P.12-13 | ENTREVISTA... |(continuação)

transmitiram ao vivo. Depois das exposições do Cardeal Ratzinger e de Mons. Bertone, o diretor da Sala de Imprensa franqueou a palavra aos jornalistas presentes, para que formulassem perguntas. Dentre estas, três versaram justamente sobre as razões que levaram os Papas a adiar a divulgação do 3° Segredo para exatos 40 anos depois da data esperada. A pergunta mais bem articulada foi a do escritor e vaticanista Gian Franco Svidercoschi [foto abaixo], que foi vice-diretor do “Osservatore Romano”. Sua pergunta (extraída do vídeo da sessão disponibilizado pela Sala de Imprensa) foi a seguinte:

“Eminência: Permito-me falar sobre o porquê do atraso, deste prolongamento da prudência da Igreja de 1960 até hoje. O senhor de algum modo já respondeu, falando justamente da evolução da História. [...] Há também a descrição de Mons. Bertone das decisões diversas tomadas pelos papas, mudadas as situações histórico-políticas. Mas eu lhe pergunto: a Igreja não acabou pagando um preço alto demais por este longo silêncio, este longo segredo sobre o Segredo? No fim das contas, a terceira parte do Segredo não contém já a segunda parte, ao acenar ao bispo vestido de branco? A terceira parte não é afinal senão, digamos, o corolário do que já está dito nas partes precedentes? Este martírio [descrito no terceiro Segredo] já existia em 1960. Não há um modo diferente, por parte da Igreja, não apenas em relação a Fátima, para tomar posição face às revelações privadas — que não afetam o depósito da Fé — e, portanto, poder-se-ia ter evitado provocar toda essa série de instrumentalizações e de escândalos que houve precisamente por causa desse silêncio que durou tanto? Obrigado”.

A isto, o Cardeal Ratzinger respondeu sem hesitação:

“Certamente a decisão dos três Papas de não publicar o Segredo — porque também o Papa atual [João Paulo II], em 1981, não queria publicá-lo — era uma decisão não dogmática, mas prudencial. E se pode sempre discutir sobre a prudência de uma decisão, se politicamente uma outra prudência não teria sido preferível. Portanto, não se deve dogmatizar esta atitude dos Papas. Todavia, considerando retrospectivamente, direi: certamente pagamos um preço pelas especulações que tivemos nestes últimos decênios. Mas, de outra parte, penso que era apropriado esperar um momento para termos uma visão retrospectiva. Em 1960, estávamos no limiar do Concílio, essa grande esperança de poder alcançar uma nova relação positiva entre mundo e Igreja, e também de abrir um pouco as portas fechadas do comunismo. O mesmo ainda no tempo do Papa Paulo VI: ainda estávamos, por assim dizer, na digestão do Concílio, com tantos problemas, que este texto [o terceiro Segredo] não teria tido a sua colocação correta. Idem logo depois do atentado [a João Paulo II]: nesse momento sair imediatamente com este texto não teria produzido, parece-me, a compreensão suficiente. Penso, sem dogmatizar esta decisão, mas pessoalmente com uma sincera convicção, penso que era bem, tudo somado, esperar um pouco o final do século, para ter uma visão mais global, e poder compreender melhor o verdadeiro imperativo e as verdadeiras indicações desta visão”.

Catolicismo — Portanto, o Cardeal Ratzinger reconhece que a revelação do Segredo em 1960 perturbaria políticas muito importantes que a Santa Sé tinha em vista... Quais são essas metas que seriam prejudicadas pela revelação do 3° Segredo nessa altura do século XX?

Antonio Borelli Machado — Três metas políticas e religiosas de primeira importância marcaram a vida da Igreja na segunda metade do século XX, mencionadas sucessivamente pelo Cardeal Ratzinger em sua resposta:

1) O ralliement* da Igreja com o mundo moderno: “essa grande esperança de poder alcançar uma nova relação positiva entre mundo e Igreja”;

* Acordo, adesão.

2) A Ostpolitik vaticana, isto é, o ralliement da Igreja com o comunismo: a esperança “de abrir um pouco as portas fechadas do comunismo”;

3) A implantação das diretrizes do Concílio que visavam promover esse duplo ralliement, e que foram a causa de “tantos problemas” de “digestão” das inovações conciliares pelo mundo católico.

Catolicismo — Em que o 3° Segredo de Fátima colide com essas metas?

Antonio Borelli Machado — O 3° Segredo consiste numa visão em que aparece “um Anjo com uma espada de fogo”, a qual, “ao cintilar, despedia chamas que, parecia, iam incendiar o mundo”. Ora, um mundo que Deus quer punir dessa forma é um mundo que está provocando a rejeição divina... Não era um mundo que autorizasse “essa grande esperança de poder alcançar uma nova relação positiva entre mundo e Igreja”. Portanto, divulgar em 1960 o 3° Segredo teria sido andar na contramão do ralliement da Igreja com o mundo moderno.

Uso aqui a palavra ralliement em referência à famosa política de Leão XIII em relação aos Estados laicos instalados pelo mundo na esteira da Revolução Francesa. Em particular a república laica vigente na França. Como se sabe, aquele pontífice chegou a lamentar, na velhice, o fracasso de suas esperanças*.

* Sobre o ralliement de Leão XIII, veja-se o livro de PLINIO CORRÊA DE OLIVEIRA, Nobreza e elites tradicionais análogas nas alocuções de Pio XII ao Patriciado e à Nobreza romana, Apêndice III, 3. Leão XIII intervém, pp. 235-239. Livraria Civilização-Editora, Porto, 1993. Ver também ROBERTO DE MATTEI, Il ralliement di Leone XIII — Il fallimento di un progetto pastorale, Le Lettere, Firenze, 2014, 366 pp.

No Concílio Vaticano II, influentes Padres conciliares estavam animados por análogo otimismo de promover um ralliement da Igreja com o mundo moderno — em perfeita consonância com o de Leão XIII. Se tivessem consagrado a devida atenção às duas partes do Segredo de Fátima já então reveladas, teriam talvez moderado seu otimismo: basta atentar para a frase “várias nações serão aniquiladas”, contida na segunda parte do Segredo. A revelação da terceira parte em 1960, se difundida amplamente, com os oportunos comentários — pense-se na “grande cidade meio em ruínas”... — poderia abrir-lhes os olhos; ou, pelo menos, fazê-los compreender que a opinião católica não compreenderia tal ralliement, o que possivelmente os inibisse de dar esse passo.

Como os homens da Igreja estavam resolvidos a alcançar, a qualquer custo, essa aproximação com o mundo, tinham que optar pela não revelação do 3° Segredo

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