moral”, ainda se deve ter como válido o ensinamento da encíclica de S. João Paulo II “Veritatis splendor”, n. 81, assente sobre a Sagrada Escritura e sobre a Tradição da Igreja, segundo o qual: “as circunstâncias ou as intenções nunca poderão transformar um ato intrinsecamente desonesto pelo seu objeto, num ato ‘subjetivamente’ honesto ou defensável como opção”?
5. Depois de “Amoris laetitia”, n. 303, ainda se deve ter como válido o ensinamento da encíclica de S. João Paulo II “Veritatis splendor”, n. 56, assente sobre a Sagrada Escritura e sobre a Tradição da Igreja, que exclui uma interpretação criativa do papel da consciência, e afirma que a consciência jamais está autorizada a legitimar exceções às normas morais absolutas que proíbem ações intrinsecamente más pelo próprio objeto?
4. Nota explicativa dos quatro cardeais
O CONTEXTO
Os “dubia” (do latim, “dúvidas”) são questões formais dirigidas ao Papa e à Congregação para a Doutrina da Fé, pedindo uma clarificação acerca de temas particulares relativos à doutrina ou à prática.
O que estes pedidos têm de particular é o fato de serem formulados de modo a pedirem como resposta um “sim” ou um “não”, sem argumentações teológicas. Não fomos nós a inventar esta modalidade da forma de se dirigir à Sé Apostólica; é uma prática secular.
Tratemos agora do que está em jogo.
Depois da publicação da exortação apostólica pós-sinodal “Amoris laetitia”, sobre o amor na família, levantou-se um amplo debate, em especial a respeito do capítulo oitavo. Mais especificamente ainda, os parágrafos 300-305 têm sido objeto de interpretações divergentes.
Para muitos — bispos, párocos, fiéis —, estes parágrafos fazem alusão, ou ensinam explicitamente, uma mudança da disciplina da Igreja a respeito dos divorciados que vivem numa nova união, ao passo que outros, admitindo embora a falta de clareza, ou mesmo a ambiguidade das passagens em questão, argumentam que estas mesmas páginas podem ser lidas em continuidade com o magistério precedente e não contêm uma modificação quanto à prática e aos ensinamentos da Igreja.
Animados por uma preocupação pastoral para com os fiéis, quatro cardeais enviaram uma carta ao Santo Padre sob a forma de “dubia”, esperando assim obter clareza, dado que a dúvida e a incerteza são sempre em grandíssimo detrimento do cuidado pastoral.
O fato de que os intérpretes cheguem a diferentes conclusões deve-se também à existência de vias divergentes a propósito da compreensão da vida cristã. Nesse sentido, o que está em jogo em “Amoris laetitia” não é somente a questão de se saber se os divorciados que iniciaram uma nova união — sob certas circunstâncias — podem ser readmitidos ou não aos sacramentos.
É mais do que isso, já que a interpretação do documento implica maneiras diferentes e contrastantes de encarar o estilo de vida cristão.
Assim, enquanto a primeira questão dos “dubia” diz respeito a um tema prático relativo aos divorciados recasados civilmente, as restantes quatro questões são relativas a temas fundamentais da vida cristã.
Pergunta-se se, de acordo com quanto se afirma em “Amoris laetitia”, n. 300-305, se tornou agora possível conceder a absolvição no sacramento da Penitência, e, portanto, admitir à Sagrada Eucaristia, uma pessoa que, estando ligada por vínculo matrimonial válido, convive “more uxorio” com outra, sem que estejam cumpridas as condições previstas por “Familiaris consortio”, n. 84, e entretanto confirmadas por “Reconciliatio et paenitentia”, n. 34, e por “Sacramentum caritatis”, n. 29. Pode a expressão “em certos casos”, da nota 351 (n. 305) da exortação “Amoris laetitia”, ser aplicada a divorciados com uma nova união que continuem a viver “more uxorio”?
A primeira pergunta refere-se, em particular, ao n. 305 de “Amoris laetitia” e à nota de pé de página 351. A nota 351, pese embora falar especificamente dos sacramentos da penitência e da comunhão, não menciona, nesse contexto, os divorciados recasados civilmente, como também não o faz o texto principal.
O n. 84 da exortação apostólica “Familiaris consortio”, do Papa João Paulo II, já contemplava a possibilidade de admitir os divorciados recasados civilmente aos sacramentos. Mencionavam-se aí três condições:
— as pessoas interessadas não podem separar-se sem cometer uma nova injustiça (poderia acontecer, por exemplo, que fossem responsáveis pela educação dos próprios filhos);
— os interessados assumem o compromisso de viver de acordo com a verdade da própria situação, cessando de viver juntos como se fossem marido e mulher (“more uxorio”), e abstendo-se dos atos próprios dos esposos;
— os interessados evitam dar escândalo (isto é, evitam a aparência do pecado para evitar o risco de levar os outros a pecar).
As condições indicadas em “Familiaris consortio”, n. 84, e nos sucessivos documentos acima mencionados mostram-se imediatamente razoáveis, assim que se recorda que a união conjugal não se baseia apenas na mútua afeição, e que os atos sexuais não são apenas uma atividade a mais entre outras que o casal possa praticar.
As relações sexuais são para o amor conjugal. São algo de tão importante, de tão grande bondade e de tão precioso, que requerem um contexto particular: o contexto do amor conjugal. Por conseguinte, não só os divorciados que vivem numa nova união se devem abster, mas também qualquer pessoa que não esteja casada. Para a Igreja, o sexto mandamento, “não cometer adultério”, sempre abrangeu qualquer exercício da sexualidade que não fosse conjugal, ou seja, qualquer tipo de ato sexual além do que se tem com o próprio esposo.
Parece que, se fossem admitidos à comunhão os fiéis que iniciaram uma nova união no âmbito da qual vivem como se fossem marido e mulher, a Igreja estaria a ensinar, através de tal prática de admissão, uma das seguintes afirmações a propósito do matrimônio, da sexualidade humana e da natureza dos sacramentos:
— O divórcio não dissolve o vínculo matrimonial, e os parceiros da nova união não estão casados. Apesar disso, as pessoas que não estão casadas podem, em certas condições, realizar legitimamente atos de intimidade sexual.
— O divórcio dissolve o vínculo matrimonial. As pessoas que não estão casadas não podem realizar legitimamente atos sexuais. Os divorciados recasados são esposos legitimamente, e os seus atos sexuais são atos conjugais licitamente.
— O divórcio não dissolve o vínculo matrimonial, e os parceiros da nova união não estão casados. As pessoas que não estão casadas não podem praticar atos sexuais. Por isso, os divorciados recasados civilmente vivem numa situação de pecado habitual, público, objetivo e grave. Todavia, admitir uma pessoa à Eucaristia não significa para a Igreja aprovar o seu estado de vida público; o fiel pode aproximar-se da mesa eucarística, mesmo com a consciência de pecado grave. Para se receber a absolvição no sacramento da penitência não é sempre necessário o propósito de mudar a própria vida. Por conseguinte, os sacramentos estão desligados da vida: os ritos cristãos e o culto estão numa esfera diferente relativamente à da vida moral cristã.
Continua a ser válido, após a exortação pós-sinodal “Amoris laetitia” (cf. n. 304), o ensinamento da encíclica de S. João Paulo II “Veritatis splendor”, n. 79, assente na Sagrada Escritura e na Tradição da Igreja, acerca da existência de normas morais absolutas, válidas sem qualquer exceção, que proíbem atos intrinsecamente maus?
A segunda pergunta diz respeito à existência dos assim chamados atos intrinsecamente maus. O n. 79 da encíclica “Veritatis splendor”, de João Paulo II, assevera que é possível “qualificar como moralmente má segundo a sua espécie […] a escolha deliberada de alguns comportamentos ou atos determinados, prescindindo da intenção com que a escolha é feita ou da totalidade das consequências previsíveis daquele ato para todas as pessoas interessadas”.
Ensina, pois, a encíclica que há atos que são sempre maus, proibidos por aquelas normas morais que obrigam sem admitir qualquer exceção (“absolutos morais”). Estes absolutos morais são sempre negativos, isto é, dizem-nos o que não deveríamos fazer. “Não matar”. “Não cometer adultério”. Somente as normas negativas podem obrigar sem qualquer exceção.
De acordo com “Veritatis splendor”, no caso dos atos intrinsecamente maus, não é necessário qualquer discernimento das circunstâncias ou das intenções. Ainda que um agente secreto pudesse arrancar informações valiosas à mulher de um terrorista cometendo adultério com ela, tanto que pudesse até salvar a própria Pátria (isto, que soará a um exemplo saído de um filme de James Bond, fora já contemplado por São Tomás de Aquino em De Malo, q. 15, a. 1). João Paulo II afirma que a intenção (neste caso, “salvar a Pátria”)