o orbe. A linha pastoral preconizada pela Gaudium et spes não constituíu uma novidade concebida pelos Padres Conciliares do Concílio Vaticano II, mas foi a concretização efetiva de uma “pastoral” já propugnada por Lamennais em 1830!
Desse modo, em vez de prevenir os católicos para o Castigo anunciado por Nossa Senhora em Fátima, o Concílio Vaticano II propôs estabelecer boas relações entre a Igreja e o mundo, auspiciando o advento de uma era de alegria e esperança para a humanidade de nossos dias.
Tal o efeito subliminar produzido simplesmente pelo título dado ao documento conciliar — Gaudium et spes — que exprimia, independentemente de seu complexo conteúdo, as novas e benévolas disposições que o Concílio assumia perante o mundo de nossos dias.
A Mensagem de Fátima, porém, ia num sentido diametralmente oposto!
Catolicismo — Essa noção da vinda de um grande Castigo também não está muito presente nos comentários ao 3° Segredo feitos por estudiosos e pregadores...
Antonio Borelli Machado — Entretanto, ela está presente no principal dos comentadores, que foi certamente o Cardeal Ratzinger...
Com efeito, na interpretação do 3° Segredo por ele feita, e que integra o fascículo A mensagem de Fátima, está dito: “A palavra-chave desta parte do ‘segredo’ é o tríplice grito: ‘Penitência, Penitência, Penitência!’ Volta-nos ao pensamento o início do Evangelho: ‘Paenitemini et credite evangelio’ (Mc 1,15). Perceber os sinais do tempo significa compreender a urgência da penitência, da conversão, da fé. Tal é a resposta justa a uma época histórica caracterizada por grandes perigos, que serão delineados nas sucessivas imagens. [...] O anjo com a espada de fogo à esquerda da Mãe de Deus lembra imagens análogas do Apocalipse: ele representa a ameaça do juízo que pende sobre o mundo. A possibilidade que este acabe reduzido a cinzas num mar de chamas, hoje já não aparece de forma alguma como pura fantasia: o próprio homem preparou, com suas invenções, a espada de fogo” (A Mensagem de Fátima, p. 39).
A conclusão é clara: o mundo de nossos dias — o mundo moderno — está posto diante da seguinte alternativa:
a) ou ele se converte, e tal conversão implica abandonar os falsos princípios sobre os quais está constituído, e assim deixar de ser laico, ateu..., “moderno”;
b) ou não se converte, e será reduzido a ruínas pelo fogo.
Na segunda hipótese, sobre suas ruínas se levantará uma civilização nova, que São Luís Maria Grignion de Montfort nomeava como o Reino de Maria (Tratado da verdadeira devoção, n° 217) — em perfeita consonância com a Mensagem de Fátima: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará” (2° Segredo).
Catolicismo — Poder-se-ia dizer que este é o ponto central da Mensagem de Fátima?
Antonio Borelli Machado — Exatamente. A iminência de um grande Castigo.
Muitos pregadores imaginam que, anunciando-o, assustariam seus ouvintes, e assim não o fazem. Ora, a missão dos profetas tem sido frequentemente de convocar o povo à penitência, anunciando castigos.
Se forem ouvidos, o castigo se desviará. Se não forem ouvidos, o castigo se desencadeará.
É uma questão de fidelidade a Nossa Senhora anunciar a Mensagem de Fátima na sua inteireza.
Na verdade, há um ponderável número de almas que, por si mesmas, formaram a noção do desconcerto do mundo moderno, e de que, sem uma intervenção extraordinária da Providência, esse mundo não tem conserto. Tais almas cultivam, no segredo dos seus corações, a esperança dessa intervenção e se sentiriam confirmadas ao ouvir o mesmo diagnóstico dos lábios dos pastores da Igreja.
Não é, pois, de temer que almas assim se assustassem com a profecia do Castigo; pelo contrário, exultarão com o prenúncio da vitória do bem sobre o mal. Como o profeta Simeão ficou consolado ao ver o Messias nos braços da Santíssima Virgem: “Agora, Senhor, podeis deixar partir o vosso servo em paz, porque os meus olhos viram a vossa salvação” (Lc 2, 29-30).
O fato é que, sem a menção do Castigo, a Mensagem de Fátima fica esvaziada do seu caráter específico para os dias de hoje. Não se compreende que o ponto nuclear dessa Mensagem seja omitido.
Os pregadores não devem, pois, temer que seus ouvintes se assustem. Para uns será a confirmação do que pensavam, e uma consolação! Para os que ficarem sobressaltados, servirá de advertência, quiçá de ocasião, para abrirem suas almas à graça de Fátima.
Também não basta dizer — como muitos fazem — que a Mensagem de Fátima, pelo fato de pregar a oração e a penitência, está em perfeita conformidade com o Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo. É verdade, e é bom que o digam. Mas é preciso ademais ressaltar a enormidade do Castigo que pende sobre o mundo. Só assim um grande número de almas será movido a uma penitência séria. E só assim poderão constituir as pedras vivas do Reino de Maria que virá!
Catolicismo — Com referência ao comunismo, o uso da palavra ralliement pode parecer excessivo. Não se poderia dizer que a Ostpolitik vaticana visava apenas minorar as perseguições desencadeadas pelos governos comunistas? O Cardeal Ratzinger fala expressamente em “abrir um pouco as portas fechadas do comunismo”.
Antonio Borelli Machado — Trata-se de um processo. No início, a Ostpolitik parece apenas uma distensão, uma cessação de hostilidades. Em seguida, a distensão se transforma num convívio normal. Por fim, desfecha na cooperação para uma finalidade comum. Mas essa finalidade não é escolhida de comum acordo: é a que interessa ao parceiro comunista. Com isso, produz-se, na parte católica, um abandono paulatino de princípios inalienáveis, que entram em olvido, sendo substituídos na prática pelos princípios e metas do inimigo. É o resultado do processo de baldeação ideológica inadvertida, como o denomina Plinio Corrêa de Oliveira*.
O secretário-geral do partido comunista espanhol, Santiago Carrillo (1915-2012), questionado por alguns “camaradas” se a colaboração com os católicos não mudaria o conteúdo ideológico do partido, respondeu com uma pergunta: “Desde que começamos esta política, quantos camaradas vocês conhecem que se tornaram crentes? Por outro lado, quantos católicos se tornaram comunistas?” *. Pergunta que dispensou resposta...
Essa distensão fora inaugurada por Maurice Thorez (1900-1964), em célebre pronunciamento na Rádio Paris, em 17 de abril de 1936, no qual propôs aos católicos, em nome do Partido Comunista Francês, a politique de la main tendue *.
A proposta encontrou, da parte do Papa Pio XI, viva repulsa, expressa na encíclica Divini Redemptoris, sobre o comunismo ateu, em 19 de março de 1937. Esse documento sucedia a outro — a encíclica Mit brennender Sorge, de 15 de março de 1937 — que condenava as perseguições sofridas pela Igreja da parte do Reich alemão, sob o regime nazista. A quase simultaneidade dos dois documentos — apenas quatro dias de diferença — faz pensar que a intenção foi evitar que se alegasse que, condenando um sistema, não se condenava o outro. Na verdade, nazismo e comunismo eram duas faces da mesma moeda socialista, contra as quais o Pontífice alertava simultaneamente as fileiras católicas.
Não obstante, a proposta de Thorez fez seu caminho nas hostes católicas. Foi disso manifestação inequívoca o surgimento, bem mais tarde, de uma corrente teológica de índole marxista, contra a qual advertiu a Instrução sobre alguns aspectos da Teologia da Libertação, da Congregação para a Doutrina da Fé, de 6 de agosto de 1984, assinada pelo Cardeal Ratzinger.
No âmbito diplomático, cumpre assinalar outra manifestação importante de ralliement: a chamada Ostpolitik vaticana.