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(continuação)

Sobre esta pedra edificarei a minha Igreja

Alguns discípulos se escandalizaram diante das palavras “comer de minha carne e beber de meu sangue”. Jesus ficou entristecido por essa atitude, segundo São João, e perguntou-lhes: “Quereis vós também retirar-vos?”. Foi São Pedro quem bradou em nome de todos, com o ardor de sua fé e o amor de seu coração, fazendo ao mesmo tempo uma solene profissão de fé: “Senhor, a quem iríamos nós? Tu tens as palavras da vida eterna. E nós cremos e sabemos que tu és o Santo de Deus!”. Assim, foi ele o primeiro que confessou a verdade da Eucaristia, animou também os seus companheiros a confessar esse grande mistério e a permanecer firmes no serviço de Jesus Cristo.15

Mas esta não foi sua única profissão de fé. Temos outra, ainda mais eloquente, que se passa aos pés do Monte Hermon. Havia mais de um ano que os apóstolos viviam na intimidade do Mestre. Não duvidavam de sua santidade, conheciam o seu poder, e esperavam que Ele se declarasse investido da qualidade messiânica. O que ocorreu então nos é relatado pelos três evangelistas, Mateus, Marcos e Lucas.

Nosso Senhor, dirigindo-se aos Apóstolos, perguntou-lhes: “No dizer do povo, quem é o Filho do Homem?”. A resposta foi que para uns era Elias, para outros João Batista, Jeremias ou outro dos profetas. Jesus foi então mais específico: “E vós, quem dizeis que sou?”. Aí também, falando em nome dos doze, Simão Pedro exclamou: “Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo!”. São Marcos interrompe aqui sua narração, e também São Lucas, que sempre o segue. São Mateus completa o que se passou, relatando as solenes promessas que o divino Mestre fez a Pedro: “Feliz és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelou isto, mas meu Pai que está nos céus. E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na Terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na Terra será desligado nos Céus”.

Alguns, sobretudo protestantes, levantam objeções contra esta passagem, alegando tratar-se de interpolação. Mas o testemunho unânime dos manuscritos, as passagens paralelas dos outros Evangelhos, e a crença fixada da literatura pré-constantiniana fornecem as provas mais seguras da genuinidade e autenticidade do texto de São Mateus.

Seu significado se torna ainda mais claro quando nos lembramos de que as palavras ligar e desligar não são metafóricas, mas termos jurídicos judeus. Pedro foi pessoalmente instalado pelo próprio Cristo como Cabeça dos Apóstolos. O que foi definido pelo Fundador, quando instituiu a sua Igreja, teria de continuar. E continuou, como o mostra a história presente, na primazia da Igreja romana e de seus bispos.16

Aqui cabem também as ponderações do teólogo G. Glez, no Dictionnaire de Théologie Catholique. Retomando o nome de Cefas dado a Simão, Jesus o explica e justifica, assinalando aquele que desempenha um papel de primeira importância em sua obra. Assim como a confissão de Jesus, Filho do Deus vivo, é o fundamento da fé cristã, assim também Pedro será a pedra viva (não a pedra angular, expressão e papel reservados a Jesus Cristo), o fundamento inabalável sobre o qual repousará a Igreja, edifício que o Senhor vai construir.17

Não foi somente a Pedro e à sua pessoa, mas também a todos os seus sucessores, que Nosso Senhor disse: “Tu és pedra, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do inferno não prevalecerão contra ela”. Da mesma forma que ordenou: “Confirma teus irmãos; apascenta minhas ovelhas”. Como essa Igreja deveria subsistir até o fim dos séculos, era necessário dar-lhe uma sucessão de pastores, tão estável como ela mesma.

Roguei por ti, para que tua fé não desfaleça

Apesar de seu entusiasmo pelo Messias, São Pedro ainda não possuía pleno conhecimento de sua missão redentora. Diante da sua concepção humana do Messias prometido, pareciam-lhe contraditórios os sofrimentos pelos quais o Filho de Deus deveria passar. Isto provocou dura reprimenda de Jesus, quando Pedro quis dissuadi-Lo de falar sobre sua Paixão: “Afasta-te, Satanás! Tu és para mim um escândalo; teus pensamentos não são de Deus, mas dos homens!”. Portanto, eram ainda muito mundanos os pensamentos de São Pedro.

Outra cena transcendental confirma o papel insubstituível de São Pedro. Ocorreu durante a Última Ceia, quando os Apóstolos discutiam entre si sobre qual deles era o maior, e é descrita por São Lucas. O Salvador voltou a lhes falar da humildade que deveriam ter: “O que entre vós é o maior, torne-se como o último; e o que governa seja como o servo”. E acrescentou que no seu reino todos eles se sentariam à sua mesa e julgariam as doze tribos de Israel. Voltando-se para Pedro, mudou de tema e disse: “Simão, Simão, eis que Satanás vos reclamou para vos peneirar como o trigo; mas eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, por tua vez, confirma os teus irmãos”.

Quando diz “vos reclamou para vos peneirar como o trigo”, Nosso Senhor fala na segunda pessoa do plural, referindo-se a todos os Apóstolos. Depois passa para a segunda pessoa do singular: “Mas eu roguei por ti...”. Nesse momento solene da Última Ceia, o Redentor diz que rezou de modo especial por Pedro, e só por ele, para que sua fé não desfalecesse. Como diz a tradução da Bíblia feita pelo Pe. Matos Soares,18 para que ele, uma vez convertido, confirmasse os outros Apóstolos, os quais seriam “peneirados como o trigo”.

Ressalte-se que São Lucas descreve esta cena pouco antes daquela em que Nosso Senhor prediz a Pedro que este O negaria três vezes. No próprio momento em que lhe vaticina a negação, Jesus afirma que rezou por ele a fim de que sua fé não vacilasse. Ao contrário da passagem de São Mateus sobre o primado de Pedro, que é contestada pelos protestantes, nenhuma dúvida se levanta sobre a autenticidade deste texto de São Lucas.

Aquele que Satã deseja acima de tudo fazer cair é Pedro, chefe dos Apóstolos. Jesus conheceu o perigo que o ameaçava, mas não quis preservá-lo inteiramente. Sua prece pôs ao abrigo a fé de Pedro, pois é a ele que cabe fortalecer seus irmãos. O privilégio de uma fé indefectível só é assegurado a Pedro.

Tal prerrogativa lhe permitirá fortalecer os próprios Apóstolos na fé, sem excluir os outros crentes. E isso tanto quanto durar a Igreja, contra a qual não prevalecerão as portas do inferno.19 Temos indubitavelmente aí, em primeiro lugar e sobretudo, o breve enunciado do privilégio de infalibilidade pessoal e ativa concedido a Pedro. Pelo fato de essa atribuição ser feita apenas a ele, chefe supremo cuja fé confirmará a dos outros pastores, a primazia efetiva prometida em Cesareia encontra-se aqui confirmada solenemente pelo Mestre.20

Não cantará o galo até que me negues três vezes

Aproximando-se o momento da Paixão, Pedro é o encarregado de tudo preparar para a Páscoa, juntamente com São João. Durante a Ceia, quando o Mestre lava os pés de seus Apóstolos, somente Pedro protesta contra esse ato de humildade do Messias: “Jamais me lavarás os pés!” — exclama, cheio de amor e de reverência para com o Mestre. Mas quando Jesus lhe diz que não terá parte em seu reino, se Ele não lhe lavar os pés, Pedro responde enfaticamente: “Senhor, não somente os pés, mas também as mãos e a cabeça”. Era-lhe inaceitável a ideia de se separar de Cristo Jesus.

Momentos depois, quando o Mestre diz que um dos presentes O há de trair, é ainda São Pedro que acena a São João, para perguntar a Jesus de quem se

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Legenda:
-“E eu te declaro: tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja; as portas do inferno não prevalecerão contra ela. Eu te darei as chaves do Reino dos Céus: tudo o que ligares na Terra será ligado nos Céus, e tudo o que desligares na Terra será desligado nos Céus”