Plinio Maria Solimeo
Santa Margarida Maria viveu em pleno Ancien Régime (Antigo Regime), o período da História europeia que terminou com a Revolução Francesa. Segundo a Enciclopédia Larousse, “a ata de nascimento do Ancien Régime é difícil de precisar”.
Para alguns o Ancien Régime vai desde o fim das Guerras de Religião (Tratados de Westfalia, que puseram fim à Guerra dos Trinta Anos) até a Revolução Francesa, ou seja, de 1648 a 1789. Em relação à França, da qual nos ocupamos, a expressão Ancien Régime é comumente usada para indicar o período entre o reinado do primeiro dos Bourbons (Henrique IV, 1594-1610) e a Revolução Francesa.
No campo religioso, o jansenismo — espécie de infiltração do espírito calvinista dentro da Igreja — causava grandes estragos nas almas dos fiéis na França dos séculos XVII e XVIII, destruindo nelas a noção da misericórdia de Deus e da confiança filial que devemos ter em relação ao Pai Celeste, inculcando-lhes um temor unilateral, desprovido de amor, e as inclinando a fugir dos Sacramentos, sobretudo da Eucaristia.
Foi então que o Sagrado Coração de Jesus apareceu a Margarida Maria, jovem religiosa da Ordem da Visitação, fundada por São Francisco de Sales e Santa Joana de Chantal para transmitir sua mensagem de misericórdia e confiança expressa no Coração humano e divino do Verbo Encarnado.
Santa Margarida Maria, grande mística, vivia quase completamente imersa no sobrenatural. Sua vida já foi exposta nesta revista e por isso dela daremos apenas breve resumo biográfico, para nos concentrarmos nas promessas do Sagrado Coração de Jesus.
Nascida em 22 de julho de 1647, filha de Cláudio Alacoque e de Felisberta Lamyn, Margarida Maria era a quinta dos sete filhos do casal.
Deus a queria só para Si. Por isso, como ela mesmo revela em sua Autobiografia, preservou-a praticamente desde o berço da mais leve mancha de pecado.1 O Divino Mestre a dirigia nos segredos da vida interior, para que sua comunicação fosse só com o Céu.
Desse modo, por volta de apenas quatro anos de idade Margarida fez voto de castidade: “Sem saber o que dizia, sentia-me continuamente impelida a dizer estas palavras: ‘Meu Deus, eu vos consagro a minha pureza, e vos faço voto de perpétua castidade’” (Autobiografia, 2).
Afirma seu primeiro biógrafo: “Desde a infância o Espírito Santo lhe ensinou o ponto capital da vida interior, comunicando-lhe o dom da oração. O seu maior prazer era passar horas inteiras em oração; e, quando não a encontravam em casa, iam à igreja, onde a achavam imóvel diante do Santíssimo Sacramento” .2
Com o falecimento do pai em 1655, Margarida, então com oito anos, foi colocada como educanda no convento das religiosas clarissas em Charolles.
A devoção a Nossa Senhora é sinal de predestinação. Por isso Margarida sempre a teve desde os albores da razão. Maria Santíssima retribuía amor com amor: “A Santíssima Virgem teve sempre grandíssimo cuidado de mim, e a Ela é que eu recorria em todas as minhas aflições. Foi Ela que me afastou de perigos muito grandes”, confessa Margarida.
Antes mesmo de São Luís Maria Grignion de Montfort ter popularizado a devoção da Sagrada Escravidão a Nossa Senhora, Margarida, ainda menina, consagrou-se a Ela como escrava (Autobiografia, 22).
Margarida tinha cerca de 11 anos quando uma grave doença pôs em risco sua vida, obrigando a família a retirá-la do convento e levá-la para casa. Ela ficou semiparalítica e tão magra que, segundo narra, “os ossos furavam-me a pele por todos os lados”. Tampouco podia andar. Os médicos esgotaram toda a sua ciência e não obtiveram qualquer resultado, levando-a à suposição de que a principal origem da doença fosse sobrenatural. A doença durou quase quatro anos e Margarida só se curou depois que se consagrou a Nossa Senhora.
Ao atingir a adolescência, Margarida quis abraçar a vida religiosa, mas a mãe e os irmãos, perseguidos por parentes do falecido marido, quiseram obrigá-la a se casar, a fim de aliviar a difícil situação da família.
Entretanto, vencida a pressão, Margarida Maria ingressou no convento da Visitação, em Paray-le-Monial. Assim que entrou no locutório, ouviu interiormente estas palavras: “É aqui que te quero” (Autobiografia, 26).
Como não trataremos da vida da santa em Paray-le-Monial, passemos às Grandes Revelações do Sagrado Coração de Jesus que recebeu.
Importa dizer que o Sagrado Coração de Jesus foi Se revelando a Santa Margarida Maria aos poucos, nos anos 1672 e 1673, até chegar a fazê-lo claramente em 1674 e 1675. Dez anos depois, em 1685 e 1686, Ele ainda lhe revelou suas magníficas promessas ao gênero humano.
Assim, nos primeiros meses de 1673, por entendimento interior, Margarida Maria viu seu coração como um átomo todo negro e desfigurado unir-se ao belo Coração de Jesus, mais brilhante que o sol e de uma grandeza infinita. Era sua primeira visão do Sagrado Coração, toda ela espiritual.3
Para nos situarmos um pouco no ambiente da França em que se deu a primeira grande aparição do Sagrado Coração de Jesus a Santa Margarida Maria, transcrevemos as palavras do Padre Augusto Hamon, um dos melhores biógrafos da Santa:
“Na manhã de 27 de dezembro de 1673 [dia em que se deu a primeira grande Revelação], a vida em nossa terra da França foi retomada no ponto onde os homens a haviam abandonado na véspera, à noite. Por toda parte as mesmas ocupações, os mesmos prazeres, as mesmas dores, os mesmos ódios e as mesmas ternuras, os mesmos trabalhos e as mesmas guerras; Bourdaloue e Bossuet pregam, La Fontaine pensa em