Restava por fim a questão da divulgação do Segredo. Diz o ditado que “Roma não tem pressa”. Porém, como evidenciou Svidercoschi em sua pergunta ao Cardeal Ratzinger, citada no início, especulações sensacionalistas sobre o seu conteúdo deixavam inquieto o povo fiel e constrangida a suprema direção da Igreja.
Foi assim que, em dezembro de 1999 — dezoito anos depois do atentado — João Paulo II resolveu autorizar a sua publicação, encarregando o Bispo de Leiria-Fátima de anunciar que o Segredo seria por fim revelado quando o Papa fosse a Fátima em 13 de maio de 2000.
Nesta data, um pequeno adiamento. O Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, Cardeal Joseph Ratzinger, ponderara ao Pontífice a necessidade de esclarecer o povo fiel sobre o alcance das revelações privadas, mesmo as de Fátima, por mais atestadas que sejam. Com efeito, elas não impõem a aceitação dos fiéis como a um dogma da fé.
Aliás, o fato de o Segredo não ter sido divulgado em 1960 fora o resultado de uma decisão prudencial e não dogmática, como observa o mesmo Cardeal Ratzinger: “Certamente a decisão dos três Papas de não publicar o Segredo [...] era uma decisão não dogmática, mas prudencial. E se pode sempre discutir sobre a prudência de uma decisão, se politicamente uma outra prudência não teria sido preferível. Portanto, não se deve dogmatizar esta atitude dos Papas”.
E não sendo um ato dogmático, não é garantido pelo carisma da infalibilidade: “Pode-se sempre discutir sobre a prudência de uma decisão”.
Por fim, o 3° Segredo foi revelado no ano 2000. E deu-se o que previu o Cardeal Ratzinger, logo no início de seu Comentário teológico: “Quem lê com atenção o texto do chamado terceiro “segredo” de Fátima, que depois de longo tempo, por disposição do Santo Padre, é aqui publicado integralmente, ficará presumivelmente desiludido ou surpreso* depois de todas as especulações que foram feitas. Não é revelado nenhum grande mistério; o véu do futuro não é rasgado. Vemos a Igreja dos mártires deste século que está para findar, representada através duma cena descrita numa linguagem simbólica de difícil decifração. É isto o que a Mãe do Senhor queria comunicar à cristandade, à humanidade num tempo de grandes problemas e angústias? (A Mensagem de Fátima, Congregação para a Doutrina da Fé, Libreria Editrice Vaticana, Città del Vaticano, 2000, p.31).
Salva toda a reverência que merece o autor desse comentário, ademais elevado ao sólio pontifício no conclave de 2005, o 3° Segredo revela dois pontos importantes do “véu do futuro”, hoje muito presentes na atenção mundial: o anúncio profético dos mártires do século XXI e a perspectiva de uma destruição de porte universal. Ademais, como vimos, é o próprio Cardeal Ratzinger quem destaca, em seu Comentário teológico, esses dois pontos: o martírio e a destruição.
Catolicismo — Quais serão as proporções do Castigo anunciado em Fátima: significará uma destruição do mundo até seus alicerces?
Antonio Borelli Machado — É muito sugestivo que, no 3° Segredo, se descreva “uma grande cidade meio em ruínas”. O que está “meio em ruínas” não está totalmente destruído. Portanto, do que existe hoje, algo ficará de pé. Pode-se pensar que a destruição será seletiva...
No trecho da encíclica Immortale Dei, há pouco citado, Leão XIII observava que, em tempos passados — e é intuitiva a remissão dele à Idade Média — “a sociedade civil deu frutos superiores a toda expectativa, frutos cuja memória subsiste e subsistirá, consignada como está em inúmeros documentos que artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer”.
Se tais “documentos”, “artifício algum dos adversários poderá corromper ou obscurecer”, a fortiori se deve inferir que Deus os preservará, ao desencadear o Castigo.
Que documentos são esses?
A memória do passado subsiste não apenas em documentos históricos, mas também no cerne das leis e das instituições consolidado ao longo dos séculos; bem como, de modo ainda mais visível, nos monumentos que o tempo e os homens não destruíram. Exemplo de causar arrepio e espanto foi a intenção dos revolucionários de 1789 de demolir a Catedral de Notre-Dame de Paris — essa joia da Cristandade medieval. Ela chegou a ser posta à venda e surgiu até um comprador. Com as perturbações da Revolução, o comprador não chegou a pagar e a compra se desfez.
Agora, com a aproximação do centenário de Fátima, os revolucionários de nossos dias tentam desferir o assalto derradeiro à civilização cristã: investem com ódio cego contra os princípios sagrados da família que ainda restam de pé, e pretendem, entre outros maléficos desígnios, transtornar a própria natureza biológica do homem, propugnando o que chamam Ideologia de Gênero. Segundo esta, não se nasce homem ou mulher, mas cada um se faz homem ou mulher segundo seus pendores pessoais. Uma concepção inaudita!
É consolador ver que muitos de nossos contemporâneos, que antes assistiam passivamente as investidas revolucionárias, hoje começam a reagir e criam obstáculos inesperados a essa ousadia final da Revolução*.
Diante do exposto, pode-se prognosticar que o processo revolucionário não alcançará a destruição total que almeja — dos princípios, instituições e monumentos da civilização cristã —, mas se chocará contra a resistência de um pequeno, mas crescente número de almas fiéis.
Não sem profunda emoção se vê surgir, na cena final do 3° Segredo, a inesperada fileira dos que estavam longe de Deus, e que, reaproximando-se d’Ele, são ungidos com o sangue dos mártires, recolhido pouco antes por dois Anjos, em regadores de cristal, sob os braços da Cruz.
A esses beneficiários ignotos do sangue dos mártires, segundo o princípio enunciado por Tertuliano, caberá juntar com amor os restos da Cristandade — os documentos a que fazia referência Leão XIII — e reedificar sobre eles a civilização cristã do futuro, elevando-a ao máximo esplendor, não alcançado durante a Idade Média.
Para isso, deverão remover todos os escombros do Estado laico, igualitário e ateu que tiverem restado na face da Terra e reconstruir sobre eles uma “civilização cristã, austera e hierárquica, fundamentalmente sacral, anti-igualitária e antiliberal”, como ensina o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira em Revolução e Contra-Revolução*.
Tudo com um tônus profundamente marial, segundo preconiza São Luís Grignion de Montfort, no Tratado da Verdadeira Devoção (n° 217):
— “Quando virá o dia em que as almas respirarão Maria, como o corpo respira o ar?”
Não sabemos quando isso ocorrerá. Uma coisa, porém, é certa: tal se dará efetivamente, pois Nossa Senhora assegurou, no final do 2° Segredo: “Por fim, o meu Imaculado Coração triunfará!”