História, até o nazismo e o comunismo. Aliás, acrescentaria talvez alguém, Simeão bem exprimiu essa verdade, profetizando que Ele seria ao longo da História uma pedra de escândalo, um sinal de contradição para a morte e ressurreição de muitos (cfr. Luc. 2, 34). Ele próprio disse de Si que trazia à Terra o gládio (cfr. Mat. 10, 34). Por melhor que tudo isto seja — poderia argumentar um “homem de boa vontade” entre aspas —, a verdadeira paz, isto é, uma plena e completa desmobilização dos espíritos, uma inteira cessação não só de todas as guerras como de todas as polêmicas, não é possível com Jesus Cristo. A paz só é autêntica quando abstrai de todas as controvérsias, inclusive aquelas a que Jesus Cristo — sem culpa própria, concede o “homem de boa vontade” — dá ocasião.
Sim, diria um homem de boa vontade autêntico, isto é, um homem que com todas as veras de sua alma ama a Deus.
Neste caso, é por burla que a Escritura chama Jesus Cristo Príncipe da Paz (cfr. Is. 9, 6), e a Igreja, fazendo eco ao Batista (cfr. Jo. 1, 29 e 36), O apresenta como um manso Cordeiro a quem os homens devem pedir o dom da paz: “Agnus Dei, qui tollis peccata mundi, dona nobis pacem” (Eis o Cordeiro de Deus, Aquele que tira o pecado do mundo — Jo, 1, 29).
Ou é por que a verdadeira paz não exclui a luta do bem contra o mal, a polêmica entre a luz e as trevas, o perpétuo esmagar da cabeça da Serpente pela Virgem sem mancha, a hostilidade entre a raça oriunda da Virgem e a raça da Serpente? A paz é a ordem de Cristo no Reino de Cristo. Ela tem, pois, como condição a luta dos sequazes de Cristo contra os inimigos de Cristo. A paz de Cristo não se identifica de modo nenhum com a falsa paz, sem lutas nem polêmicas, do pretenso “homem de boa vontade”.
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Três grandes lições, ó Deus-Menino, recolhemos do vosso Santo Natal. Ficamos sabendo que não há paz na Terra sem Vós. Que homem de boa vontade autêntico não é quem ama o homem pelo homem, mas quem o ama por amor de Vós. E que vossa Paz inclui a cessação de todas as lutas exceto a vossa incessante e gloriosa guerra contra o demônio e seus aliados, isto é, o mundo e a carne.
Virgem Maria, Medianeira de todas as graças, debruçada em adoração sobre o Deus-Menino, obtende-nos uma plena compenetração de todas estas verdades.
E permiti que nas perspectivas que elas desvendam, cantemos convosco e com todas as criaturas celestes e terrenas das quais sois Rainha:
“Glória a Deus no mais alto dos Céus, e paz na Terra aos homens de boa vontade”.
A adoração dos pastores (detalhe) – Giorgione, séc. XVI. Samuel H. Kress Collection, National Gallery of Art, Washington.