestimulando a análise: "Quem achar que pode ser útil, civilizado ou culto tentar decifrar essa babel ( ... ) vai sair do pavilhão de três andares cansado, irritado e, pior, se sentindo burro" ("Veja em São Paulo", 18-10-89).

É essa a sensação dominante: se algumas obras têm aceitação em certos cenáculos restritos, são aplaudidas, premiadas até, e eu, pobre mortal, não consigo compreender por que uma tal banalidade ou hediondez merece prêmio, elogios dos especialistas e outras não, é porque não entendo nada! Para evitar o ridículo, o melhor é ficar quieto e trotar de acordo com a moda - conclui, de si para si, o pobre basbaque...

Um exemplo

Arte que torna o mundo menos belo e mais feio: "Verdadeiros precitos saídos do inferno" – Desrazão estética e o macabro

Não é nossa intenção apresentar uma análise cabal de algo que por si se desclassifica, e cuja sustentação é, exclusivamente, fruto da mídia.

Ao registrarmos o evento, procuramos, isso sim, mostrar aquilo que poderia indicar um rumo dentro do caos contemporâneo: a "arte" moderna como fator de preparação das almas para a aceitação entediada de uma civilização do hediondo.

A nosso ver, a obra mais reveladora de certa tendência, que não hesitamos classificar de satânica, é a do norueguês Kjell Erik Killi Olsen, denominada "Sala-mandernalten". Em um cubo de aproximadamente 4x8x4 metros, com pequena entrada, o estande, mergulhado na escuridão e realçado por tênue luz neon, apresenta bonecos monstruosos de pouco mais de dois metros, como que pairando no ar, ao longo das paredes laterais. No centro, um como que monstro-mor preside a sinistra reunião. Um mau odor, fruto quiçá do material empregado, acentua a hediondez da montagem. É, na realidade, um templo ao poder das trevas.

Segundo palavras do próprio Olsen, sua intenção - na qual transparece algo de impositivo - é "quero que as pessoas saiam daqui diferentes" (id., ib.).

Diferentes para o bem? Nada indica. O efeito próprio de uma tal "obra de arte" é habituar as pessoas a relativizarem o horrendo, achando-o normal; original, até.

Pouco a pouco essa "arte" monstruosa tenderá a passar dos cenáculos "artísticos", para as construções, os ambientes, tornando o mundo ainda menos belo, mais feio.

A aflição estampada nesses bonecos, verdadeiros precitos saídos do inferno, nos impele a encerrar estas linhas com uma prece Àquela que é a Sede da Sabedoria, a Virgem Santíssima, poderoso antídoto contra toda essa desrazão estética. Que Ela proteja os incautos, e, sobretudo as pobres crianças levadas por seus professores, dos efeitos deletérios dessa pretensa arte, exposta com tanta abundância no labirinto de seis quilômetros do parque do Ibirapuera.

R. Mansur Guérios


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